Em Paris, logo após o atentado terrorista à sede do jornal satírico Charlie Hebdo a 7 de janeiro de 2015, o Presidente da República François Hollande falou em cadeia nacional sobre o crime, louvando as vítimas como “heróis da liberdade”, agradecendo às mensagens de solidariedade vindas do mundo inteiro, prometendo capturar, julgar e punir os atiradores e pedindo à população que permanecesse unida como principal arma contra o medo.
A comoção em torno dos assassinatos desses cartunistas e jornalistas daria espaço, nos dias seguintes, ao movimento “Nous sommes tous Charlie” (Somos todos Charlie), para defender a liberdade de expressão e de imprensa, condenar a disseminação do terror por motivos religiosos e garantir a continuidade da publicação do periódico, apesar das graves baixas e das ameaças recebidas havia muitos anos. Na sequência da caçada aos criminosos, eles acabaram sendo mortos pela polícia após praticarem outros delitos, frustrando o desejo de Hollande de vê-los julgados e punidos.
Difundiu-se por algum tempo nas redes sociais o uso da mensagem em preto “Je suis Charlie” (Eu sou Charlie), mas alguns críticos julgaram como mais graves os frequentes “insultos” às religiões que os desenhistas faziam e a suposta “incitação” à islamofobia daí derivada, já que eram comuns caricaturas que diziam retratar o profeta Maomé. Após o atentado, ocorreram até mesmo muitas manifestações antifrancesas e antiocidentais em países muçulmanos, culminando em estrangeiros mortos e igrejas e embaixadas depredadas.
O título original do pronunciamento é “Allocution à la suite de l’attentat au siège de Charlie Hebdo”, publicado na página do Élysée, a Presidência da República francesa, e que é acompanhado do vídeo, do áudio e de uma versão em PDF para baixar. O vídeo que legendei foi baixado do canal YouTube da agência de notícias RT France, e pode ser assistido nesta página. Eu traduzi e legendei o vídeo do pronunciamento, e as legendas sempre têm alguma adaptação em relação ao texto escrito, o qual, porém, pode ser lido mais abaixo, logo após o vídeo:
Meus caros compatriotas,
A França foi hoje atacada em Paris, seu coração, nas próprias instalações de um jornal. Esse tiroteio extremamente violento matou doze pessoas e feriu várias outras. Desenhistas de grande talento, cronistas corajosos foram mortos. Eles haviam marcado, por sua influência, sua insolência e sua independência, gerações e gerações de franceses. Quero dizer aqui a eles que continuaremos a defender essa mensagem de liberdade em seu nome.
Este desprezível atentado matou também dois policiais, aqueles mesmos que estavam encarregados de proteger o Charlie Hebdo e a redação dele, que eram há anos ameaçados pelo obscurantismo e que defendiam a liberdade de expressão.
Esses homens e essa mulher foram mortos pela ideia que tinham da França, isto é, a liberdade. Em nome de vocês, quero expressar aqui todo nosso reconhecimento às famílias, às vítimas, aos feridos, a seus próximos, a todos os que sofreram na pele com este desprezível assassinato. Eles são hoje nossos heróis, e por isso decretei que amanhã será um dia nacional de luto. Às doze horas haverá um momento de concentração em todos os serviços públicos, do qual convido toda a população a participar. As bandeiras ficarão por três dias a meio mastro.
Hoje, a República inteira é que foi agredida. A República é a liberdade de expressão. A República é a cultura, é a criação, é o pluralismo, é a democracia. É tudo isso que era visado pelos assassinos. É o ideal de justiça e paz que a França leva para todo o cenário internacional e essa mensagem de paz e tolerância que defendemos também por meio de nossos soldados na luta contra o terrorismo e o fundamentalismo.
A França recebeu mensagens de solidariedade e fraternidade do mundo inteiro, das quais devemos bem avaliar a dimensão. Temos de responder à altura este crime que nos atinge, primeiro buscando os autores dessa infâmia e fazendo com que eles possam ser presos, e então julgados e punidos com todo rigor. Tudo será feito para capturá-los. A investigação está avançando sob a autoridade da justiça.
Devemos também proteger todos os locais públicos, e o governo pôs em operação o chamado plano Vigipirate Attentat, isto é, forças de segurança serão deslocadas por toda a parte, onde quer que possa haver um foco de ameaça.
Nós mesmos, enfim, devemos ter em mente que nossa melhor arma é a unidade, a unidade de todos os concidadãos diante dessa adversidade. Nada pode nos dividir, nada deve nos opor e nada deve nos separar. Amanhã reunirei os presidentes das duas assembleias, bem como as forças representadas no Parlamento, para mostrarmos nossa determinação comum.
A França é grande quando consegue, numa adversidade, alçar-se ao melhor padrão, ou seja, seu padrão, o padrão que sempre permitiu ao país superar seus problemas. A liberdade será sempre mais forte do que a barbárie. A França sempre venceu seus inimigos quando soube justamente se congregar em torno de seus valores. É o que convido vocês a fazer. A união, a união de todos, sob todas as formas, é que deve ser nossa resposta.
Unamo-nos diante dessa adversidade. Nós venceremos, pois temos todas as aptidões para crer em nosso destino e nada poderá arrefecer essa determinação que é tão nossa.
Unamo-nos.
Viva a República e viva a França!