terça-feira, 25 de abril de 2023

Hino Nacional, RSS Carelo-Finlandesa

Este é o Hino Nacional da República Socialista Soviética Carelo-Finlandesa (Karjalais-suomalaisen sosialistisen neuvostotasavallan hymni), também conhecido por seu primeiro verso, Oma Karjalais-suomalaiskansamme maa (Nossa terra dos povos carelo-finlandeses). Essa desconhecida RSS, também chamada apenas de “Carélia” ou “Carélia Soviética”, resultou da fusão de territórios da Carélia histórica que já pertenciam à RSFS da Rússia com o resto da Carélia e outros territórios que até 1940 pertenciam à Finlândia, um país independente do antigo Império Russo desde 1917. Após a chamada “guerra de inverno” entre o país e a URSS (1939-1940), a paz foi assinada, em contrapartida da concessão daqueles territórios aos soviéticos, que chegaram a ser retomados com a ajuda da Alemanha nazista em 1940-44, mas caíram de novo com o selamento definitivo do Armistício de Moscou. Nos dois períodos, boa parte da população careliana e finlandesa foi evacuada pra Finlândia.

Além de perder vários territórios, Helsinki também teve de tomar medidas políticas internas favoráveis à URSS (legalização do Partido Comunista, prisão de fascistas e julgamento de políticos ligados aos planos bélicos) e manter a neutralidade na “guerra fria”, este último fator cessando no último abril de 2023, com a adesão do país à OTAN. A intenção de Stalin era anexar toda a Finlândia, de forma que estabeleceu na cidade de Terijoki, antes que tomasse a capital, um governo-fantoche liderado por Otto Wille Kuusinen (1881-1964), mas com a derrota, o governo ficou limitado à que se tornaria a RSS Carelo-Finlandesa (ou RSS da Carélia) em 1940. Kuusinen foi o líder supremo dessa república durante toda a existência dela, tendo outros membros de governo a seu lado. Por razões ainda hoje especuladas, a RSS Carelo-Finandesa foi “rebaixada” à República Socialista Soviética Autônoma da Carélia em 1956, dentro da RSFS da Rússia, e parte de seu território foi incorporada aos oblasts (províncias) de Leningrado e de Murmansk, ambos também russos. Atualmente, a antiga RSSA constitui a República da Carélia, dentro da Federação Russa.

Exceto em 1941-44, a capital da RSS Carelo-Finlandesa foi Petrozavodsk, chamada “Petroskoi” em finlandês e ainda hoje capital da citada república. Como se podem ver no vídeo e na publicação, a bandeira foi usada de 1953 a 1956, e o brasão de 1941 a 1956. O caso dessa RSS foi inédito durante a história soviética, em que foi a única a ter sido rebaixada a RSSA e a única RSS em que sua etnia nominal não era nem numerosa nem, em sua terra, majoritária, e nem tinha sido uma nação independente separada no passado. E justamente, como boa parte da população tinha sido evacuada pra Finlândia, e como a Carélia começou a ser povoada por outros povos da URSS, a existência da RSS perdia a razão de ser, além de ser muito dispendiosa.

Quanto a sua criação, importa reter um aspecto: mesmo não conseguindo anexar a Finlândia de imediato, Stalin ainda pensava em fazê-lo no longo prazo, e a RSS Carelo-Finlandesa seria um “trampolim” pra seus planos, o ponto de partida pra uma futura anexação. Por isso mesmo, quando essa pretensão perdeu o sentido, e quando Khruschov visava distender suas relações com Helsinki, o “rebaixamento” da RSS acenava na direção da renúncia ao expansionismo. Importa determo-nos também um pouco mais na figura de Otto Kussinen: nascido na Finlândia tsarista, fugiu pra Rússia soviética em 1918, após liderar um fracassado intento de transformar o novo país numa república socialista (tipo a Hungria de Béla Kun em 1919), levando a uma guerra civil no começo do ano. Na URSS, tornou-se uma figura de destaque na liderança da Internacional Comunista, escapou aos expurgos de 1936-38 e sempre foi fiel a Stalin, jamais sendo depois perseguido por Khruschov por isso. Kuusinen foi “plantado” como líder do governo moscovita na Finlândia, e com o fracasso da invasão, terminou com a chefia da RSS Carelo-Finlandesa mesmo. Após 1956, continuou no “topo do topo” da cúpula do PC soviético, editou obras sobre o marxismo-leninismo e entrou pra Academia de Ciências.

Voltando ao hino nacional: assim como os hinos das RSS da Geórgia e da Estônia, era dos poucos que não mencionava o povo russo. Pelo contrário, há muitas referências à mitologia nórdica que preciso explicar. A segunda estrofe cita Kaleva (ou Kalevi, Kalev), um antigo governante mítico finlandês, e os poemas rúnicos, uma espécie de versificação nórdica e anglo-saxã, mais raramente finlandesa, ligada à ordem alfabética da escrita rúnica, embora em finlandês runo signifique “poema” em geral. A terceira estrofe cita o sampo (Sammon com dois “m” é uma declinação especial), uma espécie de misterioso objeto mágico que traria sorte e riqueza a seu detentor. Kaleva e o sampo aparecem na Kalevala, a epopeia nacional finlandesa e careliana, publicada no século 19 por meio de pesquisa sobre o folclore dos dois povos. Na classificação mais aceita, finlandês e careliano são línguas-irmãs da família urálica, grupo balto-fínico, ramo fínico setentrional (o estoniano é do ramo fínico meridional), ambas escritas no alfabeto latino, e mais raramente no cirílico. Enquanto a maioria dos finalndeses é luterana ou irreligiosa, os carelianos são mais ortodoxos orientais, mas ao longo dos séculos 20 e 21 os carelianos têm se assimilado aos russos ou aos finlandeses.

O Hino Nacional da RSS Carelo-Finlandesa tem melodia de Karl (Kalle) Rautio (1889-1963), músico e maestro de etnia careliana, e letra do poeta, escritor, jornalista e ativista finlandês Armas Äikiä (1904-1965). A competição pra adoção de um hino foi lançada em 1945, quando esta canção foi adotada, mas ela logo seria abandonada em 1956. Havia também a letra em careliano e uma tradução poética em russo, mas a finlandesa era a oficial, e notavelmente não tem uma versão sem a menção a Stalin, por razões óbvias. Isso segundo a Wikipédia, pois em extensa pesquisa feita pelo youtuber DeroVolk e publicada em seu blog, ele conclui que não há evidências de qualquer adoção oficial do hino pelas autoridades da Carélia Soviética. Primeiro, porque não há nenhuma legislação dispondo sobre sua adoção e popularização, como era então comum. Segundo, porque após a letra de Äikiä ter sido encomendada, quem teria ganhado o concurso pra adaptar uma melodia não teria sido Rautio (que teria ficado em segundo lugar), e sim o compositor de origem judaica Ruvim Pergament (1906-1965). Um dos motivos registrados pra rejeição teria sido a complexidade de execução e aprendizado da melodia, mas pairam suspeitas sobre rixas entre músicos locais e uma campanha antissemita velada.

E terceiro motivo, e mais evidente, não foi deixada nenhuma gravação de época do hino carelo-finlandês, nem instrumental, nem vocal, de forma que, como também DeroVolk publica em outro artigo, houve tentativas pós-soviéticas de reconstituir a canção por meios digitais. De fato, existe um arquivo instrumental gerado com sintetizador pelo canal GETchan ainda em 2016, e por cima dele o administrador do canal Der Klaviermusiker carregou em 2021 legendas com sua voz cantando. Pra fazer meu vídeo, apenas a título ilustrativo, achei esta versão a mais palatável, apesar dele não ser um falante nativo e falar meio “abatatado”. Quanto à tradução, fiz a partir do russo e comparei com a inglesa e a alemã (que dizem ter sido feita direto do finlandês), tudo na Wikipédia, não vendo diferença nas outras línguas. Também joguei o texto direto no Google Tradutor, o que só me iluminou em alguns pontos, e aproveitei meu conhecimento mínimo da língua em pesquisas pontuais.

Como sempre, seguem o vídeo, a letra em finlandês e a tradução:


1. Oma Karjalais-suomalaiskansamme maa,
Vapaa Pohjolan Neuvostojen tasavalta.
Kotimetsäimme kauneus öin kajastaa
Revontultemme taivaalta leimuavalta.

Kertosäe:
Neuvostoliitto on voittamaton,
Se kansamme suur-isänmaa ijät on.
Sen Tienä on Kansojen Kunniantie,
Se Karjalan Kansankin voittoihin vie.

2. Isänmaa Kalevan, kotimaa runojen,
Jota Leninin Stalinin lippu johtaa.
Yli kansamme uutteran onnellisen
Valo kansojen veljeystähdestä hohtaa.

(Kertosäe)

3. Kotimaamme loi uudeksi kansamme työ,
Tätä maata me puollamme kuin isät ammoin.
Sotasuksemme suihkavat kalpamme lyö.
Asemahdilla suojaamme Neuvosto-Sammon.

(Kertosäe)

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1. Nossa terra dos povos carelo-finlandeses,
Livre república nórdica dos Sovietes!
À noite a beleza de nossas florestas se reflete
Em nosso céu que brilha com a aurora boreal.

Refrão:
A União Soviética é invencível,
É pra sempre a grande Pátria de nosso povo.
Seu caminho é o caminho glorioso do Povo
Que leva também o povo da Carélia às vitórias.

2. Pátria de Kaleva, nação dos poemas rúnicos,
Está agora sob a bandeira de Lenin e Stalin.
A luz da estrela da fraternidade das pessoas
Clareia nossa gente trabalhadora e alegre.

(Refrão)
O esforço de nosso povo reavivou nossa Pátria,
Defendemos esta terra como o fizeram nossos pais.
Nossos céus sussurram, nossas espadas golpeiam.
Com forças guerreiras defendemos o sampo soviético.

(Refrão)



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