As últimas edições do meu programa favorito de política mundial, “Международное обозрение” (Mezhdunaródnoie obozrénie; pode ser traduzido como “Panorama Internacional”), têm dado interessantes reportagens sobre como os russos têm se relacionado com os vizinhos do Extremo Oriente, sobretudo com países comunistas ou ex-comunistas. O programa é exibido pelo canal jornalístico Rossia 24, controlado pelo governo, e atualmente apresentado por Fiodor Lukianov, especialista em relações internacionais. Eu sei que contém praticamente a visão política de Putin, mas abstraindo isso, gosto do programa como um contraponto à visão ocidental predominante e uma fonte de informações muito variadas.
Na edição de 9 de julho passou uma reportagem sobre como os chineses estão curtindo cada vez mais a cultura russa, na sequência da reaproximação entre os dois países, e na edição de 16 de julho tratou-se dos 100 anos de relações internacionais da República da Mongólia, um dos primeiros Estados socialistas do mundo, com outros países, incluindo a Rússia soviética.
A moça chinesa entrevistada, identificada como Zhang Ling, frequenta um dos cursos ministrados por uma russa na China e fala algumas palavras no idioma. Há alguns pontos que não correspondem à língua padrão, como o uso de on (ele) pra se referir à avó, o uso de baba quando deveria ser babka ou bábushka (já fiz muito esse erro!) e o uso de em minha memória talvez pra se referir a alguma recordação do passado.
Zhang Ling menciona o conto Kolobók, que na verdade é conhecido entre todos os eslavos orientais e tem equivalentes aproximados em países vizinhos, eslavos ou não. Trata-se de algo parecido com um crepe redondo ou com uma carolina (o doce), dependendo da versão, que toma vida e participa da história (não existe tradução exata da palavra).
Na semana seguinte, o canal exibiu toda uma reportagem sobre a permanência da figura de Gengis Khan como um mito de fundação nacional e a constituição da Mongólia moderna como um Estado separado da China e desde o início auxiliado pelos bolcheviques. Houve uma breve participação de Jügderdemidiin Gürragchaa, nascido em 1947 e primeiro astronauta do país, treinado na antiga URSS e falante do russo, embora um pouco destreinado, como vemos. Ele também foi ministro da Defesa da Mongólia de 2000 a 2004, e lamenta a negligência dada atualmente à língua russa, tão importante outrora na diplomacia nacional.
Na verdade, mesmo mantendo uma independência formal, a Mongólia socialista era na prática tutelada pela URSS, tanto que adotou uma adaptação do alfabeto cirílico pra sua língua peculiar, diferente das de todos os vizinhos. Porém, nunca houve revolta contra o governo comunista, que acabou pacificamente em 1990, e o país permaneceu relativamente pacífico, protegido também pela China comunista e contra os invasores japoneses e do Guomindang.
Eu mesmo transcrevi, traduzi e legendei os trechos concernidos, embora no caso do mongol eu não saiba se está totalmente correto, porque ele praticamente fala pra dentro. Assista aos vídeos e leia as transcrições e as traduções:
Когда я была маленькой, баба часто мне читала русские сказки... [Какие?] «Колобок»! И она часто играла на фортепиано музыку Чайковского. В моей памяти баба всегда говорила, что Россия – это очень красивая и великая страна.
(Quando eu era pequena, vovó sempre lia contos russos pra mim... [Quais?] Kolobok! E sempre tocava no piano músicas de Chaikovski. Me lembro que vovó sempre dizia que a Rússia é um país muito bonito e grandioso.)
Русский язык знали практически все, предавал огромное значение со стороны государства, а теперь этой поддержки нет. Ну, приходится уже это, вот. Молодые люди сами вообще решают, какой язык будет для них главным языком. В этом году мы отмечаем столетие дипломатического установления... дипломатических отношений. Ну, каждое отношение с иностранной организацией, иностранным государством... на языке основа, да? И если ты язык того государства не знаешь, отношение будет не такой, какой... Но вообще я всегда говорю, думаю, что самое хорошее отношение – это отношение между простыми людьми.
(Praticamente todos sabiam a língua russa, ela recebia uma enorme consideração da parte do Estado, mas agora não existe mais esse apoio. É isso que está ocorrendo. Em geral são os próprios jovens que decidem qual será a principal língua para eles. Neste ano celebramos o centenário da constituição diplomática, das relações diplomáticas... Bem, cada relação com uma organização estrangeira, com um Estado estrangeiro... tem a língua por fundamento, não? E se você não sabe a língua desse Estado, bem, a relação não será tão como... Mas em geral eu sempre falo, penso que a mais importante das relações é a relação entre as pessoas comuns.)