Encerrando nossa série em memória de Mikhail Gorbachov, último líder da extinta União Soviética (URSS) e seu primeiro e único presidente (cargo criado como consequência de suas reformas fracassadas), apresento minha tradução a esta resposta dada à pergunta de um repórter por Dmitri Peskov, secretário de imprensa do Kremlin e porta-voz do presidente russo Vladimir Putin. Decidi traduzir porque também achei interessante como documento histórico sobre a relação tensa e ambígua do putinismo com essa época de reformas (Gorbachov e Ieltsin), a se notar pelo jeito balbuciante com que Peskov tenta fornecer um argumento.
Obviamente que o porta-voz do invasor da Ucrânia, devendo refletir em alto grau a opinião do governo, não podia rasgar-se em elogios ao ex-dirigente, mas também não podia “meter o pau”, já que, segundo consta, uma geração de jovens está estudando sozinha a história e tirando suas próprias conclusões. Porventura, jamais saberemos o que Peskov realmente pensa, e como ele viveu aquela parte tão turbulenta do que ele chama de “nossa grande história”.
A melhor transcrição, que pelo menos não exponha só fragmentos da fala, foi publicada pelo jornal Komsomolskaia pravda, e eu apenas preenchi com a tradução direta de alguns trechos orais que não constavam no site. O vídeo de Peskov sem legendas, que também segue abaixo, foi publicado no canal do jornal russo Kommersant. E no final, um presente: o vídeo de propaganda gravado em 2005, que fica na página inicial do site do Fundo Gorbachov, que resgatei caso os donos tirem do ar. Tem legendas em inglês, não tive tempo de traduzir.
Falecido ontem, Mikhail Sergeievich Gorbachov foi um homem de Estado que vai ficar pra sempre na história de nosso país. Muitos disputam sobre o papel que ele desempenhou. Mas que ele foi uma pessoa extraordinária, uma pessoa única, isso é ponto pacífico. Ele é conhecido e lembrado, e será lembrado, no mundo todo.
Também há muitas disputas. Por exemplo, a conclusão da guerra fria. Sim, Gorbachov impulsionou a conclusão da guerra fria, e ele quis crer sinceramente que quando ela terminasse, começaria um eterno período de romance entre a nova URSS e o chamado “Ocidente coletivo”. Esse romance não se concretizou, não se obteve nenhum romance nem o século de lua de mel: a sede de sangue de nossos oponentes ficou escancarada. Que bom que isso foi reconhecido e entendido a tempo.
Hoje de manhã o presidente enviou um telegrama de condolências aos familiares e amigos de Gorbachov. Essa é realmente uma grande perda pra todos nós.
Quanto à força da convicção, a história não se conjuga no modo subjuntivo. Por isso, argumentar se fosse assim, se hoje tudo fosse diferente, se fosse assado, isso não existe. Só podemos e devemos conhecer nossa história em detalhes, cada um terá seu ponto de vista sobre o que foi bom, o que foi ruim e o que falhou.
Mas em todo caso, tudo isso é nossa história, da qual você e eu nos orgulhamos e vamos sempre nos orgulhar. Porque essa é uma grande história.