Outro artigo de opinião que hackeei há algumas semanas da Folha de S. Paulo, a cuja linha editorial tenho várias ressalvas, mas que volta e meia lança debates muito interessantes. Ele se chama “Ministério da Saúde, advirta!”, de autoria da advogada, escritora e dramaturga Becky S. Korich e publicado em 24 de novembro de 2022, do qual mantenho os links que remetem a outros textos na publicação original. Mais uma vez, é daquelas reflexões que vão ao encontro do que penso sobre redes sociais e que alertam sobre os danos do uso excessivo de aparelhos eletrônicos ao corpo e de mídias digitais – sobretudo quando estas vendem uma realidade ideal inexistente – ao cérebro e à psique. A figura abaixo ilustra como a espécie humana poderia evoluir daqui a 800 anos (Korich explica no texto), embora eu não dê opiniões categóricas sobre isso, por não ser biólogo:
Com celulares e redes, preenchemos o tempo com o vazio, e não sobra tempo
Se o seu celular não está na sua mão, com certeza está a menos de 30 centímetros de você. Que esse aparelho – que é tudo, menos telefone – já é parte integrante do nosso corpo não é novidade. O que fingimos não saber são os desvios e as deformações que esse novo membro incorporado pode potencialmente provocar à nossa forma original.
Foi divulgado recentemente um estudo prevendo que daqui a 800 anos (depois de amanhã) vamos sofrer mudanças estruturais no corpo, consequência direta do uso excessivo de smartphones e computadores.
Costas curvadas, mãos em forma de garra, cotovelos quadrados, cérebro menor, pescoço mais grosso e até uma segunda pálpebra. Chegamos à era da inteligência emocional, com o homem menos inteligente, curvado à tecnologia e servindo ao objeto que foi feito para lhe servir.
A imagem do novo humano em 3D que ilustrou o estudo é digna de ficção científica. Uma espécie de autômato: a figura de um homem imitando o próprio homem, que já não é mais tão humano.
O estudo é um mero prognóstico, mas um importante aviso. Se essa teoria de involução darwiniana do século 21 poderá ser visível aos olhos, significa que as mudanças estão tão profundamente incorporadas que certamente resquícios dela já têm penetrado na nossa essência.
Desde a era paleolítica nós, humanos, nos adaptamos ao ambiente em que vivemos na luta pela sobrevivência. Se antes matávamos, caçávamos, colhíamos e nos aquecíamos com fogo, hoje sobrevivemos matando o nosso tempo, caçando imagens estéreis, colhendo frutos corrompidos por ervas daninhas e nos aquecemos com combustíveis fósseis. Somos mais nômades, apesar de estancados, porque não sabemos direito qual é o nosso lugar. Não andamos mais em bandos, nos contentamos com a segurança da solidão por detrás das telas. Desaprendemos a carregar as baterias longe das tomadas e, assim, nossas fontes de energia não se renovam. Estamos, enfim, mais selvagens do que nossos antepassados.
Caímos nas armadilhas das redes, que de sociais não têm nada. Essas redes, que nos definem através da exposição dos outros, onde nos expomos para nos defender, usando verdades ou mentiras que contamos de nós; tanto faz. Com mãos de garra, acabamos nos desgarrando do que mais importa, preenchendo o nosso tempo com o vazio. E não sobra tempo. Porque o vazio ocupa um espaço enorme, porque vazios são infinitos.
Smartphones e afins tinham de ser tarja preta, com alertas para nos lembrar do seu poder de toxicidade. Deveriam vir com uma bula: não para nos instruir como usá-los, mas para nos precaver de não sermos usados por eles. E trazerem, em letras garrafais, a advertência de que o uso inadequado pode causar dependência, depressão, solidão... Desistência de um pedaço de vida.
Pela preservação da nossa pálpebra única, óculos corretivos deveriam ser obrigatórios no uso desses aparelhos, e assim nos devolver o foco, ampliar a visão e nos fazer enxergar na dimensão correta. Uns óculos especiais, que corrigissem a miopia e o astigmatismo sociais-digitais que distorcem nossa visão e nos fazem achar que o que está longe é mais bonito.
Celulares não são do bem nem do mal. São o que são. E nós devemos nos manter eretos diante deles, para continuar a ser o que somos.