terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Qual a sonoridade da língua chechena


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/checheno


Como muitos devem estar curiosos, e como a curiosidade sobre esse idioma está crescendo entre os nerds brasileiros de Rússia e Europa Oriental, trago aqui apenas com aumento de volume e corte do quadro um vídeo (indisponível na Banânia) muito interessante que achei por acaso. Ele está com o título em russo “Чечня – Чеченский язык” (Chechênia – Língua chechena) e foi publicado em 24 de julho de 2013 pelo canal de TV “GTRK Vainakh”, que é a versão em checheno da rede estatal Rossia 1. Contudo, essa versão local também transmite muitas notícias regionais na língua russa. Infelizmente acho impossível por enquanto saber a tradução exata, mas ao português e brasileiro já é interessante conhecer novos elementos culturais e ao menos aproveitar a sonoridade e os elementos visuais.

Essa transmissão mostra bem os usos atuais da língua chechena, seus principais autores e estudiosos, a situação demográfica, os elementos culturais e seu papel no Estado, ou seja, na República da Chechênia, uma entidade razoavelmente autônoma dentro da Federação da Rússia. Como ela está desde 2007 submetida ao governo autoritário de Ramzán Kadýrov, uma espécie de “Putin secundário”, o líder aparece filmado várias vezes, e suas declarações e frases sobre a língua chechena mostradas aos montes. Ele é visto como uma espécie de “novo pai da pátria”, que reconstruiu a capital Grózny após a destruição da guerra prolongada na década de 1990. Encravada no Cáucaso do Norte, a Chechênia se distingue de outras repúblicas muçulmanas da Rússia, como o Tartaristão, por sua sociedade menos ocidentalizada e seu islã mais rigoroso, bem como das nações independentes vizinhas, como a Geórgia (com a qual faz fronteira) e a Armênia, que são cristãs.

A língua chechena, chamada nativamente de “нохчийн мотт” (nókhchiyn muótt), tem uma sonoridade muito peculiar em relação, por exemplo, ao armênio e ao georgiano, pois se aproxima muito mais do árabe devido à preeminência dos sons glotais e guturais. Ao contrário do que muitos pensam, ela não é aparentada nem ao russo, que é do ramo eslavo da família linguística indo-europeia, nem ao armênio, que constitui um ramo isolado da mesma família, nem ao georgiano, que pertence à pequena família cartevélica (ou “sul-caucasiana”) local, ramo meridional. Pra você saber, o português pertence à família indo-europeia, ramo itálico, grupo latino-falisco, ao qual pertencia o latim, deste por sua vez (por meio de sua forma oral, “vulgar”) saindo todas as línguas românicas. O português é uma língua ibero-romance, enquanto todas as outras línguas itálicas que não o latim caíram em extinção.

Segundo classificações mais aceitas, o checheno pertence por subdivisões sucessivas à família nakh-daguestânica (ou “caucasiana do nordeste/do leste”), ramo nakh (em que está também o bats/batsbi) e grupo vainaque (junto com o inguche). A família como um todo tem em torno de 5 milhões de falantes, mais ou menos 1,35 milhão em 2010 pro checheno, que também é falado na república vizinha do Daguestão (em ambas o checheno é oficial) e em diásporas pela Turquia, Jordânia, Geórgia e Cazaquistão. Ele tem um monte de dialetos, sendo os sete principais (!) o itumkala, o melkhin, o kistin, o cheberloi, o akkin, o sharoi e o galanchozh. É escrito com uma adaptação bem peculiar das 33 letras do cirílico russo, acrescida apenas do sinal pálochka (Ӏ, ӏ) ou “bastão”, usado após consoantes pra indicar que são “ejetivas”, ou isoladamente com o som faríngeo da letra árabe “ع”.

Não existe uma “língua daguestânica”, já que no Daguestão mesmo são faladas línguas dos vários outros ramos da família nakh-daguestânica, bem como o azerbaijano e o cumique da família túrquica. Curiosidade: o Cáucaso tem as mais longas expectativas de vida da Rússia por causa da interdição a muitas drogas imposta pelo islã praticante, enquanto a Chechênia é o menor consumidor de álcool da Rússia. Segundo a Wikipédia em russo, a República da Chechênia declarou 2023 como o Ano da Língua Chechena, com o objetivo de reforçar seu estatuto e ampliar a grade de ensino nessa língua pra todas as faixas de idade.

Perceba que no começo e no fim do vídeo, há alguns versos poéticos que são recitados em voz alta pelo locutor. Espero que você aproveite! Conheça também o rico canal MOPC Linguística, que tem alguns vídeos explicando em português a língua chechena e aparentadas.


No dia 8 de julho de 2020, após o assassinato do dissidente político checheno Mamikhan Umarov em Viena, capital da Áustria, imigrantes que fugiram da Chechênia protestaram contra a longa série de homicídios que ocorreram nos últimos anos. A maioria é contra Ramzan Kadyrov, que conta com total apoio de Vladimir Putin e governa conforme seu próprio arbítrio, acusado pela oposição de mandar matar dissidentes até mesmo no exterior.

Eu mesmo traduzi direto do francês e legendei este vídeo, com reportagem feita pela agência Euronews. Eu usei como base o texto publicado da reportagem, com poucas omissões, cuja transcrição exata em francês é esta:

Ils sont révoltés, effrayés pour leur propre vie : devant l’ambassade russe à Vienne, une centaine de Tchétchènes protestent contre la mort d’un des leurs. Mamikhan Oumarov, 43 ans, a été abattu samedi soir près de la capitale autrichienne où il avait trouvé refuge depuis 2005. Le blog vidéo qu’il tenait était très offensif contre le président tchétchène Ramzan Kadyrov, allié de Moscou. “Nous avons des proches en Tchétchénie. Ils ne sont pas plus en sécurité que nous. Nous ne pouvons pas nous sentir en sécurité en Europe après ce qui s’est passé samedi soir.” “Le meurtrier Poutine devant la justice internationale”, réclame cette banderole. Pour ces réfugiés pas de doute, le Kremlin ordonne ces assassinats. Et “Qui sera le prochain ?”, peut-on lire ici. L’Autriche a interpellé deux ressortissants russes après l’homicide. La communauté tchétchène a perdu plusieurs dissidents dans des assassinats qu’elle qualifie de politiques. Et pas seulement en Autriche. À Lille, dans le nord de la France, un blogueur a été retrouvé poignardé dans un hôtel en janvier dernier.”


Mesmo entre os russos, a língua chechena é motivo de zoeira preconceituosa, sobretudo porque Ramzan Kadyrov, além de ser um sujeito extravagante, já tem um jeito de falar bastante enrolado. Ainda por cima, o líder tem um tique de ficar falando “don”, “don”, “don” entre várias frases, como se fosse uma “palavra parasita”, comum também com certas palavras do português (“né”, “então”, “tipo”, “sabe”). E esse tique tem sido amplamente zoado pelos ucranianos quando fazem vídeos e memes atacando os russos e os chechenos que os estão ajudando.

Esta montagem que também reproduzo abaixo faz uma comparação entre a fala rápida de Kadyrov em checheno e uma cena do filme O todo poderoso (2003), em que o âncora de jornal Evan Baxter (Steve Carell) começa a narrar todo enrolado. Neste caso, um outro jornalista, seu rival Bruce Nolan (Jim Carrey), adquiriu superpoderes e conseguiu tirá-lo do programa após fazê-lo, contra sua vontade, falar um monte de besteiras e, depois, emitir ruídos sem sentido com a língua. Na última parte com Kadyrov, com alguma atenção, também podemos perceber alguns dos “don” que ele costuma soltar, tanto em russo quanto em checheno. Neste canal também há a cena completa do telejornal, na dublagem brasileira do filme.


Pra finalizar, seguem mais algumas pérolas da mesma versão chechena (vainaque) da TV estatal russa, que estavam publicadas em meu antigo canal Pan-Eslavo Brasil no YouTube. Os dois primeiros vídeos são boletins de notícias de 13 minutos transmitidos nos dias 29 e 30 de março de 2017 respectivamente, e os sete seguintes são trechos de um especial de Ano Novo (porque os muçulmanos obviamente não celebram o Natal) exibido no finzinho de 2019, vários deles com atuações musicais e pequenas esquetes, exceto o último, que é apenas o encerramento narrado. Deste especial, pensei em publicar apenas alguns mais ilustrativos, mas como não me dava nenhum trabalho, resolvi pôr todos, ao gosto de cada um, rs. (“TV Eslavo” é um dos nomes que o canal teve depois de 2015.)