terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Como pronunciar latim eclesiástico (5)


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Em fevereiro de 2018, decidi gravar em áudio todos os textos dos livros Gradus Primus e Gradus Secundus, de Paulo Rónai, traduzi-los e montar os vídeos com as ilustrações correspondentes. Minha locução traz em voz alta as leituras destinadas ao ensino do idioma latino no ginásio (mais ou menos 5.º a 9.º ano atuais) e criadas por volta dos anos 50. Paulo Rónai foi linguista, tradutor, escritor e crítico literário, e nasceu na Hungria antes de se radicar no Brasil.

Uma das críticas feitas por latinistas acadêmicos a esse método é que os textos são muito artificiais e não refletem a realidade romana antiga da língua. Mas eu gosto muito dele porque pra quem não sabe nada, é uma introdução bem didática, e serve ainda muito bem como manual autodidata.

Como eu disse na primeira, segunda e terceira partes da série, com o livro Gradus Primus, decidi seguir a chamada “pronúncia eclesiástica”, baseada na língua italiana e hoje usada em larga escala (quando se emprega o latim) pela Igreja Católica Romana, porque ela é a mais simples, menos artificial e não padece da condição de hipótese, tal como a “pronúncia reconstituída”. Estou fazendo esta série por diversão, e pra quem não sabe nada da língua latina, embora não seja propriamente um curso. O latim também pesou pra evangelização dos eslavos, e pra elaboração cultural feita pelos santos Cirilo e Metódio, codificadores da primeira língua eslava escrita. Além disso, muitos povos eslavos (ocidentais, além de croatas e eslovenos) não vieram à influência ortodoxa de matriz grega.

Seguem abaixo os vídeos das lições de 1 a 10 do Gradus Secundus que eu já tinha gravado. No correr do tempo, vou continuar narrando os textos de Gradus Secundus, e a cada 10 lições vou fazendo postagens aqui na página. Vocês lerão também as traduções livres que eu mesmo fiz, já que elas não acompanham os livros:


OS MENINOS DE NOVO NA ESCOLA

Depois das férias escolares, os alunos se reúnem de novo na escola. Orbílio Pupilo entra. Os meninos se levantam e saúdam afavelmente o professor:

MENINOS – Bom dia, professor!

ORBÍLIO – Bom dia, meninos! Está começando hoje um novo ano letivo. Advirto-os para que frequentem assiduamente a escola, sempre estejam atentos às minhas palavras e aprendam as lições. Por acaso estão todos aqui, Lúcio?

LÚCIO – Estamos todos presentes, menos Sexto.

ORBÍLIO – Por que Sexto está ausente?

QUINTO – Ficou em casa cuidando da mãe doente.

ORBÍLIO – Espero que em breve sua mãe se recupere e nosso Sexto apareça novamente entre vocês.

AULO – O que vamos aprender com o senhor este ano, professor?

ORBÍLIO – Vamos ler e aprender a história de Roma.

AULO – O estudo da história vai nos agradar muito.

ORBÍLIO – Sábias palavras, Aulo: vai agradar e instruir. Como ensina o provérbio, a história é a mestra da vida.


(SOBRE) A MORTE DE CLÁUDIA

Poucos dias depois, Orbílio ouve dos alunos sobre a morte de Cláudia, esposa de Tito e mãe de Sexto. Afligido pelo luto, o marido pede ao professor do filho que redija uma inscrição para o sepulcro. Orbílio escreve estes versos ao amigo triste:

Estrangeiro, o que digo é pouco: pare e leia tudo.
Este é o sepulcro não belo de uma bela mulher.
Seus pais a chamaram de Cláudia.
Ela amou seu marido de (todo) coração.
Criou dois filhos: destes, um
Ela deixou na terra, o outro colocou sob a terra.
Cuidou da casa, fez a lã. Terminei. Vá embora.


(SOBRE) O CONSOLO DA SABEDORIA

Muitos amigos da família (lit. “da casa”) compareceram ao enterro de Cláudia. Após o enterro, a dor do viúvo é aliviada pelos consolos (ou “consolações”) dos amigos.

– Erga o ânimo (lit. “espírito”), meu Tito! – diz um dos amigos. – Certamente você perdeu uma ótima esposa. Mas o mesmo fim espera por todos: “a morte é certa, a hora é incerta.”

Os colegas de Sexto também vieram.

– Fique de ânimo forte, amigo – diz Quinto a Sexto. – Modere sua dor. “A paciência torna mais leve tudo o que é impiedade corrigir.” Venere a memória de sua mãe vivendo honestamente.


SOBRE RÔMULO E REMO

No dia seguinte, encontramos os alunos novamente na escola, ouvindo as palavras do professor.

– Eis as coisas admiráveis – começa Orbílio – que os historiadores [rerum scriptores] narram sobre o início de Roma [Urbs, i.e. “a Cidade”]:

As vestais, guardiãs do templo de Vesta, eram proibidas de se casar. Mas a vestal Rea Sílvia teve dois filhos, Rômulo e Remo, cujo pai era o deus Marte. O cruel tio paterno Amúlio levou os gêmeos a um escravo para que ele os matasse. Mas o escravo, mais bondoso do que (seu) senhor, abandonou os meninos na beira de um rio. Pouco depois uma loba chegou ao rio. A fera não somente não matou os pequeninos, mas (também os) alimentou com leite, até que Fáustulo, um pobre pastor do rei, os encontrasse e levasse à (sua) esposa.


RÔMULO FUNDA A CIDADE (ROMA)

– Vejam agora – continua Orbílio – quão pequenos foram os princípios de uma cidade tão grande.

Os gêmeos cresciam na casa paupérrima de Fáustulo. Os jovens viviam de roubos entre os pastores. Na idade de dezoito anos, Rômulo começou a construir uma pequena cidade no monte Palatino. Remo escarneceu das exíguas muralhas da nova cidade. “Essas suas muralhas”, diz ele, “certamente serão de grande ajuda aos seus cidadãos!” Irritado com as palavras do irmão, Rômulo matou Remo. Depois ele fundou a cidade à qual chamou de Roma, a partir de seu próprio nome.

No início, a grande cidade era mais humilde do que do que uma aldeia paupérrima.


SOBRE O RAPTO DAS SABINAS
(literalmente “Sobre as sabinas raptadas”)

QUINTO – Mas diga-nos, professor, como uma pequena cidade se transformou numa grande metrópole.

ORBÍLIO – Rômulo acolheu muitos homens da vizinhança (lit. “dos vizinhos”) na cidade.

LÚCIO – Somente homens?

ORB. – Boa pergunta (lit. “Você pergunta corretamente”): faltavam mulheres para o rei e o povo. Por isso Rômulo convidou para jogos os sabinos, vizinhos da cidade, e raptou as filhas deles.

AULO – Como os sabinos suportaram a ofensa?

ORB. – Irados, moveram uma guerra a Rômulo.

AULO – Quem venceu a guerra (lit. “na guerra”)?

ORB. – Os romanos. Mas pouco depois, os vencedores fizeram as pazes com os vencidos.


(SOBRE) OS PRIMEIROS SUCESSORES DE RÔMULO

ORBÍLIO – Chego agora aos primeiros sucessores de Rômulo.

Após a morte deste, o cidadão Numa Pompílio foi nomeado rei. De fato, Numa não promoveu nenhuma guerra, mas não foi menos útil à cidade do que Rômulo. Pois ele não somente estabeleceu as leis e os costumes aos romanos, mas também dividiu o ano em doze meses e organizou muitíssimas cerimônias e templos.

Tulo Hostílio sucedeu a Numa Pompílio. Ele retomou as guerras; venceu os albanos, subjugou os veientes pela guerra e uniu o monte Célio à cidade, assim ampliando Roma. No ano 32 de seu reinado, um raio o fulminou no palácio real.


(SOBRE) ANCO MÁRCIO E TARQUÍNIO PRISCO

LÚCIO – Quem sucedeu a Tulo Hostílio, professor?

ORBÍLIO – Anco Márcio, neto de Numa que combateu o Lácio, anexou o monte Aventino e o Janículo à cidade; além disso, fundou a cidade de Óstia sobre o mar. No vigésimo quarto ano de reinado, morreu de uma doença.

SEXTO – Quem recebeu o reino depois de Anco?

ORB. – Tarquínio Prisco. Ele duplicou o número de senadores, construiu um circo em Roma [“Romae”: genitivo com função locativa] e organizou os jogos romanos, que permanecem em nossa memória. Também venceu os sabinos e anexou não poucas terras ao território da cidade de Roma. Fez muros e esgotos; iniciou o Capitólio. No trigésimo ano de reinado, os filhos de Anco mataram o rei.


(SOBRE) O REINO DE SÉRVIO TÚLIO

QUINTO – Quem tomou o império a seu cargo após Tarquínio? Acaso foram os filhos de Anco, que o mataram?

ORBÍLIO – De forma alguma; o sucessor de Tarquínio Prisco foi seu genro, Sérvio Túlio. Ele também submeteu os sabinos; anexou três montes, o Quirinal, o Viminal e o Esquilino, a Roma; trouxe fossos em volta dos muros. Ordenou o primeiro de todos os censos, que até então era desconhecido no globo terrestre. Sob ele, Roma teve oitenta e três mil cidadãos romanos, incluindo os que estavam nos campos. No quadragésimo quarto ano de reinado, pereceu por um crime de seu genro Tarquínio, o Soberbo.


SOBRE O ÚLTIMO DOS REIS DE ROMA
(ou “O último rei de Roma”)

AULO – Tarquínio, o Soberbo, obteve o império por meio de um crime?

ORBÍLIO – Obteve, mas como vocês verão, depois ele sofreu um castigo.

O primeiro povo que ele venceu foram os volscos, que viviam perto de Roma; submeteu a cidade de Gábios; fez as pazes com os etruscos; concluiu a construção do templo de Júpiter no Capitólio. Enquanto sitiava Árdea, Bruto, ele próprio também cunhado de Tarquínio, atiçou o povo e arrebatou o império a Tarquínio. Logo o exército, que sitiava a cidade de Árdea com o próprio rei, abandonou-o. Enquanto o rei voltava, o povo não o deixou entrar em Roma. Sete reis reinaram em Roma durante duzentos e quarenta e três anos.