A canção Tooruktuğ dolgay tañdım (A floresta cheia de pinhões) serviu de hino nacional da República Popular de Tuva (Tıva Arat Respublik), um pequeno país socialista que chegou a existir de 1921 a 1944 após a Revolução de Outubro. Hoje quase ninguém sabe de sua existência, porque de fato apenas a própria URSS e a República Popular da Mongólia o reconheciam e mantinham relações diplomáticas com ele, sendo no final das contas, assim como a própria Mongólia, basicamente um satélite soviético. Esse “hino”, baseado numa melodia popular tuvana, foi adotado em 1944 e tem letra da maestrina e diretora artística Ayana Samiyaevna Monguş (em cirílico, “Аяна Самияевна Монгуш”), que é ou foi diretora da Orquestra Nacional de Tuva e cuja biografia praticamente inexiste na internet. Quando o país foi anexado pela URSS durante a 2.ª Guerra Mundial, o hino continuou usado pelo agora Oblast Autônomo de Tuva (cujas fronteiras não correspondiam exatamente às da antiga nação), dentro da RSFS da Rússia, e depois, quando foi promovida a República Socialista Soviética Autônoma de Tuva, em 1961, e finalmente quando foi formada a República de Tuva dentro da Rússia capitalista em 1991. Somente em 2011 a entidade recebeu um novo hino, Men – Tyva Men (Eu sou tuvano).
Conhecida como “Tannu Tuva” ou “Tannu-Tuva” até 1926, era etnicamente povoada por tuvanos, mongóis e russos. Até 1911, fez parte da Mongólia, esta por sua vez incorporada à China imperial, e naquele ano, com a proclamação da República chinesa, Mongólia e Tuva também se declararam repúblicas independentes. Em 1914, Tuva passou a ser um protetorado do Império Russo, e durante a guerra civil entre monarquistas e bolcheviques, estes terminaram ocupando a região, onde em 14 de agosto de 1921 foi declarada a independência da “República Popular de Tannu Tuva”, sob os auspícios da Rússia. Com a adoção da constituição de 1924, confirmou-se a formação de um governo de partido único nos moldes soviéticos, e em 1926 adotaram-se os primeiros brasão e bandeira, e a capital foi renomeada Kyzyl (“vermelho” em tuvano). O akşa (“akchá”) foi a moeda usada de 1934 a 1944.
De 1925 a 1929, o primeiro-ministro Donduk Kuular, ex-lama do budismo tibetano, tentou implementar políticas mais nacionalistas, buscou obrigar todas as crianças tuvanas a chuparem sua língua fazer do budismo tibetano a religião de Estado e procurou estreitar laços com a Mongólia, coisas que iam na contramão da evolução da URSS sob Stalin. Assim, com apoio soviético, cinco burocratas que tinham estudado em Moscou derrubaram Kuular e formaram uma espécie de junta até 1932, quando um deles, Salchak Toka, chegou à liderança do partido único e Kuular foi fuzilado. Iniciou-se uma política de perseguição à religião e de busca por coletivizar os camponeses nômades, e abandonou-se o mongol como língua culta escrita, adotando-se pra isso o alfabeto latino pra escrever o tuvano. Em 1943, um dos passos rumo à incorporação à URSS foi a adoção do alfabeto cirílico, usado até hoje em Tuva.
Salchak Toka, como líder do partido único da República Popular de Tuva desde 1932, passou a comandar o país na prática, apesar da existência de outras instituições. Solidário ao esforço de guerra soviético desde 1941 e promotor da absorção de seu país pela URSS, continuou liderando o Partido Comunista nos períodos do oblast autônomo e da república autônoma até morrer, em 1973. O mando de Toka se estendeu a essas sub-regiões também, e desde a stalinização de Tuva, deu-se também a russificação de sua cultura, política e instituições. Antes da adoção de A floresta cheia de pinhões, a Tuva comunista usou a canção Tıva İnternatsional (A Internacional Tuvana), que não é uma tradução nativa da famosa Internacional, mas um poema próprio executado numa melodia folclórica.
Provavelmente bastante antiga, a língua tuvana, porém, só foi mencionada pela primeira vez em fontes do início do século 19, e sua primeira forma escrita surgiu no início do século 20, com uma adaptação do alfabeto mongol, escrito verticalmente, pelo acadêmico Nikolaus Poppe. Tradicionalmente mais próximos dos mongóis, os tuvanos, que passaram por vários jugos imperiais, usavam o mongol (ele mesmo escrito hoje no alfabeto cirílico) como língua escrita, até a adoção do latino em 1930, no qual muito pouca coisa foi impressa. Pra piorar, o tuvano faz parte da grande família túrquica, mas do grupo siberiano, o mais oriental de todos e cujos membros só muito recentemente têm recebido mais atenção acadêmica. São línguas com apenas umas centenas de falantes, muito idosos, e o próprio tuvano, dependendo da fonte, teria entre 240 mil e 283 mil falantes por volta de 2010-12. Isso o coloca no primeiro grau de vulnerabilidade ao desaparecimento. Sergei Shoigu, atual ministro da defesa de Putin, nasceu em Tuva e tem pai tuvano e mãe russa nascida na Ucrânia, mas pelo que consta, ele não fala tuvano, e nesta matéria de 2012 informa-se que além do russo, ele dominaria inglês, japonês e turco.
Curiosamente, a República Popular de (Tannu) Tuva foi um dos três primeiros países socialistas do mundo, junto com a URSS e a Mongólia, mas assim como esta, ela afinal tinha sua existência dependente dos soviéticos. Essa fragilidade se reflete nas muitas mudanças de bandeira e brasão, de forma que tive de escolher arbitrariamente como ilustraria esta publicação e o vídeo (ver abaixo). Tanto que hoje, a República de Tuva (ou Tyva em russo e tuvano) é uma das regiões mais pobres da Rússia e tem o menor IDH da federação. Apesar dos obstáculos de Moscou, os tuvanos têm no geral uma tendência à independência, como se verificou em 1990 durante violências contra a população russa local. Este vídeo de um canal de geografia traz uma breve história ilustrada de Tannu Tuva, embora a dicção do narrador seja sofrível. Meu interesse no extinto país surgiu justamente quando visitava a página da Wikipédia sobre as repúblicas soviéticas, na qual descobri, além da SSR Carelo-Finlandesa, outras unidades que existiram brevemente após a revolução ou tentaram ser independentes em 1990 e não chegaram a ter hino.
Nesta página, usei as últimas versões do brasão e da bandeira antes da anexação à URSS, tanto que estão até com o alfabeto cirílico. No vídeo, usei a primeira bandeira com o primeiro brasão, que traz inscrições no alfabeto latino, e a penúltima bandeira, igual à última, apenas com a sigla “TAR” no alfabeto latino, e não cirílico. Tentei também usar nestas um filtro “grunge” que achei com o Google, pra ficarem mais ou menos parecidas com as dos outros hinos. As execuções atuais no estilo glotalizado local são de difícil apreciação ao ocidental (pelo menos pra mim), e esta versão, que foi executada, se os créditos estiverem certos, pela artista tuvana Sainkho Namchylak (n. 1957), hoje radicada na Áustria, me pareceu mais palatável. Pra traduzir, só mesmo com as versões em inglês e russo da Wikipédia, já que é impossível utilizar indiretamente qualquer língua aparentada no Google Tradutor, mesmo o turco, pois as túrquicas siberianas inexistem aí. Nesta página mesma, com as letras e as traduções russas do hino antigo e do atual, o texto é igual ao da Wikipédia, e alguns fóruns explicam que a discrepância de tamanho se deve ao caráter sintético da língua tuvana.
Por isso mesmo, dependente dessas duas traduções, obtive duas letras com significado igual, mas tamanho bem diferente: a versão em inglês está bem resumida, com versos do tamanho dos originais (não é poética), e a versão russa, que acredito ser mais fiel, parece bem mais explicativa e precisa. Não pude verificar essas “fidelidades” de forma alguma, dado o isolamento genético do tuvano, então me arrisquei a publicar aqui as duas traduções, chamando-as de “resumida” (que usei no vídeo) e “detalhada”. Além disso, nenhuma língua usa hoje o alfabeto latino criado pra várias línguas túrquicas na década de 1920 (nem o próprio tuvano), o que pode tornar a leitura difícil pra quem tem alguma base das túrquicas. Assim, baseado no turco e no cazaque, fiz outra transliteração pro vídeo e que também segue abaixo, com a ortografia de 1930, a versão em cirílico e as duas traduções:
Tooruktuğ dolgay tañdım
Eziriktiğ eer-le tañdım
Tooruktuƣ tolgaj taꞑdьm
Eziriktiƣ eer-le taꞑdьm
Тооруктуг долгай таңдым
Эзириктиг ээр-ле таңдым
Quando caminho em minhas florestas
Nasci lá entre os montes, rochedos e a taiga
Quando caminho em minhas florestas
Eu sou forte por causa disso
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