quarta-feira, 7 de agosto de 2019

“Morrer de catapora” e gírias de época


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/catapora


Como eu achei bastante interessante esta reflexão, decidi transformar num texto, e ainda oferecer um bônus! Um tempo atrás chegou até mim um sticker (figurinha) pelo WhatsApp com o Pica-Pau, famoso desenho animado norte-americano dos anos 60 e 70, comendo alpiste em sua casinha na árvore e dizendo: “Quero morrer de catapora!”. Pesquisando, descobri que se tratava de um trecho do episódio em que um urso fabricante de bolas de boliche tenta derrubar a árvore em que o pássaro mora, mas cujo trabalho vai ser todo estorvado pelo nosso astro. Quando o Pica-Pau começa a sentir que sua árvore está tremendo, ainda sem saber que é por causa das machadadas do urso, ele exclama: “Quero morrer de catapora!”.

Nunca ninguém entendeu essa piada, que parece algo meio sem sentido ou feito de propósito só pra zoar, pelo menos quem viu nos últimos anos. A cena, por isso, virou meio que um meme em alguns meios, embora de alcance não tão amplo. Continuando a busca no YouTube, achei uma canção interpretada por Ângela Maria, gravada em 1970 em ritmo de marchinha de Carnaval antiga, que chamava exatamente Quero morrer de catapora! O refrão diz assim: “Quero morrer de catapora se eu não contar que você comeu amora... Quero morrer de catapora se eu não contar que você namora...” Ou seja, tempos em que namoros e sexo ainda eram tratados como tabu, sobretudo sem autorização dos pais, com a expressão “quero morrer de catapora” significando, essencialmente, que a pessoa não acredita de jeito nenhum que o acontecimento em sua expectativa possa não acontecer. O acontecimento seria tão certo que a pessoa metaforicamente arrisca sua vida se houvesse possibilidade de falhar.

Se bem que “catapora”, no senso comum (ainda mais que hoje é muito mais rara do que no passado), não parece ser uma causa de morte muito brutal ou heroica... tanto que esse foi o motivo da piada dos internautas. Entre os comentários, estava o de que “eis que você é um sadboy, mas só tem 9 anos”. Acontece que no fim do século 20, parece que a maioria dos cartuns “infantis” era destinada mais a adultos do que a crianças, não só porque eles entendiam as referências à cultura de massas (algo bem verdadeiro pra Turma da Mônica), mas também porque as obras eram cheias de conteúdo “politicamente incorreto”. É fato que muitos adultos consumiam, sim, desenhos e gibis infantis, porque não eram tão açucarados, inocentes ou direcionados quanto a produção atual, e porque a variedade de opções na TV aberta e o baixo preço das revistinhas os tornavam mais acessíveis, e até interessantes.

Mas acredito também que no passado, como é meu caso, as crianças compartilhavam mais o mundo com os adultos, dada a variedade menor de entretenimentos, faltando os canais a cabo, canais do YouTube, livros inteiros, smartphones e toda uma cultura que fechou os pequeninos dentro de uma “bolha” em que só encontram seus semelhantes. Isso, claro, se estendeu a outros domínios da vida que, como no passado, nos obrigavam mais a viver cara a cara com pessoas diferentes. Com o passar do tempo, a produção infantil passou a ser mais “peneirada”, pra evitar o que seriam choques desnecessários, ainda mais que hoje, na verdade, o mundo adulto está é mais violento, letal e intolerante. No meu tempo, éramos educados “na marra”, vivendo muitas coisas iguais ou semelhantes às dos adultos, como músicas, novelas, programas de TV, revistas etc., muitas vezes contendo até sexo quase explícito. As novas tecnologias, na verdade, aumentaram a possibilidade de controle, portanto de assepsia. Por isso, discordo do Nando Moura quando ele falava que Xuxa e Angélica levavam a uma “sexualização precoce” (como assim? hahaha): acho apenas que eram tempos diferentes.

A partir do upload que citei acima, segue a montagem que eu mesmo fiz e na qual inseri a canção de Ângela Maria e repeti várias vezes o “Quero morrer de catapora”:


Meme de 2011 relacionado, mais adulto (desculpe, não resisti, rs):


Esta velha manchete do Jornal Nacional ficou perdida por uns anos, e depois se fixou no YouTube. Lembro que em algum momento dos anos 2000 recebi esse vídeo por e-mail, relembrando a matéria que eu tinha visto pela televisão, mas não o salvei. Pela imprensa da época (já online) que consegui achar no Google, o padre se chamava (pasmem!) Francisco de Assis, tinha 38 anos e foi afastado de suas funções após agredir uma fiel, deficiente mental, no meio de um batizado na paróquia São José em Ituiutaba, MG. Ele teria sido transferido pra São Paulo e lá submetido a tratamento psiquiátrico, já que o fato teria se repetido antes em outra paróquia da região.

O padre, que batizava 26 crianças num domingo e era filmado por um cinegrafista amador (figura comum antes dos smartphones), veio do Rio Grande do Norte e há mais de um ano atuava na região. Identificada como Milena Silvéria, a mulher negra se colocou ao lado da pia batismal e começou a discutir com o padre, que começou a xingá-la e mandar que se afastasse, proferindo a célebre frase: “Paiaço [sic] é você, idiota!”. A hora que ela resolveu dar uma sacolada nele, Francisco de Assis estourou, jogou água benta nela e começou a esmurrá-la.

Essas informações são da Folha de Londrina (Paraná) de 12 de dezembro de 1997. Já segundo o caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo de 11 de dezembro, o motivo da expulsão teria sido o fato dela não ter sido convidada pra participar da cerimônia (já que os batizados eram familiares). Os moradores da cidade que fica a cerca de 695 km de Belo Horizonte afirmaram que Francisco não gostava de Silvéria porque era teria o costume de “falar alto” durante as missas.

Um blog anticlerical, por sua vez, misturou os fatos, dizendo que a irritação tinha sido porque ela estava falando alto durante o batizado, e ainda adicionou que ela tinha problemas mentais. O site vem com essa história de dízimo e não sei o quê, mas é notável como em muitas igrejas do interior (SP, MG, GO) parece sempre ter essa figura de uma pessoa um pouco deficiente que está sempre frequentando as missas, ou ao menos ajudando.

Outras fontes que consultei chamavam Francisco de Assis de “Padre Ryu”, rs. Mas em todo caso, não descobri o que houve depois com ele, já que os periódicos diziam que o alto clero decidiria seu destino enquanto estivesse em São Paulo. Muitas das repostagens, como esta que baixei, são de 2006, logo que o YouTube surgiu, mas outras são de depois. Eu apenas recortei o quadro, melhorei o áudio e a imagem e adicionei as famosas repetições.


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