Eu traduzi, legendei e postei no meu antigo canal do YouTube esses dois vídeos em momentos diferentes, mas decidi abordá-los na mesma postagem, porque falam de um assunto semelhante. O primeiro vídeo achei por acaso, decidi procurar o texto e encontrei tanto a descrição da parte que Margot Honecker pronuncia quanto informações sobre o contexto do evento. Margot Feist se casou em 1953 com Erich Honecker, líder da Alemanha Oriental (RDA, ou DDR) de 1971 a 1989, e foi Ministra da Educação (praticamente por uma era geológica) de 1963 a 1989, quando o marido foi deposto. Ela nasceu em 1927 e morreria exilada em Santiago do Chile, em 2016.
Legendei um pequeno trecho de seu discurso na abertura do 9.º Congresso de Pedagogia da RDA, em 12 de junho de 1989. Segundo Margot, a educação escolar e familiar deveria reforçar sua orientação socialista. Contudo, Anna Saunders escreve em seu livro Honecker’s Children: Youth and Patriotism in East(ern) Germany, 1979-2002 (p. 5 do capítulo 3) que até aquela época, mais de 400 sugestões foram enviadas por cidadãos comuns e opositores com pedidos de reformas. Mas apesar do congresso ter tocado na questão da liberalização do sistema, pouco foi feito pra pôr isso em prática, e a Sr.ª Honecker, como vemos, reafirma a orientação marxista-leninista do currículo. Apenas com a ascensão dos protestos de massa seriam removidos os conteúdos mais abertamente partidários e patrióticos, e a renúncia de Margot, em 2 de novembro, pareceu abrir uma nova era no ensino. Mesmo assim, uma enxurrada de cartas continuaria aumentando pro Ministério da Educação no fim de 1989 e começo de 1990.
Vejam que texto sugestivo. Ironicamente, o Muro de Berlim logo ia cair. Já que hoje se cria tanta celeuma em torno da batida “pedagogia do oprimido” de Paulo Freire, e já que tivemos a “pedagogia da cinta” do jornalista Luiz Carlos Prates, parece que Tia Margô dá uma prévia da política que Trump quer seguir na educação: a pedagogia do rifle. Não é mágico? “Uma arma para cada aluno”, na linguagem do marketing tucano paulista. O interessante é que, analisando o “debate” partidário atual no Brasil, a nova pedagogia podia ter duas interpretações:
1) “Mortadela” “petralha” Lula: Tem que pegar em armas contra a burguesia mesmo. Já tínhamos que ter nos oposto ao golpe de 2016 com a força das armas. Reformismo e esquerdismo soft não dá, tem que ter tiro, porrada e bomba pra fazer a revolução!
2) “Coxinha” “reaça” Bolsonaro: Agora sabemos que o PT se inspira nos países comunistas pra aparelhar as escolas e fazer as crianças defender esse sistema. Eles querem transformar o ensino numa fonte de baderna e num diretório partidário. Os socialistas defendem a violência, mesmo por crianças, em todos os âmbitos!
Da “pedagogia do rifle” à “pedagogia da picaretagem”, a presente chanceler alemã Angela Merkel, em rara entrevista, participou de uma conversa com Günter Gaus em 1991, na gravação, talvez, de algum documentário sobre a recém-extinta RDA. Ela diz que a maioria dos jovens que participavam da FDJ (a juventude comunista oficial) nem ligava pra ideologia. Quase não se fala nada neste trecho, mas ele é revelador por causa da sinceridade e do estágio físico em que estava uma pessoa hoje célebre no mundo inteiro. Merkel, hoje filiada à democracia cristã, nasceu e cresceu na antiga Alemanha comunista e diz que sempre ia mal nas aulas de marxismo-leninismo, mas não nas de língua russa, a qual domina até hoje.
A transcrição e mais algumas informações sobre a fala de Honecker estão nesta página, e entre colchetes está um trecho do mesmo parágrafo que não aparece no vídeo. Na busca, achei por acaso um equivalente ao TCC defendido em alemão na Suíça, sobre a educação profissional e patriótica na RDA. Do vídeo com Merkel eu apenas eliminei um trecho e reenquadrei, e uma transcrição em alemão pode ser lida nesta postagem do Facebook. Eu mesmo traduzi os textos diretamente do alemão e legendei, seguindo abaixo as legendagens, as falas originais e as traduções mais ou menos literais em português:
[Noch ist nicht Zeit, die Hände in den Schoß zu legen,] unsere Zeit ist eine kämpferische Zeit, sie braucht eine Jugend, die kämpfen kann, die den Sozialismus stärken hilft, die für ihn eintritt, die ihn verteidigt mit Wort und Tat und, wenn nötig, mit der Waffe in der Hand.
[Ainda não é hora de cruzar os braços.] Nós estamos num tempo de combate, ele demanda uma juventude que saiba lutar, que ajude a reforçar o socialismo, que o conserve, que o defenda em atos, palavras e, se preciso, de armas nas mãos.
Ich war gern in der FDJ, muss ich sagen, aus einer Unterbetätigung in der FDJ, dass man nämlich in Seminargruppen, unter jungen Leuten im Institut, auch Dinge unternommen hat, die mit dem System und seiner Ideologie eigentlich wenig zu tun hatten. Das will ich zugeben. Aber ansonsten war’s auch 70% Opportunismus, natürlich.
Posso dizer que gostava da FDJ, que tendo atuado pouco na FDJ, também se faziam coisas, sobretudo nas monitorias, entre os jovens da faculdade, que quase nada tinham a ver com o sistema e sua ideologia. Quero admitir isso. Mas por outro lado, havia também obviamente 70% de oportunismo.