Quem cursou História na Unicamp e passou pela matéria de História Antiga com o Prof. Dr. Pedro Paulo Abreu Funari não tem como não ter usado de manual pro semestre seu próprio livro, Antiguidade Clássica: a história e a cultura a partir dos documentos, um crácico da venda, revenda ou simples doação entre “bixos” e “veteranos”, rs. E quem, de outras maneiras, teve contato com o livro, sentiu um gostinho dos famosos grafites romanos, especialmente os de Pompeia antes da grande destruição pela erupção do Vesúvio, nos quais os romanos já faziam “memes” muito antes da internet, com seu fino senso de humor e inteligentes montagens com letras. Da crítica política à narração da própria vida sexual, passando por cotidianos prosaicos e materializações da imaginação, eles inundam os banheiros públicos, prostíbulos, muros e outras instalações e foram conservados ao longo dos séculos e apesar das intempéries, tendo sido descobertos, restaurados e catalogados por arqueólogos desde o século 19.
Se você acredita ou pelo menos teve contato com a narrativa da extrema-direita de que as faculdades públicas de humanidades sexualizam, desinibem e esquerdizam os jovens, sinto muito dizer: em parte isso é verdade, rs. Mas sem brincadeira, os trabalhos do Funari (que também muito escreveu sobre a própria ciência arqueológica) e de seus orientandos trazem outra visão da sexualidade difundida entre o povo romano, não só nos trisavós das “poesias de banheiro”, mas também em textos e diversas obras literárias. Não se “ensina” na Unicamp, é claro, que o cristianismo “é errado”, mas que simplesmente sua visão é diferente e, querendo ou não, nega muitos fatos da natureza humana de forma violenta e restritiva. A História, em todo caso, se não nos obriga a negar tudo o que nos rodeia, nos ajuda a ampliar nosso círculo de visão e concluir que nem tudo “sempre foi assim”, dando margem pra agir de outras formas construtivas, e não necessariamente “acertando contas” com o passado “machista e patriarcal”.
Mas que todo mundo ria na classe com as pinturas romanas dos “falos”, presentes aos montes nas ruas do antigo império, e com pesquisadores que dedicavam a vida a estudar essas obras e traziam infindas fotos delas em suas teses, ah, ria sim, rs... Em todo caso, quanto ao clima cultural geral, mais uma vez creio que os anos 2000 foram um “respiro” tanto em comparação com a hipersexualidade da década de 1990 quando com a virada “conservadora” a partir da crise de 2015 e da ascensão de Bolsonaro. Não sou budista, mas sempre acho também que o ideal é o “caminho do meio”: falar abertamente sobre sexualidade, como apenas mais um aspecto comum da existência humana, mas sem a pintar como algo obrigatório, onipresente e definidor de dignidades, tal se vê nas obras multimídia de ficção ou nas rodinhas de adolescentes. Inclusive, muito do “surto” de doenças mentais que vemos entre os jovens certamente vem dessa relação complexada, seja porque se fantasia uma “falta” que lhe foi imposta, seja porque o deboche não raro acaba levando ao vazio emocional.
Pois bem! Após longa digressão existencial, voltemos ao tema da publicação. Pra você rir um pouco do conteúdo do livro (e outros livros do Funari tratam do mesmo tema, como o agradável A vida quotidiana na Roma Antiga!), seguem a catalogação completa de Severa, chupas!, a decifração de cada parte do desenho e a explicação digitalizada do livro. Aproveitei pra incluir outros exemplos engraçados e, claro, o autógrafo do professor, que lhe pedi no meio do primeiro semestre de 2006, quando cursei História Antiga, uma das primeiras matérias da História! A imagem inicial disponível online, mais nítida e corrigida, vem desta publicação antiga, em que uma aficionada pela Roma Antiga expôs vários desses outros grafites. Curiosamente, há no blog um comentário deixado em 2010 por uma brasileira, estudiosa do mesmo tema, pedindo mais informações sobre o material e que logo em 2011 defendeu sua dissertação a respeito. Nas páginas 209 a 212, há exatamente uma explicação sobre nossa heroína, usando o próprio Funari como referência.
“Para o Erick, com afeto, P. P. Funari, 2006.” A gente se sente tão querido, rs (e ele viva me perguntando sobre o Bragantino, atual Red Bull!):
Estrelando também “Resolutus clunis: a senhora de ânus apertado”, kkkkk:
Funari também é cultura! Ele sempre põe em seus livros essas explicações eruditas, portanto, aproveite pra ficar menos burro aprender:
Aproveitei a ocasião pra enfim publicizar outra “lenda” que sempre faço correr entre amigos, conhecidos e contatos das redes: minha famosa prova da matéria de História da América I com Leandro Karnal e nota nove e meio. Desde que meu ex-professor de América Pré-Colombiana começou a ser tornar uma “estrela” da internet e a aparecer em entrevistas de rádio e televisão, falar que “tive aula com o Karnal” (que pra mim vai ser sempre o “Leandro”!) dá outro status, rs. E mais ainda quando li uma de suas entrevistas pra um grande veículo de mídia (não me lembro qual), em que ele era retratado como um professor “rígido” e com o qual “você já devia estar feliz caso tenha tirado seis”. Então pensei: “Pô, se ele é retratado como rígido e se a maior nota que em geral se podia esperar dele era seis, das duas uma: ou ele mudou muito o jeito de ser, ou (o que, me desculpem, acho mais provável nessa era dos smartphones, das bolhas ideológicas e das informações instantâneas...) o nível ‘dês graduandes’ piorou pra caramba!” Em suma, observando conversas entre alunos dele de anos posteriores, chego à conclusão de que os Homunculi militantes entram no curso de História não pra furar as próprias bolhas mentais (tal como chamamos hoje), mas pra as reforçar com um verniz erudito, sem acrescentar conteúdo substancial...
Porém, um pouco de história sobre essa raridade. Antes de passar no vestibular, eu sequer tinha ouvido falar do Karnal, embora antes do curso de América I (primeiro semestre de 2007) comecei a ouvir falar muito bem dele. Como todo bom CDF sem complexo de superioridade, procurei cursar a matéria seguindo meus três princípios: respeito ao professor, presença às aulas e dedicação às atividades designadas. A prova versava sobre questões que devíamos responder em várias linhas, relacionadas à obra A conquista da América: a questão do outro, de Tzvetan Todorov, um dos livros-texto que usamos no semestre. Curiosamente, uma colega cujo nome não quero citar e que nem atua mais na área teve um ataque de nervoso (ou ansiedade, sei lá), foi amparada pelo próprio Karnal e no fim das contas levou a nota cinco. Quanto a mim, sem contar um simpático “Boa resposta” em vermelho, nove e meio foi a nota mais alta da turma (que também contava com estudantes de anos anteriores, porque a grade é bem móvel) porque ninguém tirou dez, mas os outros dois colegas que também conseguiram a façanha de tirar nove e meio não estão mais entre nós... O que me fez pensar que havia uma “maldição” em torno dessa avaliação, cuja concretização, infelizmente, ainda não ocorreu, e espero que jamais ocorra, rs.
Acontece que também era pra entregarmos um ensaio no final do semestre, versando sobre o enorme livro O Novo Mundo: história de uma polêmica (1750-1850), de Antonello Gerbi, mas bem em maio, estourou a primeira greve das muitas que eu pegaria (ou que me pegariam...) ao longo da graduação, e se não me engano, a matéria foi interrompida no ponto onde tinha parado, como todas as outras. Foi uma experiência ruim, não por ser a primeira, mas porque na época eu não tinha carro, e como eu pegava van, perdia todo um dia de transporte pago (porque os grevistas mimadinhos moravam lá, né); e porque eu ainda não tinha pego o traquejo nos estudos, e interromper pra mim seria praticamente ficar meio sem saber o que fazer e temer perder o semestre pago com o dinheiro do contribuinte.
Mesmo hoje, e de carro, embora Bragança Paulista não seja tão longe do distrito de Barão Geraldo, continua sendo uma viagem, e na época não só as comunicações eram precárias (não dava pra avisar rápido tanta coisa pelo Orkut ou por um fórum do Yahoo, que ainda por cima exigiam um computador de mesa, quanto pelos aplicativos do Facebook ou WhatsApp), como também ninguém, nem mesmo os cabaços do CACH, do DCE ou do STU, se preocupavam em dizer quando a greve ia começar ou mesmo acabar, pra podermos nos planejar nas condições citadas. Será coincidência que hoje, com uma infinidade de tecnologias que permitem trabalhar a distância (smartphones e notebooks portáveis, VPN pro que só pode ser acessado por universitários, difusão da internet móvel, inúmeras bases online de artigos e os drives que podem armazenar arquivos PDF, os assassinos do velho xérox) e com a derrota dos partidos de extrema-esquerda no movimento estudantil em prol do PT e de coletivos sem filiação; será coincidência que as greves nas estaduais diminuíram drasticamente nos últimos anos?...
O único ponto positivo que eu via em encerrar o semestre no meio era justamente prescindir da avaliação final, sobretudo quando tinha obtido uma ótima nota na primeira. Assim como foi o caso com uma matéria na Faculdade de Educação em 2009, quando tirei dez numa prova e minha média ficou assim, minha média em América I com o Karnal ficou nove e meio, sem o risco de me dar mal num eventual ensaio difícil, e terminei mais aquele semestre feliz da vida, rs. Seguem as questões com qualidade um pouco ruim e mantida a parte em branco, e as respostas com minha maldita letra de mão da época, lembrando que se trata da ortografia anterior à reforma implementada em 2009:
Não sei por que ele também escreveu a nota por extenso, como fiz neste texto. Pra quem ficou curioso, o que parecem ser dois eles manuscritos logo abaixo são sua rubrica, que ele também usava em outras ocasiões:
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