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quinta-feira, 28 de setembro de 2023

O INCRÍVEL CASO DO ARTSAKH!


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/artsakh2


O Faustão chamava certas videocassetadas de “A volta dos que não foram”. Outra inovação que esse Pedacinho de Chão também pode ter criado pra humanidade é “A partida dos que não vieram”, rs!


Atualização (29/9): Hoje a polícia do Azerbaijão entrou na capital do Artsakh, a histórica cidade de Stepanakert, que os azerbaijanos chamam de Xankəndi (ou Khankendi). Esvaziada dos armênios étnicos, é mostrada pela TV de Baku com as ruas desertas, cheias de lixo e objetos bagunçados e com alguns ônibus ainda saindo. E, o mais simbólico, um soldado azerbaijano com a bandeira de seu país posa em frente ao monumento chamado “Somos nossas montanhas”, inaugurado ainda em 1967, símbolo da herança cultural armênia e que (ao menos em tese) figura uma mulher e um homem.


Só pra complementar: hoje a mídia estatal russa lançou no Telegram este pequeno trecho de um encontro entre o genocida Putin e o assassino checheno Ramzan Kadyrov. Há boatos de que este estaria mortalmente doente, ou pelo menos com alguma doença grave, e que sua aparência e disposição não deixariam mentir. Afora sua cara estar bem mais inchada e seus olhos quase não abrirem, isso pode ser verdade por uma coisa: só uma vez no meio do vídeo ele fala “don”, seu cacoete vocabular (como o “nan” do Edmar Bacha, mas bem mais frequente, já repararam?), enquanto alguns memes russos até contam quantos “dons” ele fala num minuto ou pouco mais!


terça-feira, 9 de maio de 2023

Países eslavos e Turquia na Globo


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/globo-eslavos

Há alguns anos, no antigo canal Pan-Eslavo Brasil (YouTube), postei algumas notícias de 2020 e, sobre a Geórgia, de 2017, transmitidas pelos telejornais da TV Globo sobre acontecimentos de então em alguns países eslavos e que consegui hackear do site do Globoplay. Hoje os vídeos perderam seu valor informativo imediato, mas mantêm um considerável valor histórico, também revelando sobre como a nata da grande mídia brasileira vê e trata os países eslavos e da Europa Oriental em geral. Além disso, gostaria de ver republicadas as descrições aos vídeos no YouTube, pois misturei à apresentação geral feita pela Globo informações de minha lavra, com valor didático aos curiosos. Espero que goste da coletânea!



Mikheil Saakashvili foge da polícia na Ucrânia (Hora 1, 6 de dezembro de 2017)

Mikheil Saakashvili foi presidente da Geórgia (o país do Cáucaso, que se chama “Sakartvelo”) por 10 anos, incluindo o período em que o país travou uma curta guerra com a Rússia em 2008, por causa das regiões da Abecásia e da Ossétia do Sul, e acabou perdendo. É um daqueles adeptos das chamadas “revoluções coloridas”, que nos países da região tentam livrar-se de interferências russas e aproximar-se do Ocidente, da União Europeia e da OTAN, e obteve cidadania ucraniana, governando inclusive a província de Odessa.

Adepto do combate à corrupção presumidamente capitaneado pelo ex-presidente Petró Poroshenko, ele mesmo, porém, foi acusado de organização criminosa e a polícia da Ucrânia tentou prendê-lo em 5 de dezembro de 2017. Saakashvili, um dos maiores inimigos políticos de Vladimir Putin e do ex-presidente Eduard Shevardnadze, simplesmente tentou fugir pelo telhado de sua casa, sem sucesso. Contudo, sua multidão de minions acossou tão fortemente os policiais, que eles acabaram libertando-o, e a tentativa de prisão fracassou. O arauto da liberdade e da democracia claramente se esquivou de obedecer às leis do país que o acolheu, e protagonizou uma fuga circense e midiática!

Em 2023, fazendo oposição ao atual partido no poder da Geórgia, o “Sonho Georgiano”, que é acusado de solapar a democracia nacional e fazer o jogo do Kremlin, Saakashvili está numa prisão, doente, muito envelhecido pra própria idade, com sinais de demência e teve negado seu pedido de transferência pra um hospital no exterior. Suspeita-se que tenha sido envenenado no cárcer médico, “como sói ocorrer” com os inimigos de Putin, e há quem diga ter sido ordem do próprio. A notícia foi transmitida na TV Globo pelas jornalistas Cecília Malan e Monalisa Perrone na edição do dia 6 de dezembro seguinte do jornal Hora 1, exibido de madrugada. É a primeira manchete, seguida depois por um giro internacional.


Massacre de Srebrenica, na Bósnia, completa 25 anos (Jornal Nacional, 11 jul. 2020)

Os habitantes muçulmanos da Bósnia e Herzegóvina, país eslavo no coração dos Bálcãs, relembraram o massacre ocorrido há 25 anos na cidade de Srebrenica, pela ação de sérvios de religião cristã ortodoxa. Em 1995, a antiga Iugoslávia estava vivendo uma guerra civil por causa da declaração de independência, após o fim do regime comunista (1990), de várias repúblicas que a compunham desde 1945. Belgrado sempre foi a capital do país, localizada na região da Sérvia, cuja religião é majoritariamente ortodoxa, e tinha a última palavra sobre o que acontecia em todo o território. A Eslovênia, de maioria católica, e a Macedônia (hoje Macedônia do Norte) separaram-se primeiro, seguida da também católica Croácia, que só o fez, porém, após uma sangrenta guerra contra os sérvios.

A coisa ficou pior em se tratando da Bósnia e Herzegóvina, que é toda retalhada entre populações croatas (católicas), sérvias (ortodoxas) e bósnias (muçulmanas). A língua falada por essas três etnias, exceto por traços locais, é praticamente a mesma (podendo ser escrita com os alfabetos latino ou cirílico), e era chamada “servo-croata” no período comunista. Embora os especialistas a chamem “BCS” e a considerem uma “língua policêntrica” (como o português, o armênio e o persa), cada etnia a chama com seu próprio nome. Exceto pela religião, influências externas e alguns costumes locais, sérvios, croatas e bósnios, todos eslavos, têm poucas diferenças enquanto povos e sempre viveram bem até a segunda metade do século 20. O islã na Bósnia e Herzegóvina é herança da antiga dominação turco-otomana, mas tanto esse império quanto seus súditos nunca entraram em choque por religião.

Os sérvios não aceitariam mais uma independência, ainda mais de um território tão grande. O Ocidente, sobretudo a OTAN, se interessava por enfraquecer a antiga potência iugoslava e jogou com a carta da diferenciação étnica, sendo os sérvios apoiados pela Rússia. A guerra da Bósnia durou de 1992 a 1995, e nesse ínterim um povo (religião) tentou exterminar o outro, como ocorreu em Srebrenica, dos sérvios contra os bósnios. A solução final foi aceitar um país independente, mas na prática com três governos e presidentes diferentes, o que torna qualquer decisão geral quase inviável (como as urgências relativas à covid-19). A Iugoslávia se renomearia Sérvia e Montenegro em 2000, os dois territórios se separariam em 2006 e Kosovo (albaneses), dentro da Sérvia, declararia uma independência ainda não geralmenre reconhecida, em 2008.

A notícia foi transmitida pelo Jornal Nacional em 11 de julho de 2020.


Erdoğan torna Santa Sofia novamente uma mesquita (Jornal Nacional, 10 jul 2020)

Presidente e ex-premiê da Turquia aliado aos conservadores muçulmanos, Recep Tayyip Erdoğan (ler “redjép tai-íp érdooan”) recebeu autorização da justiça nacional (que, na prática, ele controla) pra transformar a famosa basílica de Santa Sofia, maior atração turística de Istambul e do país, numa mesquita reservada só pra orações muçulmanas. Como o edifício é patrimônio da UNESCO, vários países ocidentais e instituições internacionais criticaram a decisão como ideológica e danosa à herança cultural. Nas eleições presidenciais de 14 de maio de 2023, Erdoğan vai concorrer à própria reeleição, feito que pode ser dificultado pela situação econômica da Turquia e pelos estragos causados pelo terremoto de fevereiro passado.

Também conhecida em turco como “Ayasofya” (do grego hágia: “santa, sagrada”), a grande catedral e basílica foi erguida no século 6 em Bizâncio, então capital do Império Romano do Oriente (também chamado, por isso, “Bizantino”), herdeiro do cristianismo helênico instaurado pelo imperador Constantino. A própria cidade seria mais tarde rebatizada Constantinopla, e por mil anos sediou um importante império enfim derrubado pelos turcos otomanos, em meados do século 15. Muçulmanos, eles rebatizaram a capital como Istambul e transformaram a basílica numa grande mesquita, mesmo conservando vários ornamentos cristãos. Em 1934, Mustafá Kemal Atatürk, fundador da república turca moderna, fez do prédio um museu conforme à sua ideia de um Estado laico e num aceno ao Ocidente cristão.

Hoje a capital civil da Turquia é Ankara, no centro da península asiática da Anatólia. Se Santa Sofia encerrar suas atividades como museu, o país pode privar-se de uma renda milionária gerada pelo turismo internacional. A notícia foi dada pelo Jornal Nacional em 10 de julho de 2020.


Presidente polonês Andrzej Duda reeleito pra mais 5 anos (jornais Globo, 13 de julho de 2020)

O presidente conservador polonês Andrzej Duda, ligado a uma coalizão liderada pelo partido direitista Direito e Justiça (PiS), foi reeleito em segundo turno no domingo, 12 de junho de 2020, em votação realizada em meio à pandemia de covid-19. Duas semanas antes, ele tinha saído na frente no primeiro turno, passando à próxima fase com o liberal Rafał Trzaskowski, prefeito de Varsóvia pelo Plataforma Cívica (PO), e agora o superou com 51% dos votos, contra 49% do opositor. O comparecimento dos aptos a votar, 68,18%, é considerado o maior desde o fim do regime comunista, em 1989.

Duda levou consigo as cidades menores e boa parte do interior, enquanto Trzaskowski atraiu as cidades grandes e as gerações mais jovens, opostas ao conservadorismo e religião extremados. Porém, foram feitas acusações de que como Trzaskowski talvez fosse vencer no exterior, muitas dessas cédulas não chegaram a tempo e os emigrantes não conseguiram votar. Além disso, Duda é acusado de usar a máquina midiática do Estado pra fazer propaganda própria, além de atentar contra os movimentos feministas e LGBT (tipo um Putin polaco). Mesmo assim, seu programa de vasto auxílio social e distanciamento da União Europeia, cujos líderes viram sua vitória com apreensão, também atraiu vários eleitores.

Estas são as coberturas feitas pelo Jornal Hoje (com Maju Coutinho) e pelo Jornal Nacional (com Renata Vasconcellos) na segunda-feira seguinte. O engraçado é que a maioria dos não poloneses tem a tendência de pronunciar o “rz” como um “r” simples, então Andrzej, que é “ándjei”, vira “andrêi”, e Trzaskowski, que é “tchascófsqui”, vira “trascóvsqui”, rs.


sábado, 11 de março de 2023

Macron também tuíta em georgiano


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Nos últimos dias, a Geórgia tem vistos protestos como nunca vistos há um bom tempo, porque o governo comandado pelo primeiro-ministro do partido Sonho Georgiano (parece piada, né?), um oligarca com vínculos econômicos diretos com Moscou, quis implantar uma lei sobre “agentes estrangeiros” parecida com a que Vladimir Putin impôs à Rússia em 2012. No caso de Tbilisi, entidades que recebessem mais de 20% de financiamento estrangeiro deveriam portar o referido rótulo e estar sujeitas a multas. Enquanto a maioria do povo georgiano estava apoiando o rumo pró-União Europeia seguido pelo país desde 2003, o governo do Sonho Georgiano tem se tornado um pesadelo autoritário, apoiador da Rússia e avesso a se juntar às sanções ao país que há mais de um ano invadiu militarmente a Ucrânia.

Porém, a própria presidente, que por outro lado, pelo parlamentarismo vigente, tem poderes reduzidos, também é pró-Europa e se mostrou contra o projeto, que foi apontado pela UE como um possível pretexto pra tirar o estatuto da Geórgia de candidata à entrada no bloco. Após protestos massivos e que beiraram a violência, o governo retirou o projeto, mas como o país do Cáucaso enfrenta outros problemas, o povo continua nas ruas. Obviamente, o Kremlin se mostrou “preocupado” com as ameaças a sua marionete e chamou as agitações de “tentativa de golpe de Estado orquestrada por Washington” (que novidade, né?).

Nesse meio-tempo, Emmanuel Napoléon Macron, presidente da França que também pensa que é presidente da Europa e do mundo, postou uma mensagem de apoio aos manifestantes georgianos e depois publicou uma tradução dela em georgiano, feita provavelmente por um falante nativo, e não por tradução automática, conforme vemos pela discrepância de datas. Inclusive, a presidente do país estudou na França e fala francês fluentemente, como já demonstrou em algumas entrevistas pra canais estatais de Paris. Volta e meia, Manu lança tuítes traduzidos pras línguas maternas de seus destinatários, embora ele mesmo só fale francês e inglês.

Vejamos a primeira mensagem do presidente em francês, a qual vou traduzir literalmente, e em georgiano, no peculiar alfabeto mkhedruli. Como não domino esta língua perfeitamente, vou apenas transliterar a escrita pra você ter uma noção da pronúncia, embora aprendê-la a fundo seja essencial pra entendermos como ela soa de verdade:


O apego das georgianas e georgianos aos valores democráticos e à liberdade de imprensa e de associação foi escutado. A Geórgia, voltada na direção da Europa, sabe que pode contar com a amizade da França.

Gagonilia kartvelebis ertguleba demok’rat’iuli ghirebulebebis, p’resisa da gaertianebis tavisuplebis mimart. Evrop’isk’en shet’rialebulma sakartvelom itsis, rom sheudzlia saprangetis megobrobis imedi hkondes. (Os apóstrofos inficam as chamadas consoantes “ejetivas” ou “plosivas”.)


Mesmo não sendo difícil de aprender, o alfabeto tem um desenho tão peculiar, diferente de tudo mais que existe na Europa e no Oriente Médio, que embora ele seja totalmente fonético e facilmente substituível por qualquer adaptação da escrita latina, ele dá uma identidade visual muito peculiar à língua e, por isso, é considerado um patrimônio cultural inalienável. Todavia, sempre tem aquele babaca que resolve transformar a ignorância em virtude e busca se reafirmar com um sarcasmo sem graça:

“Escrita panorâmica [envolvente?], kkkkk. Falando sério, não acho que essa escrita pertença a nenhum país.” (Na verdade, como vimos, é à língua que ele pertence, pois o país teve destinos diversos, desde constituir um poderoso reino até se tornar uma mera província da Rússia tsarista.)


Claro que a brincadeira não tinha razão de ser, mas infelizmente ela deu margem a algumas observações xenofóbicas, embora não possamos saber ao certo a nacionalidade do rapaz (não entrei no perfil dele). Quanto ao segundo tuíte, apesar da língua georgiana talvez ter se tornado independente por volta de 2700 anos atrás, os primeiros registros escritos datam do século 4. Todos os outros relatos atribuindo maior antiguidade ao alfabeto pertencem ao campo da lenda, e mesmo a afirmação de que seu inventor foi o mesmo do alfabeto armênio carece de provas arqueológicas:

“Bem descarado pra vir de um marroquino.”

“Quando teus antepassados chupavam pedras [?] pra se alimentar ainda há 250 anos, a escrita georgiana já tinha sido inventada há cerca de 2500 anos.”



Felizmente, muitas pessoas de bom senso, certamente georgianas na maioria, agradeceram ao mauricinho com um lindo madloba (obrigado) ou didi madloba (muito obrigado) em georgiano, naquele alfabeto que o árabe não considerou ser real. Isso porque quando estudo árabe, minha mãe fala que parece “coisa nenhuma, só um monte de rabiscos”, rs.

Finalmente, pra homenagear o inquilino do Élysée, gostaria de lhe oferecer esta canção do sertanejo Marcelo Aguiar, começo da década de 1990, quando ele ainda “não tinha poder de filho” nem tinha virado cantor gospel e deputado federal da Bancada da Bibra (felizmente, não reeleito em 2022):


terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Qual a sonoridade da língua chechena


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/checheno


Como muitos devem estar curiosos, e como a curiosidade sobre esse idioma está crescendo entre os nerds brasileiros de Rússia e Europa Oriental, trago aqui apenas com aumento de volume e corte do quadro um vídeo (indisponível na Banânia) muito interessante que achei por acaso. Ele está com o título em russo “Чечня – Чеченский язык” (Chechênia – Língua chechena) e foi publicado em 24 de julho de 2013 pelo canal de TV “GTRK Vainakh”, que é a versão em checheno da rede estatal Rossia 1. Contudo, essa versão local também transmite muitas notícias regionais na língua russa. Infelizmente acho impossível por enquanto saber a tradução exata, mas ao português e brasileiro já é interessante conhecer novos elementos culturais e ao menos aproveitar a sonoridade e os elementos visuais.

Essa transmissão mostra bem os usos atuais da língua chechena, seus principais autores e estudiosos, a situação demográfica, os elementos culturais e seu papel no Estado, ou seja, na República da Chechênia, uma entidade razoavelmente autônoma dentro da Federação da Rússia. Como ela está desde 2007 submetida ao governo autoritário de Ramzán Kadýrov, uma espécie de “Putin secundário”, o líder aparece filmado várias vezes, e suas declarações e frases sobre a língua chechena mostradas aos montes. Ele é visto como uma espécie de “novo pai da pátria”, que reconstruiu a capital Grózny após a destruição da guerra prolongada na década de 1990. Encravada no Cáucaso do Norte, a Chechênia se distingue de outras repúblicas muçulmanas da Rússia, como o Tartaristão, por sua sociedade menos ocidentalizada e seu islã mais rigoroso, bem como das nações independentes vizinhas, como a Geórgia (com a qual faz fronteira) e a Armênia, que são cristãs.

A língua chechena, chamada nativamente de “нохчийн мотт” (nókhchiyn muótt), tem uma sonoridade muito peculiar em relação, por exemplo, ao armênio e ao georgiano, pois se aproxima muito mais do árabe devido à preeminência dos sons glotais e guturais. Ao contrário do que muitos pensam, ela não é aparentada nem ao russo, que é do ramo eslavo da família linguística indo-europeia, nem ao armênio, que constitui um ramo isolado da mesma família, nem ao georgiano, que pertence à pequena família cartevélica (ou “sul-caucasiana”) local, ramo meridional. Pra você saber, o português pertence à família indo-europeia, ramo itálico, grupo latino-falisco, ao qual pertencia o latim, deste por sua vez (por meio de sua forma oral, “vulgar”) saindo todas as línguas românicas. O português é uma língua ibero-romance, enquanto todas as outras línguas itálicas que não o latim caíram em extinção.

Segundo classificações mais aceitas, o checheno pertence por subdivisões sucessivas à família nakh-daguestânica (ou “caucasiana do nordeste/do leste”), ramo nakh (em que está também o bats/batsbi) e grupo vainaque (junto com o inguche). A família como um todo tem em torno de 5 milhões de falantes, mais ou menos 1,35 milhão em 2010 pro checheno, que também é falado na república vizinha do Daguestão (em ambas o checheno é oficial) e em diásporas pela Turquia, Jordânia, Geórgia e Cazaquistão. Ele tem um monte de dialetos, sendo os sete principais (!) o itumkala, o melkhin, o kistin, o cheberloi, o akkin, o sharoi e o galanchozh. É escrito com uma adaptação bem peculiar das 33 letras do cirílico russo, acrescida apenas do sinal pálochka (Ӏ, ӏ) ou “bastão”, usado após consoantes pra indicar que são “ejetivas”, ou isoladamente com o som faríngeo da letra árabe “ع”.

Não existe uma “língua daguestânica”, já que no Daguestão mesmo são faladas línguas dos vários outros ramos da família nakh-daguestânica, bem como o azerbaijano e o cumique da família túrquica. Curiosidade: o Cáucaso tem as mais longas expectativas de vida da Rússia por causa da interdição a muitas drogas imposta pelo islã praticante, enquanto a Chechênia é o menor consumidor de álcool da Rússia. Segundo a Wikipédia em russo, a República da Chechênia declarou 2023 como o Ano da Língua Chechena, com o objetivo de reforçar seu estatuto e ampliar a grade de ensino nessa língua pra todas as faixas de idade.

Perceba que no começo e no fim do vídeo, há alguns versos poéticos que são recitados em voz alta pelo locutor. Espero que você aproveite! Conheça também o rico canal MOPC Linguística, que tem alguns vídeos explicando em português a língua chechena e aparentadas.


Transmissão do jornal diário (boletins de notícias de 13 minutos) em língua chechena a partir de Grozny, capital da República da Chechênia, em 29 e 30 de março de 2017 pelo canal YouTube da TV “GTRK Vainakh”, que é a versão em checheno da rede estatal “Rossia 1”. Contudo, essa versão local também transmite muitas notícias regionais na língua russa. Infelizmente acho impossível por enquanto saber a tradução exata, mas ao português e brasileiro já é interessante conhecer novos elementos culturais e ao menos aproveitar a sonoridade e os elementos visuais.




No dia 8 de julho de 2020, após o assassinato do dissidente político checheno Mamikhan Umarov em Viena, capital da Áustria, imigrantes que fugiram da Chechênia protestaram contra a longa série de homicídios que ocorreram nos últimos anos. A maioria é contra Ramzan Kadyrov, que conta com total apoio de Vladimir Putin e governa conforme seu próprio arbítrio, acusado pela oposição de mandar matar dissidentes até mesmo no exterior.

Eu mesmo traduzi direto do francês e legendei este vídeo, com reportagem feita pela agência Euronews. Eu usei como base o texto publicado da reportagem, com poucas omissões, cuja transcrição exata em francês é esta:

Ils sont révoltés, effrayés pour leur propre vie : devant l’ambassade russe à Vienne, une centaine de Tchétchènes protestent contre la mort d’un des leurs. Mamikhan Oumarov, 43 ans, a été abattu samedi soir près de la capitale autrichienne où il avait trouvé refuge depuis 2005. Le blog vidéo qu’il tenait était très offensif contre le président tchétchène Ramzan Kadyrov, allié de Moscou. “Nous avons des proches en Tchétchénie. Ils ne sont pas plus en sécurité que nous. Nous ne pouvons pas nous sentir en sécurité en Europe après ce qui s’est passé samedi soir.” “Le meurtrier Poutine devant la justice internationale”, réclame cette banderole. Pour ces réfugiés pas de doute, le Kremlin ordonne ces assassinats. Et “Qui sera le prochain ?”, peut-on lire ici. L’Autriche a interpellé deux ressortissants russes après l’homicide. La communauté tchétchène a perdu plusieurs dissidents dans des assassinats qu’elle qualifie de politiques. Et pas seulement en Autriche. À Lille, dans le nord de la France, un blogueur a été retrouvé poignardé dans un hôtel en janvier dernier.”


Mesmo entre os russos, a língua chechena é motivo de zoeira preconceituosa, sobretudo porque Ramzan Kadyrov, além de ser um sujeito extravagante, já tem um jeito de falar bastante enrolado. Ainda por cima, o líder tem um tique de ficar falando “don”, “don”, “don” entre várias frases, como se fosse uma “palavra parasita”, comum também com certas palavras do português (“né”, “então”, “tipo”, “sabe”). E esse tique tem sido amplamente zoado pelos ucranianos quando fazem vídeos e memes atacando os russos e os chechenos que os estão ajudando.

Esta montagem que também reproduzo abaixo faz uma comparação entre a fala rápida de Kadyrov em checheno e uma cena do filme O todo poderoso (2003), em que o âncora de jornal Evan Baxter (Steve Carell) começa a narrar todo enrolado. Neste caso, um outro jornalista, seu rival Bruce Nolan (Jim Carrey), adquiriu superpoderes e conseguiu tirá-lo do programa após fazê-lo, contra sua vontade, falar um monte de besteiras e, depois, emitir ruídos sem sentido com a língua. Na última parte com Kadyrov, com alguma atenção, também podemos perceber alguns dos “don” que ele costuma soltar, tanto em russo quanto em checheno. Neste canal também há a cena completa do telejornal, na dublagem brasileira do filme.


Pra finalizar, seguem mais algumas pérolas da mesma versão chechena (vainaque) da TV estatal russa, que estavam guardadas em meus arquivos. São trechos de um especial de Ano Novo (porque os muçulmanos obviamente não celebram o Natal) exibido no finzinho de 2019, vários deles com atuações musicais e pequenas esquetes, exceto o último, que é apenas o encerramento narrado. Deste especial, pensei em publicar apenas alguns mais ilustrativos, mas como não me dava nenhum trabalho, resolvi pôr todos, ao gosto de cada um, rs.














quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Laperise, dança do Cáucaso noroeste


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Eu adorei este vídeo, e trazendo-o aqui aproveitei pra fazer umas pesquisas e trazer mais informações históricas. Essa é uma variante da dança caucasiana lezginka chamada laperise (ou algo assim, transcrevendo o cirílico “лъапэрисэ”), que também é o próprio nome local da lezginka. Em 26 de julho de 2017, os dançarinos e os espectadores estavam na Praça Abcázia, na cidade de Nalchik, capital da República Cabardino-Balcária, que fica bem na fronteira do sul da Rússia com a Geórgia. A canção também chamada genericamente de Laperise também pode ser ouvida num áudio mais suave ou mais batido e rápido.

Na língua cabardina, segundo um dicionário russo que achei online, “laperise” (лъапэрисэ) significa “o que está preso ou fincado com as pontas dos pés” (то, что воткнуто носком), e de fato essa dança é feita pelos homens, e um pouco pelas mulheres, bem na pontinha dos pés ou até do dedão. A língua cabardino-circassiana (em russo, kabardino-cherkesski) também é chamada genericamente de “adigue” (em russo, adygeiski), nome que é nativamente usado por aquelas que às vezes são consideradas línguas distintas, mas muito próximas: cabardina (kabardinski), circassiana (cherkesski) e adigue (adygeiski). Todas fazem parte da família primária das línguas caucásicas do noroeste, às vezes também chamada “caucásica ocidental”, “abcázio-adigue”, “circassiana” ou “pôntica”, mas enfim... é uma família mais ou menos próxima das famílias caucásica do nordeste (checheno, inguche e outras) e caucásica meridional (georgiano e outras menores), mais conhecida como cartevélica. Todos esses idiomas são falados por todo o norte do Cáucaso, do qual a maior parte pertence à Federação Russa, ao contrário do sul, em que temos Geórgia, Armênia e Azerbaijão como países hoje independentes.

Tudo isso é muito complexo, então vamos curtir a música e a dança! Na verdade, essas denominações são bastante fluidas e constantemente transpassadas pelos cidadãos, que nessa região se consideram todos como irmãos. O mais engraçado é que esse tipo de ajuntamento parece muito com os que são comuns em praças de grandes capitais brasileiras, com seus músicos, dançarinos e artistas de rua. E mesmo quando eu morava em Guarulhos, antes de 1994, via isso direto na Praça Getúlio Vargas, do centro. Vejam que além do drone branco sobrevoando a massa, a outra grande atração é o careca incorporando o Pião da Casa Própria aos 2min 01seg! Neste vídeo, temos também um ensaio do Conjunto Circássia dançando a mesma laperise num salão.


Este vídeo do músico e compositor Timur Losan, também de língua e etnia adigue, lançou uma canção que é chamada no título “Хэхэс Джэгу” (Hehes Dzhegu ou Khekhes Dzhegu), com instrumentos e dança presentes no vídeo. Coisas lindas e desconhecidas como essa precisam ser mais lançadas no Brasil, pois uma cultura só evolui com sangue novo, e não com a mastigação das mesmas coisas, que pelo desgaste acabam virando lixo midiático descartável!

Segundo a descrição em russo do canal de Murat Dzuiev (no qual vi pela primeira vez uma versão do vídeo, que depois sumiu), produtor que filmou e postou o clipe em junho de 2018, “O estilo em que o autor compôs a música é único, pois só foi conservado nas diásporas adigues (circassianas). Esse jeito de tocar o instrumento forjou uma coreografia peculiar, de ponta a ponta, desde o convite dos parceiros pro círculo até o fim da apresentação. Neste vídeo se vê uma dança de jovens juntos, sem uma parceira, pra ressaltar ainda mais a luminosa energia da coreografia. Essa obra é autoral, pois no original se recomenda dançar com uma parceira.”

Ouça também apenas o áudio, e divulgue o autor pra que ele e esse estilo se tornem mais conhecidos!