terça-feira, 9 de maio de 2023

Países eslavos e Turquia na Globo


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Há alguns anos, no antigo canal Pan-Eslavo Brasil (YouTube), postei algumas notícias de 2020 e, sobre a Geórgia, de 2017, transmitidas pelos telejornais da TV Globo sobre acontecimentos de então em alguns países eslavos e que consegui hackear do site do Globoplay. Hoje os vídeos perderam seu valor informativo imediato, mas mantêm um considerável valor histórico, também revelando sobre como a nata da grande mídia brasileira vê e trata os países eslavos e da Europa Oriental em geral. Além disso, gostaria de ver republicadas as descrições aos vídeos no YouTube, pois misturei à apresentação geral feita pela Globo informações de minha lavra, com valor didático aos curiosos. Espero que goste da coletânea!



Mikheil Saakashvili foge da polícia na Ucrânia (Hora 1, 6 de dezembro de 2017)

Mikheil Saakashvili foi presidente da Geórgia (o país do Cáucaso, que se chama “Sakartvelo”) por 10 anos, incluindo o período em que o país travou uma curta guerra com a Rússia em 2008, por causa das regiões da Abecásia e da Ossétia do Sul, e acabou perdendo. É um daqueles adeptos das chamadas “revoluções coloridas”, que nos países da região tentam livrar-se de interferências russas e aproximar-se do Ocidente, da União Europeia e da OTAN, e obteve cidadania ucraniana, governando inclusive a província de Odessa.

Adepto do combate à corrupção presumidamente capitaneado pelo ex-presidente Petró Poroshenko, ele mesmo, porém, foi acusado de organização criminosa e a polícia da Ucrânia tentou prendê-lo em 5 de dezembro de 2017. Saakashvili, um dos maiores inimigos políticos de Vladimir Putin e do ex-presidente Eduard Shevardnadze, simplesmente tentou fugir pelo telhado de sua casa, sem sucesso. Contudo, sua multidão de minions acossou tão fortemente os policiais, que eles acabaram libertando-o, e a tentativa de prisão fracassou. O arauto da liberdade e da democracia claramente se esquivou de obedecer às leis do país que o acolheu, e protagonizou uma fuga circense e midiática!

Em 2023, fazendo oposição ao atual partido no poder da Geórgia, o “Sonho Georgiano”, que é acusado de solapar a democracia nacional e fazer o jogo do Kremlin, Saakashvili está numa prisão, doente, muito envelhecido pra própria idade, com sinais de demência e teve negado seu pedido de transferência pra um hospital no exterior. Suspeita-se que tenha sido envenenado no cárcer médico, “como sói ocorrer” com os inimigos de Putin, e há quem diga ter sido ordem do próprio. A notícia foi transmitida na TV Globo pelas jornalistas Cecília Malan e Monalisa Perrone na edição do dia 6 de dezembro seguinte do jornal Hora 1, exibido de madrugada. É a primeira manchete, seguida depois por um giro internacional.


Massacre de Srebrenica, na Bósnia, completa 25 anos (Jornal Nacional, 11 jul. 2020)

Os habitantes muçulmanos da Bósnia e Herzegóvina, país eslavo no coração dos Bálcãs, relembraram o massacre ocorrido há 25 anos na cidade de Srebrenica, pela ação de sérvios de religião cristã ortodoxa. Em 1995, a antiga Iugoslávia estava vivendo uma guerra civil por causa da declaração de independência, após o fim do regime comunista (1990), de várias repúblicas que a compunham desde 1945. Belgrado sempre foi a capital do país, localizada na região da Sérvia, cuja religião é majoritariamente ortodoxa, e tinha a última palavra sobre o que acontecia em todo o território. A Eslovênia, de maioria católica, e a Macedônia (hoje Macedônia do Norte) separaram-se primeiro, seguida da também católica Croácia, que só o fez, porém, após uma sangrenta guerra contra os sérvios.

A coisa ficou pior em se tratando da Bósnia e Herzegóvina, que é toda retalhada entre populações croatas (católicas), sérvias (ortodoxas) e bósnias (muçulmanas). A língua falada por essas três etnias, exceto por traços locais, é praticamente a mesma (podendo ser escrita com os alfabetos latino ou cirílico), e era chamada “servo-croata” no período comunista. Embora os especialistas a chamem “BCS” e a considerem uma “língua policêntrica” (como o português, o armênio e o persa), cada etnia a chama com seu próprio nome. Exceto pela religião, influências externas e alguns costumes locais, sérvios, croatas e bósnios, todos eslavos, têm poucas diferenças enquanto povos e sempre viveram bem até a segunda metade do século 20. O islã na Bósnia e Herzegóvina é herança da antiga dominação turco-otomana, mas tanto esse império quanto seus súditos nunca entraram em choque por religião.

Os sérvios não aceitariam mais uma independência, ainda mais de um território tão grande. O Ocidente, sobretudo a OTAN, se interessava por enfraquecer a antiga potência iugoslava e jogou com a carta da diferenciação étnica, sendo os sérvios apoiados pela Rússia. A guerra da Bósnia durou de 1992 a 1995, e nesse ínterim um povo (religião) tentou exterminar o outro, como ocorreu em Srebrenica, dos sérvios contra os bósnios. A solução final foi aceitar um país independente, mas na prática com três governos e presidentes diferentes, o que torna qualquer decisão geral quase inviável (como as urgências relativas à covid-19). A Iugoslávia se renomearia Sérvia e Montenegro em 2000, os dois territórios se separariam em 2006 e Kosovo (albaneses), dentro da Sérvia, declararia uma independência ainda não geralmenre reconhecida, em 2008.

A notícia foi transmitida pelo Jornal Nacional em 11 de julho de 2020.


Erdoğan torna Santa Sofia novamente uma mesquita (Jornal Nacional, 10 jul 2020)

Presidente e ex-premiê da Turquia aliado aos conservadores muçulmanos, Recep Tayyip Erdoğan (ler “redjép tai-íp érdooan”) recebeu autorização da justiça nacional (que, na prática, ele controla) pra transformar a famosa basílica de Santa Sofia, maior atração turística de Istambul e do país, numa mesquita reservada só pra orações muçulmanas. Como o edifício é patrimônio da UNESCO, vários países ocidentais e instituições internacionais criticaram a decisão como ideológica e danosa à herança cultural. Nas eleições presidenciais de 14 de maio de 2023, Erdoğan vai concorrer à própria reeleição, feito que pode ser dificultado pela situação econômica da Turquia e pelos estragos causados pelo terremoto de fevereiro passado.

Também conhecida em turco como “Ayasofya” (do grego hágia: “santa, sagrada”), a grande catedral e basílica foi erguida no século 6 em Bizâncio, então capital do Império Romano do Oriente (também chamado, por isso, “Bizantino”), herdeiro do cristianismo helênico instaurado pelo imperador Constantino. A própria cidade seria mais tarde rebatizada Constantinopla, e por mil anos sediou um importante império enfim derrubado pelos turcos otomanos, em meados do século 15. Muçulmanos, eles rebatizaram a capital como Istambul e transformaram a basílica numa grande mesquita, mesmo conservando vários ornamentos cristãos. Em 1934, Mustafá Kemal Atatürk, fundador da república turca moderna, fez do prédio um museu conforme à sua ideia de um Estado laico e num aceno ao Ocidente cristão.

Hoje a capital civil da Turquia é Ankara, no centro da península asiática da Anatólia. Se Santa Sofia encerrar suas atividades como museu, o país pode privar-se de uma renda milionária gerada pelo turismo internacional. A notícia foi dada pelo Jornal Nacional em 10 de julho de 2020.


Presidente polonês Andrzej Duda reeleito pra mais 5 anos (jornais Globo, 13 de julho de 2020)

O presidente conservador polonês Andrzej Duda, ligado a uma coalizão liderada pelo partido direitista Direito e Justiça (PiS), foi reeleito em segundo turno no domingo, 12 de junho de 2020, em votação realizada em meio à pandemia de covid-19. Duas semanas antes, ele tinha saído na frente no primeiro turno, passando à próxima fase com o liberal Rafał Trzaskowski, prefeito de Varsóvia pelo Plataforma Cívica (PO), e agora o superou com 51% dos votos, contra 49% do opositor. O comparecimento dos aptos a votar, 68,18%, é considerado o maior desde o fim do regime comunista, em 1989.

Duda levou consigo as cidades menores e boa parte do interior, enquanto Trzaskowski atraiu as cidades grandes e as gerações mais jovens, opostas ao conservadorismo e religião extremados. Porém, foram feitas acusações de que como Trzaskowski talvez fosse vencer no exterior, muitas dessas cédulas não chegaram a tempo e os emigrantes não conseguiram votar. Além disso, Duda é acusado de usar a máquina midiática do Estado pra fazer propaganda própria, além de atentar contra os movimentos feministas e LGBT (tipo um Putin polaco). Mesmo assim, seu programa de vasto auxílio social e distanciamento da União Europeia, cujos líderes viram sua vitória com apreensão, também atraiu vários eleitores.

Estas são as coberturas feitas pelo Jornal Hoje (com Maju Coutinho) e pelo Jornal Nacional (com Renata Vasconcellos) na segunda-feira seguinte. O engraçado é que a maioria dos não poloneses tem a tendência de pronunciar o “rz” como um “r” simples, então Andrzej, que é “ándjei”, vira “andrêi”, e Trzaskowski, que é “tchascófsqui”, vira “trascóvsqui”, rs.