quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Postagem n.º 500 e os 5 anos da página


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por Erick Fishuk


Por uma armação do destino, coincidiu que a postagem número 500 da minha página coincidisse com a data de cinco anos de lançamento do site como um todo. Isso porque no fim do ano passado, quando anunciei uma breve pausa em meus lançamentos, esse texto também contou pro cálculo, e somando ainda o período que fiquei fora na maior parte de dezembro de 2018, além do período entre 14 de junho e 14 de julho de 2019, os aniversários casaram certinho.

Mas o que significa o número de 500 postagens ou o aniversário de cinco anos de uma iniciativa online? Alguns anos atrás, quando celebrei a postagem n.º 200, aproveitei muito mais pra contar sobre minha história como pessoa, estudante, historiador e tradutor. Na época, eu ainda estava essencialmente transferindo pra página traduções que já estavam postadas em forma de vídeos legendados no meu canal do YouTube “TV Eslavo” (que já se chamou no passado “Pan-Eslavo Brasil”, “Pan-Eslavo”, “Canal Eslavo”, “O Eslavo” e simplesmente “Eslavo”) ou republicando os textos mais substanciais que eu já tinha escrito, mas antes postados em outros meios ou sequer divulgados. Eu estava, portanto, criando uma massa crítica pra que pudesse formar um razoável cartão de visitas cultural e vinculando gradualmente o conteúdo da página ao do canal no YouTube. Além disso, a frequência de publicações foi aumentando ao longo do tempo (exceto nos períodos em que tive de dar uma pausa): as postagens eram primeiramente semanais, depois saíam toda quinta-feira e domingo, e a partir de meados de 2016, quando eu tinha muito material acumulado, decidi lançar coisas a cada dois dias, ritmo que mantenho até agora.

No dia de hoje, quando a página já está muito conhecida por fornecer material em certos nichos e meus leitores e visitantes da TV Eslavo me conhecem nos traços pessoas e intelectuais básicos, vou dispensar novas apresentações e apenas contar sobre minhas experiências virtuais nos últimos anos, além de dissertar sobre as características e desafios que encontram os atuais empreendimentos culturais na internet. De alguma forma, o balanço deixa de ser apenas pessoal ou individual pra se integrar no mundo mais amplo das interações à distância, dentro do Brasil e com outras partes do mundo.

Pra começar, eu acho que manter a página foi uma experiência positiva e contendo somente frutos exitosos? No geral sim, porque uma espécie de serviço intelectual mais “manual”, que envolve formatação de textos às vezes já prontos (incluindo descrições de vídeos no YouTube) e sua transformação num código HTML, bem como a adaptação da redação pro formato de escrita fixa, envolve raciocínio saudável, concentração e noções de estética e redação clara. Esse é um bom treino pra minha mente, e envolve um esforço que ultrapassa a mera passividade de leituras ou pesquisas. É uma das poucas atividades redacionais em que me sinto à vontade, por exemplo, pra escutar músicas, notícias ou telejornais, e até conversar com amigos no WhatsApp. O próprio ato de escrever ou adaptar também é um treino pra trabalhos intelectuais mais sérios, como artigos acadêmicos, avaliações universitárias, mensagens pra entidades hierárquicas e as próprias teses de grau (mestrado e doutorado). E outra coisa que me agrada é ver o conteúdo da TV Eslavo sintetizado, tanto com a possibilidade de divulgar os vídeos em outros meios quanto de proporcionar ao espectador outro tipo de vivência que não seja apenas a assistência passiva.

Quanto aos ganhos culturais e humanísticos, não há qualquer comparação ou disputa: o fato de ter um espaço próprio e desenvolvido pra publicar textos e outros materiais de leitura (escritos ou não por mim, ou traduzidos por mim), o que inclui expressão de ideias e compartilhamento de experiências, já é uma grande felicidade pra quem desde pequeno foi atraído pelas letras e humanidades. E se publico, é porque não quero que o conteúdo fique limitado a mim ou a pequenos grupos, mas disponível a quem quer que se interesse ou precise, por ser de interesse geral, e não particular ou grupal. A partilha e a ajuda sempre foram os motores de minha vida social, e é a empatia, ou o sentimento conjunto das necessidades alheias, que define meu campo de atuação. O auxílio acadêmico, intelectual, informativo e documental não se limita, pois, a mim mesmo, que em todo caso tenho referências de consulta própria ou prontas pra repassar a outras pessoas; estudiosos e curiosos interessados têm à disposição um razoável material de pesquisa e supressão de dúvidas.

Porém, quem analisa o cenário cultural e educativo global e as relações interpessoais nas mídias digitais tem invariavelmente feito um balanço pessimista e crítico. E esse cenário tem uma ligação indissolúvel com os atuais movimentos políticos e sociais do mundo inteiro, incluindo o Brasil. Tal análise me preocupa e também me concerne, pois se quero difundir conhecimento, preciso saber do que os internautas precisam, por que disso precisam e o que acham do que eu publico. Nesse âmbito, o balanço é inquietante: a chamada “alta cultura” está se diluindo, há um ódio (ou no mínimo desconfiança) crescente contra os intelectuais e os acadêmicos, o grau de leitura das populações está diminuindo, as universidades são cada vez mais atacadas pelos governos (material e moralmente), as agências de notícias estão assediadas por quem simplesmente discorda de sua linha editorial (e, paradoxalmente, a crença em manchetes falsas que circulam pelos smartphones se reforçou), os chefes de Estado procuram convencer os eleitores e governados muito menos pelo argumento racional do que pelo sentimento passional, a xenofobia e o chauvinismo voltam a assombrar a civilização ocidental e a produção artística é valorizada muito mais por sua capacidade de idolatria, lucro rápido e descarte do que pela profundidade da mensagem, qualidade técnica e enraizamento temporal. O “politicamente correto”, na verdade um conjunto mutável de valores e etiquetas que nos orienta para evitar a discriminação ou vexação de grupos mais vulneráveis à sátira dos privilegiados pelo status quo, é acusado de promover censura intervencionista e tirar a graça de espetáculos e entretenimentos sem utilidade evidente.

Há quem diga que são todos indícios de uma barbarização ou mesmo fascistização do Ocidente capitalista e dos territórios externos ligados a ele, decorrente de mais uma deriva autoritária destinada a manter os altos rendimentos privados das indústrias e bancos, socializar a inescapável pobreza e consolidar a condição de meros fantoches manipuláveis do sistema (o célebre “gado” de que falam atualmente os jovens) à massa colossal que consome produtos ou usa recursos tecnológicos acriticamente. Eu diria brincando que estamos passando de uma “república” como modelo ideal de governança a uma “rês pública”, ou falando em latim, da coisa pública original (“res publica”) estamos virando uma “grex publica”, isto é, a manada que prefere vibrar em torno de líderes carismáticos do que ouvir propostas concretas. Não só no Brasil, mas no mundo todo. E os governantes, ainda por cima, apresentam traços externos e discursivos de falta de alteridade, banalização da vida humana e elogio da violência e contorno das leis como forma de resolver rapidamente os problemas e obter um crescimento econômico focado somente no aspecto quantitativo e vertical, e não na qualidade de vida e na manutenção e aperfeiçoamento do capital humano. A outra face dessa tendência, já vulgarizada entre boa parte do público, é tratar o ecologismo como “histeria ideológica”, legitimando a predação produtiva dos frágeis recursos naturais planetários e negando suas nefastas consequências sociológicas e ambientais, já comprovadas solidamente por evidências científicas.

Esse diagnóstico é contemporâneo e não leva necessariamente em conta a evolução desde a inauguração de minha página, em 1.º de agosto de 2014, ou desde a citada postagem n.º 200. Eu poderia ir além e pensar o que aconteceu desde 20 de novembro de 2010, bem no fim da Era Lula e perto de iniciar o primeiro mandato de Dilma Rousseff, quando criei a TV Eslavo nos primórdios da popularização do YouTube. Não é a mesma coisa do que refletir sobre outros sites, canais e espaços midiáticos voltados apenas a entreter e desligados ou pouco relacionados aos acontecimentos nacionais e internacionais, porque tudo ou a maioria do que disponibilizo, tanto pela circunstância de aparecimento quanto pelo caráter do conteúdo, está estreitamente relacionado a política, histórica, sociedade, cultura, educação e idiomas, resumindo, temas de valor mediato, e não efêmero, pra quem desfruta das plataformas digitais. E com a democratização e inclusão da informática, mais e mais gente tem desejado saber mais e mais coisas, e ao mesmo tempo se julga mais e mais apta a dar opiniões sobre qualquer assunto, sem estudo aprofundado. Se a democratização tecnológica já é em si uma revolução, também o é a democratização dos foros opinativos e, mais ainda, o potencial de pressão, intervenção ou até intimidação nos que opinam nessa zona livre, fato inédito na história das ideias e das inter-relações. Tal capacidade de atingimento é o perigo maior, e quem lida com conteúdos sensíveis, mesmo que não tenha sido seu elaborador, está mais vulnerável à perseguição da “ciberturba”.

Por que afirmo tudo isso? Voltando agora mais detidamente à minha atuação, todos estão cansados de saber que o teor das traduções e legendagens se deve à minha especialização em história social do trabalho, mais especificamente em história política do Brasil República e da Europa no século 20, porquanto sempre me foi mais fácil traduzir a partir de temas que já eram familiares e mais fácil saber as demandas de quem pertencia à mesma área do que a outras dos estudos históricos ou mesmo de outras disciplinas superiores. O assunto no qual acabei me aperfeiçoando foi o do comunismo no Ocidente e na Europa Oriental, seja como partidos político-eleitorais, seja como regimes instituídos. A temática comunista já causava sensação no início desta década? Sempre causou, e nunca deixou de despertar paixões favoráveis ou contrárias, inclusive nos primeiros recursos disponíveis pra publicação na internet. Desde muito cedo, nunca foram volumosos os comentários deixados nas postagens desta página, por isso não hesitei em desativar esse recurso, ante a atual popularidade escassa dos blogs como ferramentas de exposição e escrutínio textuais. Pra ser sincero, o maior motivo de eu ter mantido o Fishuk.cc foi minha recorrência predominante à escrita e à leitura na carreira profissional do que ao audiovisual: se o contrário ocorresse, era a TV Eslavo que teria frequência fixa de atualização, e não a página.

No canal do YouTube, a dinâmica foi diversa: em 2010 e 2011, poucos tinham uma conta, que aliás não era vinculada ao hoje extinto Google Plus, a rede social do gigante informático, e por isso as seções de comentários não serviam como fóruns de discussão à parte. A partir de 2012, sobretudo de 2013, com a maior articulação política dos brasileiros, as conexões online mais modernas e previsíveis, o fim das desconfianças face às redes sociais e o refinamento das técnicas audiovisuais, Facebook, WhatsApp, Instagram e YouTube começaram a cair no gosto popular, de início um pouco como imitação dos hábitos dos países desenvolvidos, mas com gradual aclimatação ao cenário nacional e, assim, “orkutização” das participações, em outras palavras, poluição visual e histrionia discursiva acentuadas. Pari passu, como é óbvio, caminhou a difusão e acessibilidade dos smartphones, que dispensavam a necessidade de estar parado, sentado a qualquer tipo de computador de mesa, pra interagir com outros ou ficar informado. Facilitação das vantagens, facilitação dos atritos. A frequência dos comentários no hospedeiro de vídeos disparou, as brigas também, e em vários momentos me vi obrigado ou inspirado a interditar essa seção, atitude que ficou cada vez menos frequente, porque a abertura ou fechamento deviam ser feitos em cada vídeo, e com cerca de 700 vídeos atuais, qualquer mudança é broxante.

Indo direto ao ponto, quem predomina hoje: comunismo ou anticomunismo? Uma teorização de como evoluíram as interações e o acesso a conteúdos no YouTube pode ajudar a explicar o resultado. No passado, as pessoas só encontravam o que procuravam, portanto num vídeo de conteúdo comunista era claro que a maioria dos comentários ia ser de comunistas, socialistas ou esquerdistas em geral, apoiando os que produziram o hino, canção ou documentário. O mecanismo de oferta de sugestões ou de notificação de atualizações era bastante primário, levando à pouca exibição do que não lhes interessava. Quem criticava o bolchevismo ou a URSS quase sempre eram internautas atraídos pela minha proposta original de ser “pan-eslavo”, ou seja, abordar o máximo possível de línguas eslavas sem me limitar a um ou poucos temas, e que quando viam algo comunista, reclamavam se não gostavam. Mas cada um usualmente ficava na sua, e não sentia a necessidade de provocar ou muito menos ofender quem pensava diferente. Quando havia troca de ideias, mesmo se eram opostas, o debate continuava amigável.

Muita coisa mudou de lá pra cá. Ainda me concentrando na TV Eslavo, a grande maioria do público passou a ser de jovens que já cresceram, desde muito cedo, com acesso a internet de qualidade ou mesmo recursos mais avançados como laptops (até certa época), smartphones e tablets. O ensino escolar passou a priorizar cada vez mais desempenho em provas pontuais, com mais memorização de tópicos do que absorção e utilização de conhecimento, tornando os vestibulares e até mesmo o ENEM um caso muito mais de vida ou morte do que na minha época (2005), quando praticamente só estudei com livros, e separando o aprendizado da vida real e da dignidade ou identidade social. O acirramento da mentalidade concorrencial e a mordomia tecnológica levaram a epidemias de ansiedade, depressão, baixa autoestima e até suicídio, pois a mínima falha técnica era motivo de desespero, o desempenho na escola e no escritório exigia metas desumanas, a disputa de vaidades ou cotidianos irreais nunca chegava a um termo e a sensação de ser contrariado numa troca opinativa era equiparada a uma derrota moral ou a um atestado de inépcia. Acrescente-se o secular espírito de rebanho, e note-se como o novo comportamento literalmente “viralizou”, como dizemos hoje.

E o comunismo, onde entra nisso? Bem, do ponto de vista intelectual, evidencia-se uma popularização das ideias conservadoras de direita, tradicionalmente avessas aos comunistas e a outras formas de esquerda radical. Essa predominância de “direita” e “esquerda” na opinião pública, a meu ver, é rotativa e ocasional, pois o que nossa cultura popular tem de mundana ou puritana, ao contrário do que muitos pensam, nada tem a ver com o espectro ideológico de extração europeia, o qual termina concernindo, portanto, a um domínio tão distante da vida comum quanto a vida parlamentar e a troca de governos. Explica-se, então, por que parece haver nos comentários do YouTube, em meu canal e em outros, uma predominância da “direita” ou do “conservadorismo”, mais ou menos associado ao apoio à figura do presidente Jair Bolsonaro. Acontece que esse encurtamento de distâncias apenas virtual, e não físico, na esteira da supracitada banalização da vida humana, fez o homem comum agir com muito mais violência, crueldade e pressa ao externar seu incômodo com quem não lhe dá razão. Esquecemos que por trás de perfis, contas ou até “fakes” existem pessoas, vidas, experiências, sentimentos, fragilidades, e a mistura de vaidade, prepotência e egoísmo faz o resto. Ninguém é contestado por seus argumentos ou coerência, mas desumanizado sem dó meramente por ter se definido “de direita” ou “de esquerda”, ou por ter o outro achado precocemente que ela(e) assim se rotularia.

Infelizmente, não são apenas os “bolsominions” ou “coxinhas” que agem dessa maneira: tenho inabalável certeza de que os apoiadores do PT e os militantes antissistema radicais forjaram esse modo de agir, rapidamente apropriado, adaptado e aperfeiçoado pelo outro lado da barricada. Desde 2013 pelo menos, presencio pessoal ou virtualmente a atitude dos que chamam de “reacionários” e “fascistas” os que simplesmente expressaram críticas mais ou menos articuladas ou incisivas aos governos de Lula e Dilma, aos regimes autoritários de esquerda ao redor do mundo e à corrupção e gastança pública que grassaram em Brasília (aí incluídos, claro, os ocasionais apoiadores despolitizados do “centrão”). Isso me dava nojo e me fez deixar de seguir muitos blogs, páginas e canais que, fora isso, apresentavam conteúdos muito didáticos e interessantes. A postura dogmática e arrogante do PT (em parte, creio, derivada do próprio jeito presunçoso de Lula) e de outros esquerdistas afugentou muitos eleitores potenciais, num momento em que conquistado o Estado, pensava-se que nada mais se havia de fazer pra legitimar a hegemonia. Daí uma boa parte do eleitorado popular petista ter facilmente passado ao PSDB novamente ou ao PSL. Em suma, como virou lugar-comum se dizer, a polarização e o ódio se generalizaram, tornando a política menos um caso de valores e persuasão do que de adesão fanática e blindagem passional.

Quem produz conteúdo relativo ou voltado à história e à política não podia passar imune a esse clima. O campo do conhecimento é o mais facilmente visado ou atingido pelos que desejam manipular fatos e mobilizar exércitos. As humanidades têm essa estranha propriedade de parecer tão fluidas ou tão próximas do dia a dia, que qualquer um se sente no direito ou capacidade de emitir pareceres sobre seus procedimentos e conclusões. A verdade é que história, ciência política, sociologia, filosofia, redação, linguística, literatura, tradução, legendagem e o que mais seja afim a meu trabalho de divulgação cultural, tudo isso se domina apenas com longo aprendizado, cansativa disciplina e reflexão sóbria, mesmo que seja inevitável a intervenção apaixonada ou a opção partidária em querelas sociais mais abrangentes. O essencial é não confundir meios com fins, nem sacrificar os primeiros aos segundos, mantendo uma relativa independência da área técnica, científica e acadêmica. Mais do que nunca, urge uma tradução pro português do pequeno mas instigante artigo do historiador francês Pierre Nora, L’histoire au péril de la politique (A história sob o perigo da política), que pretendo fazer em breve, advogando pela não instrumentalização de nosso ofício e pela aceitação geral dos resultados de pesquisas, a despeito do que se vá ou não pensar delas.

A página “Traduções de Erick Fishuk” e o canal “TV Eslavo” surgiram exatamente com o propósito humanístico de ultrapassar as rixas político-ideológicas, sem contudo perder o contato com elas. É chavão afirmar que a história dá lições sobre o que devemos ou não fazer, sobre o que causou ou não grandes retrocessos civilizatórios, porém mais do que isso, sua utilidade e obrigação é dar à interação social um chão mínimo pra pensarmos que resultamos de uma jornada muito mais longa e dolorida do que entendem nossos confortos, pra lembrarmos que nosso modo de vida não é o único possível e pra internalizarmos de vez que a condição humana, portanto todas as suas carências, riscos, potenciais e fragilidades, são compartilhados por pessoas muito distantes de nós no espaço, no tempo, nos pertencimentos e nas escolhas. Soa estranho uma página de traduções e um canal de legendagens adotarem um projeto valorativo, mas se nos damos conta do input humano por trás de cada empresa do tipo, compreendemos por que o objetivo das traduções é aproximar, desvelar, incomodar, e por que não me limito à tradução “seca”, mas incorro às vezes em montagens e misturas culturais, despertando o senso de absurdo que faz a essência da arte. Como disseram vários grandes intelectuais ocidentais, a atividade tradutória enriquece cultura, engendra progressos literários e estimula, ao invés de desencorajar, o conhecimento de novas línguas e realidades.

Não há razões pra desanimar ou calibrar a esperança: a vida é um mosaico de imprevistos e possibilidades, e a civilização sempre encontra pedras no caminho antes de alcançar estágios mais avançados. A função da cultura, da ciência e da arte não é acelerar ou deter a marcha, mas apenas mantê-la constante e direcioná-la no caminho do esclarecimento, da conservação e da intercompreensão. Jogando ao acaso, os frutos permanecem misteriosos, mas a virtude não está em produzir isto ou aquilo, mas em continuar apostando, aceitando os desafios que um mundo natural e humanamente hostil nos põe diariamente. Quem age mais e julga menos, quem pensa com humildade e faz com abnegação, consegue mais facilmente seu lugar ao sol, mesmo que no edifício da história ela(e) se torne um tijolo pequeno, nem por isso descartável. Que minha página e meu canal sigam prestando nesse sentido, que mais gente encontre neles um auxílio e que sejam mais cinco, dez vinte ou cinquenta anos, com incontáveis postagens!


Bragança Paulista, 31 de julho de 2019