quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Nova guerra entre Armênia e Azerbaijão


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/artsakh


Nestes trechos que tirei de um telejornal exibido no útlimo 28 de setembro, já aprecem alguns primeiros rastros de destruição militar, dos dois lados, após começarem novos conflitos armados entre a Armênia e o Azerbaijão, dois pequenos países do sul do Cáucaso, antigas repúblicas da URSS. Esta variante dialetal da língua armênia, especificamente, é a chamada “ocidental”, a língua da diáspora, ao contrário da “oriental”, oficial na Armênia moderna, com ortografia reformada e cheia de empréstimos do russo.

O conflito tem como foco a região chamada pelos armênios de Artsakh, também conhecida pelo nome russo Nagorno-Karabakh, um enclave no meio do Azerbaijão que tem maioria étnica armênia e praticamente se autogoverna com a ajuda do irmão vizinho. Esse traçado geopolítico não resolvido culminou numa guerra no início dos anos 90 que deixou mais de 30 mil mortos e desalojou mais de um milhão de pessoas. Por vários anos têm sido conduzidas conversas e mantido um cessar-fogo, mas desde 2016 os separatistas têm ficado mais reativos, e o governo azerbaijano mais repressivo.

A Armênia, de religião cristã e conduzida pelo primeiro-ministro Nikol Pashinyan, e o Azerbaijão, de credo muçulmano e dirigido pelo presidente Ilham Aliyev, estão praticamente em confronto aberto, revivendo feridas ardentes desde a década de 1920, quando a Turquia tentou exterminar o povo armênio e provocou sua diáspora pelo mundo. Os azerbaijanos (que não gostam do nome “azeri”) são incondicionalmente apoiados pela Turquia, cuja língua é quase igual à sua, e acusados pela Armênia de receber jihadistas islâmicos que estavam lutando no norte da Síria e lançá-los contra o Artsakh.

A guerra iniciada no último domingo já fez dezenas de mortos civis e militares, mas está só começando e não sabemos quando/se vai acabar. A Armênia decretou estado de guerra e convocou seus reservistas homens. A Europa acusou esses dias o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, de conduzir uma diplomacia excessivamente agressiva. O líder conservador islâmico, além de tornar novamente o museu de Santa Sofia uma mesquita e ocupar o norte da Síria pra perseguir os separatistas curdos, também está envolvido em disputas por campos marítimos de petróleo e gás com o Chipre e a Grécia, esta quase atraindo sua ira militar. A Rússia historicamente apoia os armênios cristãos desde as guerras do tsarismo contra o Império Otomano, mas Vladimir Putin também nunca teve problemas com o autoritário Aliyev. E isso, infelizmente, no meio da pandemia de covid-19. A palavra que aparece na tela, goyamart (գոյամարտ), notavelmente significa “luta pela vida” ou “luta pela sobrevivência”.


Momento em que um correspondente do canal independente Dozhd (ou TV Rain), que ainda funcionava na Rússia antes de exilar seu estúdio durante a invasão da Ucrânia, quase foi atingido por um bombardeio na cidade de Martuni, enquanto cobria o conflito no Artsakh, em 1.º de outubro de 2020.


Atualização: Este link contém o vídeo completo da parada militar realizada pelo ditador do Azerbaijão, Ilham Aliyev, na companhia de seu aliado e convidado de honra, o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan, no dia 10 de dezembro de 2020 na capital azerbaijana, Baku. Os dois países comemoravam o que consideravam ser a vitória na guerra contra a Armênia pelo controle da região do Artsakh (ou Nagorno-Karabakh), enclave de maioria armênia dentro do Azerbaijão com governo e exército próprios. Aliyev acusou o primeiro-ministro armênio Nikol Pashinyan de iniciar uma provocação militar pra tentar controlar a região, mas o Ocidente considera a ofensiva azerbaijana uma guerra por procuração instigada por Erdoğan com fins de autopromoção regional. Foi o maior desfile do país banhado pelo mar Cáspio desde sua independência da antiga União Soviética, em 1991.

A Armênia entrou com tropas no Artsakh pra supostamente defender os compatriotas, mas o Azerbaijão respondeu ao ataque, com a ajuda da Turquia, o parceiro poderoso de Baku (ambos os países são muçulmanos e de cultura túrquica). Não se sabe ao certo por que Pashinyan aceitou a aventura, sendo que seu poderio bélico era muito inferior, mas diz-se que ele esperava o apoio da Rússia, historicamente ligada aos armênios cristãos. Porém, esse apoio não chegou (nem mesmo da vizinha Geórgia), e Yerevan se viu sozinha enfrentando a Turquia, Azerbaijão e militantes islâmicos saídos da Síria pra combater no Artsakh. Pashinyan e Aliyev terminaram assinando um cessar-fogo intermediado pela Rússia, que mandou seu exército patrulhar na região o cumprimento do acordo e evitar, por exemplo, matanças étnicas em massa. Boa parte da população armênia do Artsakh tinha justamente fugido dos combates e do perigo de extermínio, lembrando-se do genocídio cometido pelo Império Otomano durante a 1.ª Guerra Mundial.

Recep Erdoğan, em seu braço-de-ferro geopolítico com a União Europeia, os colegas da OTAN e os EUA, acabou por enquanto ganhando esta etapa. Washington não deu um pio sequer, Moscou se viu impotente diante do fato consumado (mesmo que tenha tomado a dianteira nas negociações) e os europeus estavam retidos pela crise da pandemia. Enquanto o Azerbaijão comemora, a Armênia está vivendo uma crise política, chorando seus mortos e com exigências de renúncia do premiê Pashinyan. Estas são as melhores imagens que selecionei da parada inteira, até porque boa parte é repetição, e os discursos dos presidentes (cujas línguas são mutuamente inteligíveis) ocupam metade do vídeo. Notemos que o ar é de grandiloquência, embora um quarto do território do Artsakh ainda esteja sob controle armênio, e que o estilo do desfile ainda é muito calcado nos antigos soviéticos. Militares turcos também participaram.