sexta-feira, 26 de julho de 2019

Discussão aberta sobre comunismo (1)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/comuna1


Os comentários postados por usuários nos vídeos do meu canal do YouTube, a TV Eslavo, bem como nas publicações que lanço na aba “Comunidade” da página inicial, revelam muito sobre o que eles gostariam de aprender mais e o que eles já sabem sobre determinados assuntos. É claro que muitos só vêm lá pra impôr os próprios pressupostos indiscutíveis e apenas censurar outros usuários só porque eles pensam de forma diferente. Mesmo assim, o engajamento intelectual em meu canal tem crescido bastante, e ao lado de trolls bastante desocupados, têm surgido comentaristas certeiros e com muitas leituras sobre os temas, mesmo que eu não concorde com as posições deles. É óbvio que, dado o material encontrado na TV Eslavo, quase sempre as discussões são a respeito da natureza e consequências dos regimes comunistas do século 20.

Não vou aqui esgotar o tópico nem expor minhas próprias conclusões, mas mostrar como interajo com os internautas e o que mais tem sido julgado correntemente. Nesta primeira postagem estão os comentários e minhas respostas a um print que fiz num vídeo de um comentário de uma garota, adolescente ou um pouco acima disso, simplesmente ofendendo quem discordava do comunismo e dizendo que ela não precisava dar “nenhuma prova” pra justificar suas crenças. Mesmo quando, por mera curiosidade, lhe perguntei o que ela tinha lido, ela foi supergrossa comigo e assim continuou após outras perguntas, o que me fez apagar o comentário. Mas o que outros disseram a respeito é digno de exemplificar o que muitos pensam hoje sobre comunismo e historiadores. Os textos foram corrigidos e tiveram tiradas suas marcas de oralidade ou descontração, exceto ocasionais palavrões.



Internauta 1: Independente do espectro político, aqui em terras tupiniquins é raro observar das pessoas que falam sobre o comunismo e marxismo uma noção mínima ou um aprofundamento básico acerca da bibliografia de Marx e seus asseclas. Quiçá um conhecimento histórico do que foram as tentativas de implantar o socialismo no século 20. O que são defendidas são caricaturas que beneficiam o lado da moeda em que a pessoa está inserida. É isso. Um ode à ignorância.

Engraçada essa indignação seletiva acerca do que foi feito nos países socialistas no século passado. Mas com as crises humanitárias, como os genocídios por parte dos países capitalistas, ninguém fica chocado. A fome de 1943 em Bengala, em que Churchill condenou milhares de indianos à morte, o massacre francês na Argélia, os genocídios no Congo financiados pelos EUA. Se quer abordar as crises humanitárias do século 20, primeiro tem que colocar no contexto histórico da época, depois tentar julgar de acordo com a moral da época, e não com a visão humanitária baseada na Carta dos Direitos da ONU que temos hoje. Além de fazer um anacronismo histórico burro, são hipócritas, pois demonstram claramente que esse véu sentimental e de “indignação” serve apenas pra tentar justificar e passar pano pras cagadas que os capitalistas e a direita tupiniquim fizeram ao longo da História.

Eu (TV Eslavo): Ah, acho mais ou menos isso. Se não temos um referencial mínimo pra avaliar fenômenos como fome, genocídios e guerras, não tem ciência histórica: tudo bem considerar a moral da época, mas nenhuma historiografia é eterna, justamente porque ela sempre reflete de alguma forma o meio do historiador, e esse vai mudando ao longo do tempo. E como você disse, o problema do comunismo é: mesmo apesar das matanças por conta de políticas erradas e fome, em nenhum país comunista houve o que se chama a rigor de “genocídio”, isto é, matança deliberada por razões étnicas, raciais ou religiosas. É que nem “fascismo”, o povo fica usando “genocídio” a torto e a direito.

E mesmo assim, eu prefiro encaixar as matanças “do comunismo” na linha mais geral de industrialização e modernização da história da humanidade: sempre que antigos modos de vida são abalados, há genocídio físico, psicológico, cultural, linguístico etc. O problema é que um processo que durou séculos na história do ocidente foi comprimido nos países comunistas em décadas ou até anos, portanto mais visíveis e perceptíveis, e ainda mais numa época de comunicações globais difundidas. Em suma, o que “matou” na URSS, na China e no Leste europeu foi o mesmo que matou na América, na Inglaterra, na França e na África em séculos de exploração proletária, colonial e discriminatória.

Internauta 2: Eu não entendi a parte do “formação ensino médio”. Ou só doutores e mestres podem entender de marxismo?

Eu (TV Eslavo): O que é entender de marxismo pra você? A obra intelectual (pra não ficarmos nas consequências políticas) de Marx, Engels e seus continuadores é tão gigantesca que mesmo se nos limitássemos apenas aos dois primeiros autores, o mais renomado dos doutores devia ter a humildade de reconhecer que não conhece tudo. Por isso não hesito em dizer (ai de mim!) que comunista é uma das raças mais arrogantes que tem. Não sabe 1% do que afirma entender, mas se diz “possuidor da ciência do proletariado”.

Internauta 3: Comunista pode até ser arrogante mesmo, porém isso não muda o fato que tem gente morrendo, que se foda todo debate político ou econômico, enquanto os trabalhadores sofrerem o que você mesmo sabe que sofrem. Tudo o que um comunista, de corpo e alma quer, resumidamente, é ao menos um tempo para o povo respirar, poder viver algumas décadas sem temer se vai estar vivo amanhã, se sua próxima decisão financeira vai quebrar suas economias ou não, se seu filho vai voltar do trabalho/escola sem se sentir um lixo pela cor ou condição social, sem ser tratado feito lixo! Por isso a maioria se diz socialista, buscando essa “fase de transição”; a partir daí, com o encerramento da droga do genocídio e da destruição de nossas memórias e costumes, poderemos desenvolver nossa cultura e nossa própria honra e orgulho nacional!

Mas entenda, a esquerda não faz porra nenhuma, a direita é a força que promove tudo isso, a extrema-direita quer o mais rápido e doloroso massacre de nosso povo, aí o cidadão que tem um cérebro e um coração, é obrigado a pender a este lado, porque para uma colônia como o Brasil, só resta um recomeço, construir o nosso país com fogo, como o foram a maioria das grandes potências. Então, sinceramente, foda-se todo esse debate, enquanto todos os brasileiros não possam entrar nele! E para isso, tem que parar essa fábrica de pobreza e alienação!

Eu (TV Eslavo): Mas eu falei da arrogância ideológica (e às vezes acadêmica), e não da preocupação social! Tudo isso que você dissertou é óbvio, temos que melhorar a sociedade, independente de ideologia ou partido, “que se foda o debate”, como você disse... Mas o que me incomoda justamente é que esse seu “comunista boa-gente” foi e continua sendo uma raríssima exceção na história: no século 20, a maior parte dos PCs não governantes era alienada da realidade, e a maior parte dos PCs governantes só queria saber de “não largar o osso”. E infelizmente, o (autodeclarado) “comunista” médio do Brasil, quando não é lacrador, fica martelando essa história de “Lenin, Stalin, Mao”, como essa menina alienada, quando na verdade esses líderes nada têm a dizer sobre a realidade brasileira! Eles são, sim, importantes pra compreender a história mundial e de seus países, mas não do Brasil. Já Marx, sim, tem um alcance muitíssimo maior, se considerarmos mais seu método do que suas adaptações partidárias. Mas isso é outra história.

Internauta 4: Tem essa diferença que a gente não vê: enquanto a direita prega política para aumento de seus lucros e promete que todos terão algo proporcional à sua dedicação e trabalho, o comunista trabalhador quer parar a máquina de destruição, poder parar de sofrer toda a ansiedade que o capitalismo produz. Já cansamos de protagonizar a realidade onde a depressão é doença do século.

Eu (TV Eslavo): Eu já respondi à mensagem anterior, mas resumindo meu incômodo: meu problema não é com a direita, que já tem lá suas incoerências. Meu problema é justamente com “esquerdas” ou “comunistas” que bem podiam ajudar, mas não só atrapalham, como também mancham a imagem do resto da esquerda. Um direitista raivoso e babante a gente até entende, mas quando um esquerdista se comporta da mesma maneira, infelizmente é muito mais fácil desse comportamento se voltar contra ele.