quinta-feira, 21 de março de 2024

Putin e seu peculiar democratismo


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Quando você ouvir algum coxinha reclamão dizendo que em todas as eleições “o brasileiro gosta de KHar na urna”, pense neste menina que, como um ato de protesto no primeiro dia (15 de março) das eleições fake que deram um ar de legitimidade à continuação da ditadura de Putin, literalmente “KHou na urna”, embora na verdade tivesse felizmente jogado apenas tinta dentro do receptáculo com as cédulas, rs. A tonta ainda por cima se deu ao trabalho de demorar ainda mais pra sair a fim de fotografar sua “épica KHda” e talvez postar em alguma rede social, dando tempo hábil pra que fosse docilmente levada por agentes de segurança e, agora, mantida presa e com um processo nas costas.

Isso só pra introduzir os dois seguintes trechos separados de uma coletiva de imprensa reunida logo após a divulgação dos “resultados” oficiais. “Imprensa” é forçar um pouco a barra, pois de todos os que fizeram perguntas, quase todos eram veículos estatais (TASS, Rossia 24), paraestatais (Mir, que pertence à CEI), alinhados com a ditadura (Izvéstia, Shot) ou chapa-branca autocensurados (Kommersant, NTV). Apenas os dois abaixo eram estrangeiros: os repórteres Keir Simmons, que trabalha pra americana NBC, e Guy Faulconbridge, veterano da Reuters em Moscou que fez a pergunta diretamente em russo e parece uma assombração reencarnada do Navalny. O coitado do primeiro teve que depender de uma intérprete, que traduziu a Putin a pergunta em inglês e depois traduziu baixinho a resposta em russo pro Keir.

Este, aliás, ganhou mais destaque internacional exatamente por ter feito a única pergunta realmente desafiadora (note-se a clara mudança de expressão do genocida, após seu conforto inicial) e porque fez Putin, após vários anos, finalmente pronunciar pública e claramente o nome de Aleksei Navalny. Ou só o sobrenome, já que o modo como ele se referiu ao opositor é relativamente grosseiro e distanciado na cultura russa: gospodín Naválny (literalmente “sr. Navalny”), construção não muito comum, exceto pra estrangeiros, e não Alekséi Anatólievich (prenome e patronímico), que é como um adulto chama o outro respeitosamente, nem mesmo Aleksei Navalny. Os dois trechos seguem abaixo, com a transcrição e a tradução das perguntas dos jornalistas e um resumo das respostas presidenciais:


Mr. President, excuse, a question in English, my colleague will translate. Keir Simmons for NBC News. Mr. President, journalist Evan Gershkovich spent this election in prison. Boris Nadezhdin, who opposes your war in Ukraine, wasn’t allowed to stand against you, and Aleksei Navalny died in one of your prisons during your campaign. Mr. President, is this what you call ‘democracy’? (Desculpe, sr. presidente, uma pergunta em inglês, minha colega vai traduzir. Keir Simmons da NBC News. Sr. presidente, o jornalista Evan Gershkovich passou esta eleição na prisão. Boris Nadezhdin, que se opõe a sua guerra na Ucrânia, foi proibido de concorrer contra o sr. e Aleksei Navalny morreu numa de suas prisões durante a campanha. Sr. presidente, é isso que o sr. chama de “democracia”?)

“É a vida.” Não estou inteirado do caso, mas a culpa por não fazer corretamente a campanha foi da própria equipe de Nadezhdin. A morte de Navalny foi uma fatalidade, mas isso não é incomum em outras prisões russas. Por acaso é diferente nos EUA, não é frequente? [A clássica falácia tu quoque...] Acredite ou não [é de se duvidar], mas alguns dias antes, alguns colegas [do Kremlin?] e alguns funcionários da prisão informaram que ele estaria sendo preparado pra uma troca com prisioneiros em países ocidentais. Eu concordei, mas houve o que houve. “Assim é a vida.” Eu considero nossas eleições democráticas, mas se pode pensar o mesmo dos EUA, onde recursos administrativos, inclusive a justiça, são usados pra tentar barrar um dos candidatos [nem é Trump!]? É uma vergonha pro mundo. [Lambe o veneno da boca.]


Агентство Рейтер. Может быть глупый вопрос, но тем не менее Макрон продолжает говорить о возможной отправке европейских войск на Украине [sic]. Это вопрос, который беспокоит народа: как вы считаете, полномасштабный конфликт между Россией и НАТО возможно [sic], и насколько вероятно [sic]? Спасибо. (Agência Reuters. Pode ser uma pergunta tonta, todavia, Macron continua falando sobre um possível envio de tropas europeias à Ucrânia. É uma questão que preocupa o povo: o sr. considera possível um conflito em larga escala entre a Rússia e a OTAN, e qual a probabilidade? Obrigado.)

Tudo é possível, mas isso traria a 3.ª Guerra Mundial a um passo de distância, o que não interessa a ninguém. Macron já reformulou várias vezes a natureza dessa intervenção, mas hoje não é algo que se diferencia de mercenários. Já há gente da OTAN lá, se ouve falar inglês, francês [provas?]. E já estão morrendo aos montes. A França tenta resolver seus problemas internos com uma retórica externa agressiva, mas ainda acho possível que ela ajude a resolver pacificamente o conflito. “Nem tudo está perdido.”


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