quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Comunismo europeu após a 2.ª Guerra


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Escrevi este comentário no vídeo mais recente do Henry Bugalho, em que o escritor opinava sobre a derrubada do canal Terça Livre do YouTube. No final, ele alude à força que um grupelho político fanático, mas ativo e coeso, pode ter numa sociedade, apesar das oposições. Julguei que este raciocínio, com alguma adaptação, também se aplicava às ditas “democracias populares”, criadas no leste da Europa após a expulsão dos nazistas, e a como os comunistas reconstruíram esses países. Em outro vídeo, talvez este, ele cita Slavoj Žižek sobre a manipulação informativa na Iugoslávia de Tito, e por isso abri uma notinha sobre isso. Acabou virando um textão, aqui pouco adaptado:

Citando o final do vídeo, sobre a coesão de grupo, não pude deixar de lembrar algo importante: quando os regimes comunistas foram implantados no leste da Europa em 1945, não foram necessariamente implantados à força pelo Exército Vermelho. Como as forças e instituições políticas, econômicas, intelectuais e sociais dos países que tinham sido ocupados pelos nazistas foram estioladas ou estavam no exílio, os comunistas tinham sido o único grupo ainda firme e coeso nesses países, sobretudo pela participação na Resistência armada. E essa coesão comunista até a Segunda Guerra deriva justamente do tipo de partido militarizado que Lenin tinha idealizado primeiro por causa da perseguição tsarista (Que fazer?), depois por causa da guerra civil de 1918-1920 (A doença infantil do “esquerdismo” no comunismo).

O plano inicial do pacto entre Stalin e o Ocidente era que esses países se tornassem “democracias populares com governos antifascistas de frente ampla”, mas como na prática os comunistas eram as únicas forças funcionais, eles acabaram aparelhando polícia, exército, Estado, burocracia etc. e perseguindo ou marginalizando todo mundo que se opunha a eles. Porque o comunismo é malvadão? Não, mas por causa do instinto de vingança, ainda mais que tinham sido perseguidos no entreguerras e que muitas forças locais colaboraram com os nazistas.

Quando as ditaduras foram implantadas praticamente pela vontade dos comunistas locais, e não por força de Moscou (cujas tropas, porém, ainda estacionadas nos locais, os protegeram tanto quanto possível), tanto a URSS quanto o Ocidente foram postos ante o fato consumado, o Ocidente obviamente não intervindo por causa do acordo de “divisão do mundo” que tinha com os soviéticos. Um não intervinha na parte que cabia ao outro, nem opinava sobre ela.

P.S. Uns vídeos atrás falando sobre os regimes de mentiras, você mencionou a ditadura do marechal Josip Broz Tito, a qual não deixava de ser cruel, porém, tem várias diferenças pra com os regimes vizinhos (sobretudo com a Albânia, que virou um cadeião a céu aberto):

  • libertou-se com muito pouca ajuda da URSS;
  • contou com um amplo movimento de massas pra ascender;
  • rompeu com Stalin já em 1948 (o que era uma baita apostasia na época);
  • abriu mais a economia ao mercado (o que teve a contrapartida de problemas capitalistas típicos, como desemprego) e teve boas relações com o Ocidente;
  • Tito tinha apoio popular relativamente amplo, por causa da Resistência e independente da ideologia comunista;
  • e ao morrer, Tito já tinha concebido o sistema de “presidência coletiva e rotativa” entre as repúblicas constituintes da antiga Iugoslávia, que ia sucedê-lo, ao contrário de outros países comunistas, em que a sucessão (ou a perpetuação no poder), sem mecanismo claro, era definida por mera confiança, acordos emergenciais ou lutas internas de poder.

Autores que me inspiraram: Sheila Fitzpatrick, Hélène Carrère d’Encausse, Serge Wolikow, Marc Ferro, Aldo Agosti, Fernando Claudín e Pierre Broué.