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sexta-feira, 18 de julho de 2025

Prestes e o negro brasileiro (1934)


Endereço curto: fishuk.cc/prestes-negro

Direto dos arquivos de meu backup, hoje temos a seleção de algumas falas de Luiz Carlos Prestes, líder revolucionário e longevo secretário do Partido Comunista do Brasil (PCB, “Brasileiro” a partir de 1961), na chamada 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central, reunida em Moscou em outubro de 1934. O evento permaneceu obscuro por muitas décadas, porque mesmo seus participantes jamais deram mais detalhes posteriormente, mas isso porque foi meio improvisado, aproveitando que as delegações já estavam lá mesmo após o 7.º Congresso da Comintern ter sido adiado pra meados de 1935. Contudo, as atas de suas reuniões foram mantidas nos arquivos soviéticos e há alguns anos têm sido consultadas por historiadores, inclusive de forma online. Em minhas teses de doutorado e mestrado, que podem ser consultadas aqui, abordei a influência dessas reuniões na atuação posterior do PCB e concluí que seu papel na eclosão das insurreições militares de novembro de 1935 foi muito superestimado.

Por terem sido retranscritas e traduzidas, as atas podem não representar fielmente o que Prestes disse verbalmente nas reuniões, mas vou tomar o conteúdo como alinhado aos pensamentos e práticas da época. No início de 2021, a pedido de um pesquisador baiano que estudava o tratamento da então chamada “questão negra” pelo PCB no período da Comintern, traduzi alguns documentos ou trechos de atas de reuniões sobre o assunto, até porque também a onipresença da língua russa dificulta a navegação no próprio portal dos arquivos. Acabei fazendo apenas parte do que poderia e perdi o contato com o historiador, mas gostei de ter encontrado estes trechos, pois revelam um fato muito especial: embora Prestes estivesse fora do Brasil há anos, tendo perdido contato, portanto, com nossa realidade, ele diverge da direção partidária ao não ver a necessidade de engajar negros e indígenas numa luta “nacional” ou “separatista”, como ocorria em outros países.

Por volta de 1934, a Comintern já tinha feito uma “limpa” na maioria das direções partidárias, que tinham se tornado completamente “stalinizadas” e, por isso, apenas reproduziam diretivas “de cima” e não sabiam como as aplicar em realidades totalmente distintas. Antônio Maciel Bonfim, o “Miranda”, por exemplo, era secretário-geral do PCB desde julho e foi acusado de inventar completamente que havia uma “situação revolucionária” no Brasil ao falar na 3.ª Conferência, gerando indignação mesmo entre os colegas delegados. Prestes, que carregava o prestígio popular da “Coluna Invicta” de 1924-27, estava na URSS desde 1931 trabalhando como engenheiro, mas sendo “lapidado” como uma nova liderança e ainda fora do PCB, tendo “Miranda” resistido ao máximo a sua entrada, finalmente efetuada por ordem de Moscou. “Miranda” deixaria o PCB em fins daquela década, enquanto o Estado Novo desmantelava o partido, e Prestes, preso em 1936, só chegaria à liderança em 1943.

É curioso como Prestes, ao contrário inclusive de outras correntes progressistas no Brasil, não só tenta trazer os negros pra frente de luta, como também ressalta o caráter racial de suas exigências, pois do ponto de vista “nacional” eles já teriam sido “desmantelados” durante a deportação da África e, depois, enquanto escravos e misturados entre origens diversas. Eu coloquei as notas entre colchetes como explicações, correções ou observações, assim como as três notas de rodapé, nada disso tendo sido alterado. Como não tive tempo de fazer novas revisões, me responsabilizo por eventuais erros ou imprecisões. Qualquer observação é bem-vinda, bastando escolher um dos canais de comunicação que apresento no menu à direita da página.



Trecho isolado de informe (fundo 495, dossiê 79, pasta 213, folha 225), codinome Fernandes

Até agora nossa luta tem se voltado principalmente para a formação [ideológica], para a tarefa de separarmos o proletariado da burguesia, mas hoje, quando, com mais força em alguns países e mais fracamente em outros, existe um Partido Comunista, existe um proletariado com ideologia própria, que está realmente apto a defender seus interesses – agora é indispensável saber manobrar, saber atrair para si também as vastas massas da pequena burguesia da cidade e do campo. Esse é o único meio de atraí-las à luta, o único meio aqui é desmascarar na luta a devoção desses elementos ao imperialismo, desmascarar os elementos reacionários da burguesia e sua [da pequena burguesia] estreita ligação com a burguesia. É um ponto importante analisarmos a questão do caráter da revolução em nossos países.

Não considero ser indispensável insistir que é totalmente compreensível que o campesinato é um aliado nosso, mas nessa questão não deve haver quaisquer limitações. Devemos ter aqui clareza absoluta. Não sabemos o que é um kulak, o que é um camponês rico. É verdade que o camponês rico será amanhã contra a revolução, mas se ele estiver apto a seguir do nosso lado, mesmo que por um dia ou uma hora, devemos nos valer dele.

Por outro lado, há a questão das nacionalidades oprimidas, da gente de cor, dos negros. Eles constituem uma camada bastante ampla da população. Os contornos do movimento são muito mais vastos do que frequentemente supomos, mas levamos em pouca consideração as diferenças de classe entre os caciques [pontos indicando um termo a completar]. As massas indígenas estão fundidas com os caciques. É necessário ter uma noção totalmente clara da profunda diferenciação aí. Devemos buscar aí o fundamento das classes dentro da tribo para mobilizarmos essas camadas contra o imperialismo.


Informe completo de Fernandes (codinome), fundo 495, dossiê 79, pasta 214, folhas 55-63

Camaradas, a delegação brasileira me incumbiu basicamente de colocar a questão do problema negro. Também quero aqui na conferência mostrar como entendemos no Brasil a questão do separatismo, que tem para nós um grande significado. Antes de passar à questão negra, não posso deixar de dizer algumas palavras a respeito do informe de ontem de Montero, (1) sobretudo com relação ao que disse sobre a tribo. Penso que nós no Brasil estamos totalmente de acordo com a linha revolucionária que o camarada Montero defendeu na questão nacional no Peru com relação aos índios. Não há dúvida de que no Peru temos a questão indígena como central e decisiva para elucidar quem é revolucionário e quem não é revolucionário. A questão dos indígenas no Peru está repartida entre, de um lado, quem luta pela libertação dos índios e, de outro, quem é contra a libertação dos índios, ajuda o imperialismo e ajuda na opressão nacional dos índios. A questão indígena no Peru é tão importante para o Partido, tão importante para o movimento revolucionário quanto a questão dos cangaceiros no Brasil. Esta é uma das questões decisivas, como disse o camarada Montero. Qual partido no Brasil está apto a defender os cangaceiros? Somente o Partido Comunista. A colocação aberta da questão da libertação nacional dos índios no Peru tem um significado decisivo. Devemos nos lembrar fortemente que o desenvolvimento econômico das massas indígenas no Peru ainda é muito insignificante, que dentro da tribo a diferenciação ainda não é significativa, que nós, se quisermos realmente lutar junto com as massas indígenas, devemos lutar junto com todos os índios, com toda a tribo. Nós não fechamos uma união revolucionária somente com o campesinato pobre, não faremos a revolução sem atrair conosco toda a tribo. Essa é uma posição absolutamente correta do camarada Montero nessa questão, o qual demonstrou sua linha revolucionária. Com todas as forças ele destacou a questão da luta junto a toda a tribo. Não há por que temer que a tribo venha até nós como organização colaboradora. O que é essencial aqui? É essencial que nós, lutando pela tribo, dirijamos a luta das tribos pela libertação nacional. Essa é uma enorme vantagem. Devemos atrair também a eles, impelir os camponeses pobres, médios e ricos à revolução. E não há por que alimentarmos ilusões quanto a isso. Devemos ter um partido pronto para unir blocos para a luta pela revolução, junto com as tribos, com [ilegível]. Para isso é necessário que haja um Partido Comunista, que haja um partido da classe operária. E quanto a isso quero dizer aqui algumas palavras contra o informe do camarada Montero.

O camarada Guralski, (2) com toda a acuidade e com toda sua vontade revolucionária, colocou e defendeu aqui a linha que estou defendendo agora. Não falarei aqui sobre formulações. Sem dúvida, a revolução é a revolução. E veremos a ação dos revolucionários na própria revolução. Mas ainda não passamos à ação. Infelizmente, ainda nos encontramos no período das formulações. E o que é que vemos no informe do camarada Montero? Por que a maioria dos camaradas reagiu assim à maioria das perguntas? Porque no informe do camarada Montero, apesar de seu caráter revolucionário, algumas coisas atravessam uma linha vermelha, ou melhor, não uma linha vermelha, mas um fio preto. Em que consiste essa linha preta de seu informe? Consiste em que o camarada Montero, ao examinar o Partido Comunista do Peru, alimenta enormes ilusões, grandes ilusões no tocante aos índios. Montero disse aqui que não há ilusões. Mas lá o tempo todo, no informe inteiro, era visível que essas ilusões existem. O camarada Guralski disse que essas ilusões existem porque não há índios no governo peruano. É justamente porque não há índios que há ilusões. Os índios das tribos não têm ilusões quanto às tribos. Penso que isso não é argumento, penso que existem ilusões. Quero trazer dois fatos. O camarada Chato da Colômbia discursou aqui e disse que a reação, que a mais rude exploração feudal atrapalha o desenvolvimento da tribo. O camarada Montero diz algo totalmente contrário. Que a reação, o feudalismo etc. tentam liquidar a tribo.

Essa é a deficiência da democracia. A opressão das forças internas nas tribos é que exatamente encontramos. As forças internas nas tribos visam ao desenvolvimento econômico. Aumentam as contradições? Por que não aumentam? É exatamente graças a essa opressão feudal.

Como a tribo resiste? A tribo é um foco de luta contra a opressão. É exatamente assim com a nacionalidade negra que luta contra a opressão. Mas a opressão existe. O que teremos no período da revolução? Defenderemos toda a legislação tribal? Isso seria uma utopia, uma utopia reacionária pequeno-burguesa. Esse é um erro muito grosseiro e um enorme perigo para o Partido peruano. O Partido peruano deve realizar uma virada em toda a sua linha revolucionária, deve conduzir uma luta contra toda ilusão pequeno-burguesa. É um erro enorme, porque o Partido peruano se encontra diante de fortíssimos combates revolucionários. Se nosso Partido peruano, sendo o partido da classe operária, não colocar a questão da revolução indígena como um partido do proletariado com uma linha marxista-leninista, ele entregará a revolução nas mãos da reação. Penso que com isso podemos concluir a questão e passar para a próxima.

Camaradas, passo agora à questão negra no Brasil. Infelizmente, como já mostrou o camarada Silva, (3) nós não podemos dar nada de prático com relação à colocação da questão negra no Brasil. Somente na última conferência no mês de julho nosso Partido adotou uma posição decisiva quanto à colocação da questão nacional, somente então ele entendeu o problema nacional. Até então, oscilávamos entre extremos, antes declarávamos que não havia nenhuma questão nacional no Brasil. Que não havia negros no Brasil, todos eram iguais. Por isso caímos no outro extremo, vendo em cada negro um problema nacional. Colocamos a questão da autodeterminação etc. para cada negro. O que o camarada Montero disse sobre Cuba, em minha opinião, relaciona-se exatamente com o Brasil. Avançamos a palavra de ordem da autodeterminação como uma palavra de ordem de ação direta. Colocar a palavra de ordem da autodeterminação como uma exigência parcial, exigir a independência como uma exigência parcial significa isolar os negros.

Como o Partido brasileiro coloca a questão no presente? A conferência partidária nacional discutiu essa questão e eu quero aqui esclarecer as posições do Partido. O significado da questão negra no Brasil é incomumente grande. Negá-la seria errôneo. Podemos dizer que uma porcentagem muito grande, não dando números precisos, em nosso país é de negros. No estado da Bahia, nos arredores da capital, há um território em que 60% da população são negros. A questão negra não é uma questão nacional somente do Brasil. O camarada Montero mostrou a diferença entre questão nacional e opressão racial. Eu concordo que existe realmente opressão racial. As massas negras sentem o que é a opressão racial, porque elas sabem que alguém negro é obrigado a fazer os piores trabalhos. Em uma palavra, todas as desigualdades para os negros são uma afronta para os negros. De onde saiu isso? De onde veio essa opressão racial? Sobre os negros pesam três séculos de escravidão. Antes eles eram trazidos da África ao Brasil. Ao chegarem no país, eram divididos, separados dos filhos, mandados uns ao Rio de Janeiro, outros à Bahia, e se transformavam em escravos. Esses grupos nacionais eram divididos. E os senhores feudais [sic] repartiam os negros desta forma: os negros do [Congo?] para tal trabalho, os negros de outro país para outro trabalho. Ocorria o deslocamento dos negros de diversas nacionalidades, de diferentes crenças religiosas. O objetivo era indispor um negro contra o outro. Com isso, todavia, as rebeliões não foram evitadas. Temos rebeliões no período da luta pela independência. Uma enorme rebelião negra, liderada por negros. Tivemos toda uma série de rebeliões. Deve-se dizer que os senhores de escravos tiveram muito sucesso. Eles dividiram as nacionalidades, separaram os negros. Se chegarmos agora ao estado da Bahia, onde se encontra uma maioria de negros, o que veremos? Podemos dizer que são negros do [Congo?] ou de outro país? Não. Eles dizem que são [ilegível]. Se colocarmos a questão da autodeterminação culminando na separação, eles [sem conexão lógica aparente] a questão negra no Brasil tal como a colocamos. Falamos que os negros no Brasil são oprimidos, são considerados a raça mais inferior. As nacionalidades estão divididas, destruídas, quebradas em pedaços. Somente a luta revolucionária contra o imperialismo, contra o feudalismo permitirá que essas nacionalidades evoluam. Elas só evoluirão no processo de luta contra o feudalismo, o imperialismo, no processo da revolução democrático-burguesa. Nesse processo surgirão enormes nacionalidades, sobre as quais sequer sabemos agora. O exemplo da URSS para nós é muito nítido. Dessa forma, nossa palavra de ordem programática deve ser: nós comunistas, como os maiores e mais fortes democratas do mundo, somos contra todo tipo de opressão, contra a opressão racial, contra a opressão nacional. Somos pela autodeterminação de todas as nacionalidades oprimidas culminando na separação. Mas essa é uma palavra de ordem programática, é nosso programa, é nosso princípio. Há uma enorme diferença entre nossas palavras de ordem programáticas e o modo como nos comunicamos com as massas.

E como é que nos comunicamos com as massas oprimidas? Colocando em cada manifesto, em cada panfleto a questão da autodeterminação dos negros de forma abstrata, não obteremos nada. Precisamos colocar diante dos negros, basicamente, a questão da igualdade de direitos. Nós, comunistas, somos contra toda e qualquer forma de opressão racial das massas. As massas nos entenderão melhor se lhes declararmos que somos contra o jugo racial do que se falarmos apenas de jugo nacional. Isso é que devemos falar às massas, e então as massas nos entenderão. Devemos começar pelas menores exigências econômicas contra toda opressão feudal. Desta forma realmente mobilizaremos as massas.

Quero aqui tocar na palavra de ordem que o Partido brasileiro ainda não colocou. Precisamos colocar esta palavra de ordem. Depois que o camarada Bueno trouxe a rica experiência do trabalho das massas negras no Brasil, precisamos enfatizar particularmente esta palavra de ordem. Um dos traços nacionais mais característicos das massas negras no Brasil consiste na religião e suas festas populares. O fetichismo religioso se funde com a medicina popular, com a bruxaria das festas religiosas. Não devemos apoiar as ilusões religiosas nas massas. Devemos lutar pela elevação do nível cultural das massas negras. Mas devemos começar a elevar o nível cultural antes da revolução. Começando a luta com as ilusões, não devemos esquecer que agora precisamos levar à luta as vastas massas com todas essas ilusões que existem nelas. A imprensa burguesa em [ilegível] anuncia que os índios se insurgem quando seus pajés são capturados. Os jornalistas burgueses se insurgem contra o fato de que na própria capital do Brasil encontramos pajés. Camaradas, estamos conquistando as massas negras que vivem nos confins miseráveis do Rio de Janeiro, defendendo seus direitos contra todo jugo. Em 1897 o camarada Lenin disse: “Somos contra toda opressão, contra a opressão religiosa, contra a opressão sectária. Somos os maiores democratas. Não podemos admitir essa opressão.” Através dessa luta, através dessa corajosa luta cotidiana pelos direitos dos negros, contra toda discriminação devemos dar a entender às massas o que significa a autodeterminação.

Nós temos agora no Brasil determinados bolsões onde existem grandes massas camponesas. Concretamente para cada localidade, para cada liga, para cada zona, devemos colocar a palavra de ordem da autodeterminação culminando na separação, por exemplo, o Recôncavo Baiano.

Entre os estados onde se concentra a população negra temos o estado de Minas Gerais. É um estado de concentração da população negra. Penso que se colocarmos a questão dessa forma, nos ligaremos com as massas negras, com as amplas massas dos negros na revolução contra o imperialismo, contra o capitalismo.

Nessa questão existem problemas muito importantes. Os negros no Brasil, sobretudo nos últimos anos, têm organizações políticas. A frente negra em São Paulo agora se encontra em processo de decomposição, mas ainda é muito forte. Temos organizações negras sob diferentes denominações. Temos em São Paulo uma organização de pessoas de cor negra, de negros.

Qual deve ser nossa tática com relação a essas organizações? Nessas organizações existem elementos corruptos, vendidos, elementos do imperialismo que tentam desviar as massas de seu caminho de luta.

Vamos nos relacionar de forma sectária com a frente negra? Somente na luta pelas reivindicações dos índios, por suas reivindicações específicas, poderemos desmascarar os líderes da frente negra. Somente chamando para a frente única, somente tendo formado a frente única com essas organizações saberemos desmascarar seus líderes. Isso tem a ver com todas as organizações negras, subentende-se, considerando todas as condições, particularidades de cada momento dado, de cada localidade etc. Mais adiante devemos ter clareza quanto à necessidade de atrair as amplas massas negras à revolução. Sem isso não poderemos lutar pela revolução.

Algumas palavras sobre o separatismo. É uma questão muito importante para o Brasil. Os camaradas brasileiros pedem que a conferência, no decorrer da discussão, examine essa questão. O Brasil é um país mais ligado ao mundo exterior do que com suas diversas partes, internamente. A ausência de vias de ligação, a exploração econômica que busca construir a monocultura também em outros países que estão absolutamente isolados desse país: esse é o movimento separatista. Aqui os imperialistas empregam a luta de São Paulo em 1932 contra Vargas. O imperialismo inglês emprega-a sob a bandeira da luta pelo separatismo.

Podemos dizer que aqui não há nenhum traço nacional característico? O sentimento de separatismo existe e é empregado em outros lugares. Isso tem distinções. Além das distinções econômicas, lá existem alguns traços nacionais, em particular no Nordeste. Lá existem nacionalidades oprimidas. Lá existe uma tendência mais séria ao separatismo, mas lá a questão se põe de modo totalmente diferente. Deve-se ter absoluta clareza nessa questão, coisa que não temos.

O separatismo não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Pensamos que em outros países da América do Sul e do Caribe existem os mesmos problemas. Eu não estava aqui quando o camarada mexicano discursou. Penso que lá o separatismo tem um fundamento nacional. Lá existem nacionalidades oprimidas, na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela existe a província de Zulia, onde se aspira à formação de uma república separada. Isso constitui um fenômeno claramente separatista? Não. Lá existem traços nacionais empregados pelos imperialistas.

Estou colocando essa questão. Tudo leva a crer que em seu discurso de encerramento, Montero tratará disso.


Notas (Clique pra voltar ao texto)

(1) Eudocio Ravines, comunista peruano. Autor de La gran estafa (trad. inglesa The Yenan Way), por muito tempo uma das únicas fontes memorialísticas sobre a 3.ª Conferência. Segundo a historiadora Anita Leocádia Prestes, filha de Luiz Carlos e Olga Benario, o livro é malicioso e está “eivado de mentiras”.

(2) August Guralski, nascido Abram Kheifets (ou Jeifets), de família judaica da Letônia, participou em missões na América do Sul, trabalhou no Secretariado Sul-Americano (Buenos Aires), no Secretariado Latino-Americano da Comintern (Moscou) e, auxiliando em assuntos latino-americanos, no Comitê Executivo da Comintern.

(3) Provavelmente Lauro Reginaldo da Rocha, o “Bangu”, secretário-geral do PCB nos períodos anterior e posterior a “Miranda”.



terça-feira, 6 de junho de 2023

Rússia destrói barragem e afoga povo


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/kakhovka

Na madrugada de 6 de junho de 2023, a barragem da Usina Hidrelétrica de Nova Kakhovka, cidade ucraniana na beira do rio Dnipró, foi destruída por explosões que imediatamente causaram inundações mortíferas, espalharam substâncias tóxicas nocivas ao meio-ambiente regional e ameaçaram o sistema de resfriamento da já prejudicada Usina Nuclear de Zaporizhia. Construída na época soviética, a barragem terá de ser toda refeita, não tem como ser apenas consertada, e seu rompimento já era algo temido pelos analistas militares. Numa semana em que a contraofensiva da Ucrânia tem ganhado mais visibilidade, o Kremlin tratou imediatamente de culpar Kyiv por um “bombardeio” intencional, mas ao que parece, a estrutura explodiu de dentro, isto é, entre as análises mais aventadas estão a ativação de bombas que já teriam sido colocadas pelos invasores (já que a região está sob controle russo) ou o possível colapso de alguma operação de reparo, conserto ou mudança que deu errado, muito errado.

Seja como for, Zelensky e o Ocidente tratam o fato como mais um “atentado terrorista de Putin”, mas observando melhor, a tragédia corre o risco muito mais de arruinar de vez a ocupação russa (soldados já teriam morrido, a população da região teve de ser evacuada e, o principal, a Crimeia vai ficar sem abastecimento de água limpa) do que atrasar a contraofensiva ucraniana, mesmo que não esteja claro se o Kremlin teve essa intenção. É mais um dos reflexos da bagunça que virou o front russo, com tropas abandonadas, comandantes incompetentes e relapsos, falta de equipamentos e briga entre exército oficial e milícias criminosas. Penso pessoalmente que Putin, ou quem quer que esteja controlando, já perdeu as esperanças de manter o controle das regiões ocupadas (o qual, de fato, nunca se consolidou), e que, talvez preparando uma retirada, vai pelo menos deixar tudo em ruínas. Não deixa de ser um crime, em todo caso, que futuramente vai cair na conta do ditador da Rússia.

Esta declaração do Ministério das Relações Exteriores ucraniano sobre o incidente foi traduzida por Vitório Sorotiuk, de quem já publiquei vários artigos aqui, e ressalta o lado terrorista do que pode ter sido uma explosão provocada pelos russos. Infelizmente, tá difícil receber boas notícias sobre essa invasão criminosa, e agradeço ao amigo Claudio pelo envio dos textos. Apenas adicionei algumas notas e fiz algumas mudanças redacionais pra adequar ao estilo da página.



Rússia realiza ato terrorista contra o povo ucraniano

Declaração do Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia sobre o ato terrorista da Rússia na Usina Hidroelétrica de Kakhovka

Na noite de 6 de junho, a Federação Russa explodiu a barragem da Usina Hidroelétrica de Kakhovka, localizada perto da cidade de Nova Kakhovka, no território temporariamente ocupado da região de Kherson.

Dezenas de assentamentos em ambos os lados do Dnipró correm risco de inundação.

Unidades da Polícia Nacional e do Serviço de Emergência do Estado da região de Kherson estão tomando medidas urgentes para evacuar a população civil de possíveis zonas de inundação. Moradores da margem esquerda [em relação ao curso do rio rumo ao mar] temporariamente ocupada da região de Kherson estão sendo alertados.

Consideramos a detonação da Usina Hidrelétrica de Kakhovka pela Federação Russa como um ato terrorista contra a infraestrutura crítica ucraniana, que visa causar o maior número possível de vítimas e destruição. O ataque terrorista à Usina Hidroelétrica de Kakhovka foi anteriormente discutido ativamente no nível das forças de ocupação na região de Kherson e propagandistas na televisão russa, o que indica que foi planejado com antecedência.

O enfraquecimento da barragem Usina Hidrelétrica de Kakhovka é um terrorismo ecológico causado pelo homem, o maior desastre causado pelo homem na Europa nas últimas décadas, outra manifestação do genocídio da Rússia contra os ucranianos. Esta é a resposta do Kremlin aos países que pedem negociações de paz com a Federação Russa.

Devido à diminuição do nível da água no reservatório de Kakhov, pode haver o perigo de um incidente em outro objeto crítico de infraestrutura ocupado pela Rússia – a Usina Nuclear de Zaporizhia.

Apelamos à comunidade internacional para condenar veementemente o ataque terrorista russo à Usina Hidrelétrica de Kakhovka.

O crime cometido pelo homem na Federação Russa confirma a alta relevância da Fórmula da Paz do Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. Apelamos aos parceiros internacionais para que se associem à sua implementação o mais rapidamente possível, em particular nos pontos de combate ao ecocídio, segurança nuclear e energética.

A Rússia terá que compensar todas as consequências de seu crime: tanto para as pessoas quanto para a infraestrutura e o meio ambiente.

Apelamos também aos países do Grupo dos Sete [G7] e à UE para que considerem urgentemente a imposição de novas sanções de longo alcance à Federação Russa, em particular à indústria russa de mísseis e à indústria nuclear.

De acordo com os resultados da reunião do Conselho de Segurança Nacional e Defesa da Ucrânia na manhã de 6 de junho, a lista de ações do MRE da Ucrânia, propostas pelo Ministro das Relações Exteriores, sr. Dmytró Kuleba, no contexto da resposta, incluirá, em particular, a convocação de uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU pela Ucrânia e trazer a questão do ataque terrorista russo para a reunião do Conselho de Governadores da AIEA, bem como acionar o Mecanismo de Defesa Civil da União Europeia.



terça-feira, 24 de setembro de 2019

Fishuk pós-moderno: fichamento 2008


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/benatti



Quando cursei a disciplina Teoria da História III na graduação da Unicamp, no primeiro semestre de 2008, a Prof.ª Dr.ª Margareth Rago nos introduziu aos autores chamados genericamente “pós-modernos” ou “pós-estruturalistas”. Entre as décadas de 1960 e 1980, eles fizeram basicamente uma crítica da razão ocidental e do conceito consagrado sobre ciência que ela sustentava, trazendo novamente à tona os problemas da verdade, da narrativa e das convenções sociais. Esse panteão foi muito atacado pelos historiadores e marxistas tradicionais, pois estariam relativizando toda concepção previamente adotada sobre o fazer científico e aproximando a redação acadêmica da fluida literatura comum. Mesmo assim, gostei muito dos debates desafiadores promovidos em aula e de fazer o fichamento abaixo, datado daquele 27 de março, sobre um dos textos da coletânea que vou citar e da qual a leitura foi muito agradável. O texto não alterado tem apenas algumas atualizações na redação:


BENATTI, Antonio Paulo. História, Ciência, Escritura e Política. In: RAGO, Margareth; GIMENES, Renato Aloizio de Oliveira. Narrar o passado, repensar a história. Campinas: Unicamp, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2000, p. 63-103. (Coleção Idéias, 2.)

1. Ao analisar as teses e dissertações acadêmicas e livros com orientação científica, nota-se a “feiura” das ciências humanas advinda da oposição acadêmica à escrita literária, o que gera exclusões injustas. Na distinção de Barthes entre escritores (linguagem como meio e fim e como palco e alvo de perguntas) e escreventes (linguagem como instrumento e meio de fornecer respostas), os historiadores seriam escreventes, o que é fruto de uma “cultura cientificista” que culminou no século 19, na busca de dar estatuto científico à história. Com a crise dos modelos que sustentavam essa ideia, retornaram questões como o estatuto do discurso histórico, a neutralidade, a natureza do documento e o “retorno da narrativa” na escrita de uma história sem “dogmáticas cientificistas”. Mas como sua “cientificização” afastou-lhe a narrativa? (pp. 63-66).

2. A oposição entre “fábula” e “história” começou com Heródoto e passou por Aristóteles, marcando o “ideal de conhecimento da historiografia ocidental”. Ela continuou com Voltaire, que tentou racionalizar a escrita da história, que por dever narrar o verdadeiro, exige o uso de documentos e arquivos e o afastamento dos elementos da fábula, e inovou com a “ideia de cientificidade para a história”, a ser construída com o mesmo “método universal da razão” usado na natureza. Assim, a “vontade de verdade” iluminista agravou o afastamento da narrativa, mas talvez essa pretensão científica já se encontrava no Renascimento (pp. 66-68).

O Ensaio sobre os Costumes (Voltaire, 1756) reflete a ideia da racionalidade como caminho ao conhecimento e a história como o percurso em direção a ela, não se recusando de imediato a narrativa, mas iniciando-se a separação entre o verdadeiro e o belo, que originou a “consciência histórica moderna”. No século 18, mudam as concepções de “arte”, produtora de efeitos estéticos na qual é posta a literatura, e de “ciências”, baseadas no “exame crítico da documentação” ou na “busca de ‘leis’ do mundo humano” e nas quais é encaixada a história. Recusada a fábula, a narrativa é afastada da historiografia dos séculos 19 e 20 e separam-se o texto histórico e o chamado hoje de “literário” (pp. 68-70).

3. Ranke apaixonou-se pela “beleza” dos fatos sem “invenção e fabulação”, pensando, como outros historiadores do século 19, que a subjetividade tirava a qualidade do relato fadado a ser concorde aos “fatos”, o que passava uma ilusória “relação imediata com o passado”. O historicismo alemão impôs o rigor dos métodos científicos de uma história livre do imaginário e sua extensão às “ciências auxiliares”, o que levou vários discípulos a desprezar a boa escrita e, no caso dos norte-americanos, sofrer críticas de Webb, para quem eles postulavam uma verdade “feita tão feia que ninguém duvide de sua virgindade”. O romantismo do começo do século 19, mesmo longe do racionalismo, contribuiu à crítica histórica que cientificizava a disciplina, o que prova uma continuidade entre os séculos 18 e 19 (pp. 70-73).

4. A Introdução aos Estudos Históricos (1898), de Langlois e Seignobos, modelo que influenciou várias gerações de historiadores, ataca, em prol da “exposição científica” dos fatos, a “bela escrita” e, como retrocessos, o subjetivismo de Michelet e o “renascimento literário” romântico. A história, em meados do século 19, teria passado de gênero literário a ciência, exigindo dos historiadores não visar ser lidos nem “reviver o passado”, mas aumentar o “patrimônio científico da humanidade”. Assim, baseados em uma crítica documental científica, em provas e longe da literatura, os historiadores deveriam descrever os fatos em ordem cronológica tal como aconteceram, por uma linguagem livre de paixão e imaginação para não se afrouxar o rigor científico, visando a “neutralidade” e a “objetividade” (pp. 73-76).

5. No século 20, os historiadores marxistas e os ligados à Escola dos Annales criticaram a “ingenuidade epistemológica da história factual”, mas ainda rejeitavam a escrita literária. Os segundos, por muito tempo, viram a história como uma “semiciência” que deveria rejeitar a “rotina erudita” e o “empirismo”, posição que incentivou uma renovação guiada pela recusa do “dogmatismo científico” e traduzida especialmente no aperfeiçoamento da pesquisa, na nova visão sobre o documento e na interdisciplinaridade. Eles opõem, à “história-narrativa”, a “história-problema”, mais próxima da ciência, sendo aquela ruim pela proximidade com o jornalismo e pela ênfase no “tempo curto”, na “ação de seres excepcionais” e nos fatos “sem humanidade”. A história dos Annales na longa ou longuíssima duração, voltada a “processos anônimos e coletivos” e “mais quantitativa, serial e largamente matematizada”, eclipsou o acontecimento e recusou a ação “meramente descritiva e literária” (pp. 76-79).

Os marxistas criticaram a história narrativa por ligar-se às concepções históricas das classes dominantes e não dar conta das “leis dos processos dialéticos da história” nem da complexidade da luta de classes que a move. A história marxista, a única “científica”, deveria buscar o porquê visando à transformação da realidade ao transpor os limites universitários e escolares. Mas essa historiografia fez-se muito acadêmica e hermética, sendo sectária ao tentar atingir as pessoas comuns (pp. 79-81).

No século 19, para uma história científica, elaboraram-se métodos de crítica, modelos, teorias e leis, e excluiu-se a literatura até a década de 1980 devido a uma “ordem do discurso” excludente. A “inspeção rigorosa das fontes”, a “crítica dos documentos” e a interdisciplinaridade teriam abrigado das fábulas e da literatura a história da modernidade. Mas deixar em segundo plano a “estrutura narrativa” e aplicar métodos científicos semelhantes aos das ciências naturais não afastou a história da ficção, pois mesmo sem se pensar na forma, é impossível nunca se preocupar com ela (pp. 81-82).

6. Notou-se o retorno da narrativa (não linear e factual, mas ligada ao conteúdo e ao método) na história, devido ao ocaso dos grandes modelos explicativos, o aumento do público leitor e a recusa da pura quantificação de dados, mas, aceso o debate entre prós e contras, pode-se dizer que não foi um simples “retorno”, mas um reconhecimento, pois, com a “crise da ideia de ciência”, viu-se que todo saber produz sentido e tem caráter retórico. A modernidade não reconheceu o retórico na argumentação científica, depois descoberto como “presença generalizada de relações de poder em todos os tipos de interações” (pp. 82-84).

A narração escrita é inerente à história e foi camuflada para lhe dar caráter científico, mas o sujeito neutro e objetivo é uma produção histórica, portanto a idéia de história como ciência também o é. Deixou as melhores obras quem escapou da dicotomia “forma versus conteúdo”, que trouxe prejuízos à historiografia, provando que os dois são inseparáveis e insubordináveis entre si. Hoje, a historiografia soma retórica e estilo aos procedimentos científicos e não se preocupa com o subjetivismo (pp. 84-86).

7. Na discussão acadêmica sobre o conteúdo e a forma, o “caráter narrativo, retórico e poiético de todo o discurso”, constaram-se a crise epistemológica, o retorno da literatura e o fim do apego ao objetivismo na história, após um século de cientificismo. Mas a crítica à história-ciência é bem anterior, pois Anatole France qualificou o fato histórico como escolhido pelo historiador, o que exige sua imaginação, sendo a história uma arte ou, para Saramago, uma farsa, pois montada por “leitura baseada na bagagem social e individual” e predominantemente masculina, tendo sido diferente se escrita pelas mulheres e excluídos (pp. 86-89).

A crítica pós-moderna da verdade histórica e da racionalidade ocidental denunciou a história como eurocêntrica, “masculina, branca, adulta e heterossexual” e extintora das diferenças, não se negando que o passado existiu, mas que se pode ter dele um conhecimento exato. Valorizar a ciência sobre a arte como forma de conhecimento é algo cultural e histórico que “não é alheio às relações de poder intra e entre sociedades”. Buscar a objetividade histórica liga-se à literatura realista do século 19, unida à teoria de que o texto reflete a realidade, quando, na verdade, ele mesmo é produtor de significado, e hoje a diferença entre “real” e “imaginário” na história é problemática, pois nada garante que os documentos sejam “elementos pré-textuais, empíricos”. Os “pré-conceitos” do historiador intervêm no documento, que é um “vestígio textualizado do passado” e não, como a linguagem, “a matéria bruta do discurso histórico” (pp. 89-91).

8. Em especial marxistas acusaram de modismo, “irracionalismo” e mantenedora da ordem capitalista a desconstrução dos temas tradicionais feita pela nova historiografia, cujos adeptos se distanciariam do compromisso social e da “totalidade da Grande História”, submissos ao mercado editorial e à mídia. Essa reação autoritária e excludente refere-se à lógica binária da divisão entre marxistas e não-marxistas, esquecendo que se preocupar com a forma é repensar o que são poder e política e politizar a linguagem e a forma que ela assume no discurso acadêmico (pp. 92-93).

Os pós-modernos abalaram a “crença ingênua na ciência”, as “metanarrativas emancipatórias” e a noção comum de política, ao supor que o poder não está em um centro, mas em todos os lugares, difuso, inclusive, na linguagem. As análises de historiadores sobre a linguagem muito se atêm ao seu conteúdo, e não à sua forma, não servindo de “metalinguagem”, pois politizar o discurso é ver o poder na linguagem, poder que não é unitário, monolítico, mas difuso nos “mecanismos de intercâmbio social” (pp. 93-94).

Na produção histórica, reservada a uma “elite cultural”, o poder está no uso de um jargão próprio e nas práticas que constroem o conjunto de textos “verdadeiramente históricos”. A palavra “história” designa, entre outras coisas, a narração feita pelos historiadores, que, poderosos por serem “sacerdotes da memória”, não deixam de ser subjetivos, mas cegados à questão da linguagem e dos poderes (pp. 95-96).

Mesmo com a volta da “bela escrita” à história, o prazer estético não deve ser seu fim, mesmo não sendo dispensável, pois se deve problematizar a linguagem para se criticar a noção de verdade. É preciso notar “o aspecto político de toda escritura” para se debater a “questão da narrativa histórica”, pois a crítica da aliança do discurso da história com os poderes não deve ser feita na busca da “posição político-ideológica do autor” só no conteúdo, mas também na forma, que por vezes é inversa a ele. Chamam-se os “novos narrativistas” de desengajados, mas não são despolitizados, pois “escrever é comprometer-se”. A história, que tem sua razão de ser nas perguntas feitas pelo presente ao passado, refletiu as mudanças na sociedade contemporânea e pode driblar a influência do saber-poder na subjetividade dos historiadores por meio da escritura que cria “acontecimentos na linguagem” (pp. 96-99).

9. Os novos historiadores criticaram, como os literatos, a escrita esotérica e pretendem tornar seu discurso mais aberto, sem tirar-lhe sua capacidade analítica, a um público maior e culto que pode satisfazer-se com ele e acompanhar os progressos da área. A busca pela verdade é uma construção histórica que atende demandas que não são mais as de hoje, quando se deve superar a “separação entre forma e conteúdo”, sem se ver isso como regra devido à particularidade dos textos, que não representam verdades absolutas. A história, pelo prazer e contra o poder, deve deixar as “identidades universais” e centrar-se nas diferenças, sem largar os problemas postos pelo presente, conquistando o público culto, e não a academia (pp. 99-102).

No Brasil, deve-se e quer-se ampliar o público leitor, afastando a idéia de que fora da academia todos são “burros” e assumindo que “para escrever [...] é preciso pelo menos dois”, sem escrever em uma linguagem que se suponha “de todos”, mas lidar com a diversidade dentro do idioma mantendo a qualidade do conteúdo. A literatura e outros experimentos de escrita ajudam a lidar melhor com a descontinuidade e a desconstrução da história atual, garantindo-lhe vitalidade (pp. 102-103).



sexta-feira, 6 de setembro de 2019

A identidade nagô e iorubá (rascunho)


Endereço curto: fishuk.cc/ioruba2

Com esta publicação, estou continuando a publicação de trabalhos de mestrado e doutorado meus, entregues no final de cada matéria cursada. São textos importantes, pois não publiquei nenhum ainda aqui na página, e consistem nas minhas formas mais elaboradas e avançadas de textos acadêmicos antes que eu defenda minha tese. Eles me levaram a pensar minha própria pesquisa ou matriz teórica, relacionando os autores lidos em cada semestre com meu objeto de investigação. Uns dois meses antes do texto anterior, que foi o trabalho final definitivo, escrevi um projeto prévio a pedido do Aldair, procedimento muito didático adotado também por outros professores do IFCH, na graduação e na pós. O rascunho se chama Língua e tradutibilidade: o papel dos idiomas africanos na história material da África e em suas relações com a Europa colonial, e originalmente previa uma abordagem de mais povos, mais línguas e mais regiões da África, num espaço de tempo maior, e não apenas dos iorubás, como acabei me limitando. Porém, mesmo reduzindo o escopo da pesquisa, mantive o exercício analítico original e as mesmas matrizes teóricas



Todo idioma é fruto da interação entre as capacidades e limitações comunicativas de um determinado grupo humano e a realidade material, natural e social que ele encontra diante de si e que deve circunscrever dentro de certas categorias explicativas e expositivas, para melhor dominá-la e manejá-la. (1) A habilidade de nomear e classificar as coisas, no imaginário dos povos, está relacionada à capacidade de controlar e transformar, num sentido antropocêntrico, o mundo a seu redor: no relato bíblico sobre a criação da Terra (Gênesis, cap. 2), a primeira missão que Deus dá a Adão, homem feito “à nossa imagem e semelhança” para que “domine os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra” (Gn 1, 26), é justamente a de dar nomes a esses novos seres. Como que exercendo diretamente um mandato divino para reger o planeta, o lendário primeiro homem foi apresentado a “todas as feras e todas as aves do céu” para que Deus visse “com que nome ele as chamaria: cada ser vivo levaria o nome que o homem lhe desse. O homem deu então nome a todos os animais, às aves do céu e a todas as feras” (Gn 2, 19-20). (2) Não se devem confundir aqui os conceitos de linguagem, que indica determinado meio de expressão de ideias ou sentimentos, nem sempre racional (linguagem de sinais, linguagem das cores, linguagem gestual, linguagem musical, linguagem onomatopeica, de gritos etc.), e de língua ou idioma (estritamente, a linguagem falada e escrita), códigos padronizados, presumidamente racionais e que exigem um seguimento linear. (3) Em todo caso, como se percebe, a impressão de haver uma origem divina em algo que no passado parecia tão inextricável ilustra uma tendência analítica que começaria a desfazer-se apenas no início da Modernidade, com a dessacralização do núcleo que constituiria as futuras ciências.

Um idioma, ao contrário do que se pensaria numa conceituação estritamente positivista da linguagem, não é o reflexo da empiria ou do meio a ser classificado, em que cada coisa ou fenômeno só estaria aguardando uma palavra para distingui-lo; pelo contrário, é uma espécie de mediação em que concorrem os sentimentos, convicções e vivências de um emissor, já inexprimíveis de forma límpida por ele, e o entendimento de um receptor com sentimentos, convicções e vivências muito diferentes, por vezes de natureza oposta ou conflitante. A língua, pois, não se assemelha a um conjunto imutável de códigos escritos e falados que podem comportar cada expressão de uma ideia pessoal ou grupal, mas antes a um campo em que mensagem, instrumento e codificação estão em interação e concessões constantes, de modo a formar um todo conceitual válido apenas num determinado recorte temporal e espacial e que se pode chamar de comunicação. (4) Em outras palavras, por mais que um idioma possa ser sistematizado e padronizado até certo grau (desde as iniciativas de reconstruir línguas nacionais nos novos Estados-nação do século 20 até, por exemplo, as conhecidas “gramáticas do português falado”), ele sempre estará sujeito à “deturpação” da parte de quem o usa (com influências da fisiologia, da psicologia, do humor, da condição social, da instrução e dos textos com que teve contato), à limitação do próprio código linguístico (que não esgota todos os fenômenos da natureza, da sociedade e do pensamento, muito pelo contrário, limita-os e pode até mesmo os enquadrar) e à “peneira” ou “filtro” de quem procura entender a mensagem (formado pelos mesmos fatores citados, mas sempre com modelamentos discrepantes). Com tudo isso em conta, poderia ser dito inclusive que o ruído, como é definido pela linguística, não consiste em empecilho à comunicação, mas consiste na própria comunicação como espaço de disputas, trocas e (auto)definições. (5)

Não há a rigor uma “teoria materialista da tradução”, sequer de cariz marxista, por mais que não tenham sido poucas as tentativas de pensar a comunicação e a linguagem com base em afirmações pinçadas de Karl Marx e Friedrich Engels. Porém, entendendo-se que a produção material e a elaboração ideológica, como afirmam seus melhores continuadores no século 20, não estão nem separadas nem opostas, e muito menos prevalece uma sobre a outra, e sim interagem e interpenetram-se dialeticamente, uma ganhando ou perdendo sucessivamente algo de outra, é fácil concluir como as mais recentes reflexões sobre a tradução têm coisas a dizer sobre as trocas humanas e a construção e compartilhamento de símbolos e significados. Dizer que poderia ser feita uma “teoria materialista/marxista da tradução” implica considerar que certos autores demiurgos, julgados detentores iluminados da verdade, sempre teriam algo a comentar sobre os mais distintos aspectos da vida, o que resulta no máximo em interpretações parciais e de aplicação restrita, dadas por quem, em última instância, é o dono subjetivo dessas ideias. Se a língua é uma questão de cultura, e se a cultura, apesar de sua relativa autonomia, é uma questão de como dada sociedade produz e se reproduz, não é preciso compartimentar nada, ao modo dos primeiros comtianos; as próprias explicações sobre a economia, a política e a sociedade mostram amplamente como as pessoas se comunicam, como descrevem certas realidades e como as palavras, frases, expressões e sotaques mudam ao sabor da história. A língua também é história, tem história e está na história; e se os ruídos produzem o fascinante dinamismo da comunicação, o motor da evolução humana consiste naquilo que falta, que não se entende, que emerge de repente e que se presta à releitura, mas nunca à cópia, isto é, as sociedades, das “primitivas” às “civilizadas”, das dominantes às dominadas, constroem a história nos interstícios. (6)

Minha proposta de trabalho consiste em analisar a maior parte dos textos lidos durante a disciplina num aspecto que me chamou a atenção e estava quase sempre ausente em outras disciplinas cursadas na pós-graduação: a compreensão da lógica dos idiomas africanos como ferramenta central e importante no estudo das dinâmicas econômicas, culturais, religiosas e políticas locais, bem como nas relações destas com o mundo europeu e americano; mais do que isso, os usos, mudanças e fenomenologias linguísticas como um meio de resolver indiretamente, sobre tais sociedades, questões que outros resquícios materiais não suprem ou suprem incompletamente. Indiretamente, ressalto, porque nenhum atributo civilizatório pode ser estudado isoladamente, sem relação com outros, mesmo que aparentemente sejam de naturezas muito distintas e incompatíveis. Vários estudiosos da África nos séculos 15 a 19, bem como do tráfico escravista atlântico e de seus impactos culturais na América colonial, apoiaram-se nos idiomas nativos e nas transformações que eles sofriam em outros continentes para ilustrar as dinâmicas decorrentes de intercâmbios, opressões e concessões, mesmo que esses autores não dominassem ativa ou passivamente as línguas em questão; e quando as dominavam, a imprescindibilidade de seus trabalhos era inegável. (7) A assimilação e padronização dos idiomas nativos sempre foi igualmente uma das fases que escorou a empresa colonial, como prova, por exemplo, a sistematização e alfabetização do tupi como língua geral pelos jesuítas na costa litorânea brasileira. Mesmo que os idiomas europeus terminassem predominando nas relações diplomáticas, técnicas e científicas, por vezes servindo de interlínguas entre os diversos dialetos africanos, a introdução de alfabetos, gramáticas e manuais das línguas africanas por obra de literatos ocidentais, não raro membros de missões cristãs, serviu como uma ferramenta de controle sob a máscara de uma ação benéfica ou “perpetuadora” desses falares. Sem contar, claro, no monumento cultural constituído pelos idiomas crioulos e pelas influências e aportes do linguajar negro sobre as línguas indo-europeias nos dois lados do Atlântico

Inicialmente, minha intenção é trabalhar com dois idiomas ou grupos principais de línguas e/ou dialetos, que são o iorubá, falado em grande parte da atual Nigéria, e o mbundu, originário do território atual de Angola, ambos pertencentes à grande família linguística nígero-congolesa, mas localizados em ramificações diferentes. Esses conjuntos foram os mais abordados nos textos lidos para as aulas, possuem ampla documentação escrita neles e sobre eles, e ainda conservam vastas populações falantes, além de se relacionarem a duas importantes realidades históricas muito relacionadas ao Brasil colonial, bem como sua herança que persiste até hoje: respectivamente, o Império de Ọ̀yọ́ e o Reino de Angola, posteriormente África Ocidental Portuguesa. A depender da massa de material acumulado, vou restringir-me apenas ao mundo de fala iorubá, já suficientemente dinâmico, bem documentado e com maior literatura linguística. Além disso, a estrutura política e a vida social do referido império são complexas o bastante para que possam ser amplamente analisados o papel da língua nas relações materiais e a influência que o iorubá teve nas práticas religiosas e no vocabulário do português brasileiro. Tal ligação com a América portuguesa não pode ser entendida sem a história do tráfico negreiro, portanto ele também constituirá cenário privilegiado para se saber como funcionava e se transformava o idioma nos mais diversos tipos de intercâmbio. Os artigos e livros, lidos durante o curso, sobre o Império de Ọ̀yọ́, o tráfico negreiro vindo dessa região, a formação do candomblé no Brasil e a progressiva conversão da África Ocidental em espaço colonial europeu servirão de base para a pesquisa, que contará também com o aporte teórico de alguma literatura sobre tradução e linguística histórica (cf. bibliografia abaixo) e com manuais e outros materiais que forem encontrados sobre a língua iorubá em bibliotecas e na internet.


Bibliografia preliminar

CARR, Edward Hallett. Que é história? Tradução de Lúcia Maurício de Alverga. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

ESTEVES, Lenita; VERAS, Viviane (Orgs.). Vozes da tradução: éticas do traduzir. São Paulo: Humanitas, 2014.

ESTEVES, Lenita Maria Rimoli. Atos de tradução: éticas, intervenções, mediações. São Paulo: Humanitas: FAPESP, 2014.

FARACO, Carlos Alberto. Lingüística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas. São Paulo: Parábola, 2005.

HOBSBAWM, Eric. Sobre história: Ensaios. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

MOREJÓN, Julio G. Garcia. Civilização versus cultura: o dilema do nosso tempo. Tradução & Comunicação, São Paulo, v. 1, n. 1, pp. 40-46, dez. 1981.

PAES, José Paulo. Tradução: a ponte necessária: aspectos e problemas da arte de traduzir. São Paulo: Ática: Secretaria de Estado da Cultura, 1990.

PYM, Anthony. Explorando as teorias da tradução. Tradução de Rodrigo Borges de Faveri, Claudia Borges de Faveri e Juliana Steil. São Paulo: Prespectiva, 2017.


Notas (clique pra voltar ao texto)

(1) Uma prova de que a linguagem é condicionada por vivências ambientais e consenso em torno de como codificá-las: na língua guarani, emprega-se apenas uma palavra (ka’aguy) para as ideias de “vegetal ou plantas em geral”, “bosque”, “monte” ou “selva”, bem como um só vocábulo (tovy) para as cores azul e verde. A visão holística que os indígenas tinham da natureza, assim como a geografia física de toda a latitude sul-americana que abrange o território original dos falantes dessa língua, talvez explique essa fusão de conceitos. Cf. P. Antonio GUASCH, S. I., El idioma guaraní: gramática y antología de prosa y verso, 6. ed. refundida y acrecentada, Asunción, Loyola, 1983, p. 40; Mário Arnaud SAMPAIO, Vocabulário guarani-português, Porto Alegre, L&PM, 1986, pp. 79 e 167.

(2) As citações são retiradas da Bíblia Sagrada: edição pastoral, São Paulo, Sociedade Bíblica Católica Internacional e Edições Paulinas, 1990, pp. 15-16.

(3) Ou, como classifica Ferdinand de Saussure em seu célebre Cours de linguistique générale, a língua abarca aquilo que é social e essencial, enquanto a linguagem (ou “palavra”) concerne ao domínio do individual e do acessório e relativamente acidental. Apud Jânio QUADROS et al., Curso prático da língua portuguesa e sua literatura, v. 1, [São Paulo], [Formar], [1966], pp. 24-25.

(4) Não por acaso, o substantivo latino munus, que está na origem do verbo communico, entre seus vários sentidos, tem os de “dever”, “função”, “obrigação perante regras estabelecidas”, “serviço prestado”, “presente” e “dom”. Cf. “Communico”. In: Wiktionary, the free dictionary. Disponível nesta página. Acesso em: 22 out. 2017; “Communis”. In: Ibid. Disponível nesta página. Acesso em: 22 out. 2017; “Munus”. In: Wiktionnaire, le dictionnaire libre. Disponível nesta página. Acesso em: 22 out. 2017.

(5) Isso refuta de antemão concepções como as de J. C. Catford e E. Nida, que entendem a tradução como “transferência” ou “substituição” de significados. Ou seja, tal qual um trem de carga, do qual o tradutor é mero maquinista, a mercadoria é alocada de modos vários nos vagões, desde que chegue “intacta” ao destino. Apud Rosemary ARROJO, Oficina de tradução: a teoria na prática, 5. ed., São Paulo, Ática, 2007. Como a autora, adoto e pratico a ideia de que o foco da tradução não é a língua em si, mas a mensagem geral, que deve ser reconstruída conforme o público, os objetivos, o suporte e outros fatores.

(6) Para sustentar essas hipóteses, apoio-me essencialmente em Eric HOBSBAWM, O sentido do passado. In: Sobre história: ensaios, São Paulo, Companhia das Letras, 1998, pp. 22-35; Aleida ASSMANN, Memória funcional e memória cumulativa – Dois modos da recordação. In: Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural, Campinas, SP, Editora da Unicamp, 2011, pp. 143-160.

(7) É o caso, por exemplo, de Walter Hawthorne, que aprendeu “graça”, a línguas dos balantas, para estudar a produção de arroz desse povo na Guiné-Bissau e regiões adjacentes. Cf. Nourishing a Stateless Society during the Slave Trade: The Rise of Balanta Paddy-Rice, The Journal of African History, v. 42, n. 1, 2001, pp. 1-24. Para as(os) historiadoras(es) não lusófonas(os) da África e América portuguesas, aprender português talvez seja um desafio adicional, pois esse idioma, embora muito falado no mundo, não tem um status de língua internacional, enquanto estudiosas(os) do Brasil e Portugal, por exemplo, em geral já contam com precoce aprendizado do inglês, francês ou espanhol, em graus variados.



quinta-feira, 29 de agosto de 2019

E. P. Thompson usa a dialética (projeto)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/thompson2


Com esta postagem, estou continuando a publicação de trabalhos de mestrado e doutorado meus, entregues no final de cada matéria cursada. São textos importantes, pois não publiquei nenhum ainda aqui no blog, e consistem nas minhas formas mais elaboradas e avançadas de textos acadêmicos antes de fazer minha dissertação. Eles me levaram a pensar minha própria pesquisa ou matriz teórica, relacionando os autores lidos em cada semestre com meu objeto de investigação. Hoje retorno ao Prof. Dr. Sidney Chalhoub, especialista na obra de Machado de Assis e no escravismo brasileiro do século 19 que lecionou a disciplina “Tópicos Especiais em História I (História Social)”, reunindo então os pós-graduandos aceitos com projetos pra área de História Social, um dos nichos de pesquisa dentro da pós em História mais ampla. Uns dois meses antes do texto anterior, que foi o trabalho final definitivo, escrevi um projeto prévio a pedido do Sidney, procedimento muito didático adotado também por outros professores do IFCH, na graduação e na pós. O rascunho se chama Dialética em E. P. Thompson: teoria e prática como momentos de um só esforço, e originalmente previa uma análise de muito mais livros do historiador inglês e de teóricos marxistas mais variados pra comparação. Como vocês notaram, por causa do tempo disponível, reduzi o escopo da pesquisa, mas sem abandonar meu exercício analítico original.

Neste trabalho final de curso pretendo analisar como E. P. Thompson aplica a metodologia dialética em algumas de suas principais obras, mais exatamente, descrever como os procedimentos “teóricos” e “práticos”, ou “abstratos” e “empíricos”, se articulam para formar a argumentação. Entendo que essas duas dimensões, as quais o leitor pode discernir pelo esforço racional, mas não pode separar ao assimilar o conteúdo, constituem dois momentos simultâneos do trabalho intelectual de Thompson, em que as abstrações teóricas derivadas de sua experiência anterior e de um contato superficial com o objeto, criadas para ordenar seu foco durante a pesquisa de campo, são confrontadas com os resultados dessa pesquisa e repensadas conforme sua capacidade ou inadequação em explicá-los. As observações empíricas e as reelaborações da teoria se implicam mutuamente e o trabalho intelectual prossegue no caminho entre uma dimensão e outra.

As definições de “dialética” variaram bastante na história da filosofia e da reflexão sobre as ciências humanas, mas assumo aqui o uso que têm feito dela as correntes marxistas ditas “heterodoxas”, centradas em autores da Europa Ocidental e Central que ao longo do século 20 buscaram romper com os marxismos “ortodoxos” da Segunda Internacional e dos Partidos Comunistas de inspiração soviética: em linhas gerais, é dialética a metodologia para a qual a relação entre “teoria” e “prática”, ou entre “sujeito” e “objeto”, se caracteriza pela transformação e implicação mútuas, e que considera a realidade uma unidade de elementos diversos que dialogam entre si para formar um todo social orgânico. O conhecimento não é o mero reflexo de estímulos sensoriais, mas uma interação entre estes e os condicionamentos internos do “sujeito”, mediados pelas relações e construtos simbólicos sociais. As sociedades são orgânicas e bastante mutáveis, por isso só podem ser compreendidas por meio de abstrações embasadas na vida prática que a tomem como uma unidade múltipla e depois retornem a ela. Contudo, essa divisão entre “teoria” e “prática”, “sujeito” e “objeto”, é antes um recurso para entender os momentos inseparáveis de um único esforço do que a bifurcação entre duas atividades distintas e sem contato: abstrair é uma atividade simultânea a coletar informações. Esses “organismos” da sociedade não são coisas sempre iguais a si mesmas, encerráveis em definições atemporais, mas cruzamentos de relações entre pessoas, instituições, ofícios, grupos sociais ou mesmo tradições escritas e não escritas, que negociam entre si espaços de atuação e concessões ou benefícios.

Os escritos de E. P. Thompson se caracterizam por essa imbricação entre a reflexão abstrata e o esforço empírico, de forma que partindo dos conceitos consagrados sobre seus temas de estudo, geralmente em diálogo com a historiografia precedente, com filósofos teóricos e mesmo com os movimentos sociais, ele expõe o resultado de suas pesquisas e avalia a adequação dessas construções intelectuais, redesenhando os grandes modelos e obtendo, assim, uma nova lente para racionalizar com eficácia o que está observando. Ainda que se possa fazer uma distinção provisória entre obras mais “teóricas” e obras mais “empíricas” escritas por Thompson, suas reflexões teóricas, além de dialogar muito criticamente com diversas tradições de pensamento, jamais são totalmente abstratas e sempre partem de problemas despertados por seus estudos históricos (por exemplo, a cultura popular, o movimento operário e a política estatal na Grã-Bretanha dos séculos 17, 18 e 19), enquanto ao escrever historiografia, o esforço de teorização anda lado a lado com a descrição, como num romance, das personagens e seus sentimentos, do cenário, do enredo e das intrigas pessoais. E para descrever os “organismos” das sociedades que estuda, por entender que elas são muito mais complexas do que as esquadrinham as ciências sociais tradicionais, Thompson recorre não só à bibliografia especializada, aos dados estatísticos ou aos documentos de arquivo, mas também à literatura artística e à poesia, às artes plásticas, aos costumes populares (no que se incluem a música e versos correntes) que sobreviveram através dos séculos, às biografias e diários deixados por grandes personalidades ou pessoas comuns, às manifestações religiosas de cada época e, o que é importante, às inferências que podem ser feitas nas “entrelinhas”, aos “silêncios” que não são imediatamente visíveis nesses elementos.

Meu problema central será verificar como E. P. Thompson articula “teoria” e “prática” em suas obras, em outras palavras, como, formando sua própria dialética, ele integra construções abstratas (suas e de outros pensadores) e análises empíricas como dois momentos, e não atividades separadas, no mesmo esforço de criar relatos verossimilhantes a respeito das sociedades e épocas que estuda. Também tentarei analisar a articulação que Thompson faz entre as abordagens “teóricas” dentro de suas obras “práticas” e as obras propriamente “teóricas”, e vice-versa, ou seja, entre as abordagens “práticas” dentro de suas obras “teóricas” e as obras propriamente “práticas”. Esse exercício talvez não tenha uma descrição muito correta, pois as obras “teóricas” e “práticas” também poderiam ser consideradas como dois “momentos” de um mesmo esforço reflexivo que tem como objetivo intervir e desnaturalizar a realidade presente com base em problemas despertados pelo estudo de outros lugares e épocas. Buscarei, enfim, rascunhar uma definição da metodologia dialética com base na tradição teórica que inspirou a Nova Esquerda inglesa, da qual Thompson era parte, confrontá-la com a própria atitude dialética que pode ser apreendida das obras de Thompson e finalmente buscar descrever, de modo mais abstrato, alguns princípios básicos da metodologia dialética nesses escritos.

Para redigir o trabalho final, lerei algumas das principais obras de E. P. Thompson abordadas no curso, que poderiam ser grosso modo divididas em “teóricas” e “práticas”, conforme a relevância com que se abordam respectivamente a conceituação abstrata e a investigação empírica. Na primeira categoria poderiam ser listadas, dentre outras, A miséria da teoria (na edição em inglês, acompanhada de outros ensaios) e Making History, e na segunda, A formação da classe operária inglesa e Costumes em comum. Também é muito relevante a coletânea organizada em português sob o título As peculiaridades dos ingleses e outros artigos, em especial seu texto central, “As peculiaridades dos ingleses”, e ocupa um lugar especial, pois apesar de suas pretensões basicamente “teóricas” de um forte debate com outros marxistas de seu tempo, ela tem como principal substância não outras obras mais abstratas, mas os conhecimentos de Thompson sobre a Inglaterra dos séculos 17 a 19. De forma secundária e não indispensável, conforme a necessidade ou mesmo o tempo disponível para pesquisa, também poderei incursionar por outros livros e obras de referência que abordem mais pontualmente questões metodológicas ou outros problemas da tradição marxista, estando entre os autores e organizadores Tom Bottomore, Roger Garaudy, Adolfo Sánchez Vázquez, Mihailo Marković e Rodolfo Mondolfo. (Antonio Gramsci seria de grande valia, mas sua densidade e complexidade atrasariam a consecução do trabalho.) Esses autores poderiam ajudar não só a entender os pressupostos teóricos e políticos por trás dos escritos de Thompson, mas também a montar um conjunto conceitual que eu pudesse pôr em diálogo com estes para destes mesmos extrair uma concepção bem refletida sobre a metodologia dialética.


Obras de E. P. Thompson

THOMPSON, E. P. The Poverty of Theory & Other Essays. Nova York: Londres: Monthly Review Press, 1978.

______. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

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Outras referências teórico-metodológicas

BOTTOMORE, Tom (Ed.). Dicionário do pensamento marxista. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1985.

GARAUDY, Roger. Marxismo do século XX. Tradução de Leandro Konder e Giseh Viana Konder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

MARKOVIC, Mihailo. Dialéctica de la praxis. Tradução de Margarita Jung. Buenos Aires: Amorrortu, 1972.

MONDOLFO, Rodolfo. Marx y marxismo: estudios histórico-críticos. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 1986.

SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. Tradução de Luiz Fernando Cardoso. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.




quinta-feira, 6 de junho de 2019

Meu projeto de mestrado na íntegra


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Apresento a vocês a versão original e integral de A 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central e a participação do PCB na virada tática do 7.º Congresso da Internacional Comunista (1934-1935), meu projeto de pesquisa desenvolvido em agosto de 2013 pra submissão ao processo de seleção pro Mestrado em História, área de História Social, linha de História Social do Trabalho, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp). Assinado como Érick Fiszuk de Oliveira, este é o texto aprovado pra que eu pudesse começar o curso em março de 2014, mas que, obviamente, foi bastante criticado no seminário de linha de pesquisa, sobretudo no tocante à metodologia e à pobre bibliografia indicada. Um de meus professores disse, inclusive, que talvez eu tenha dado importância demais à 3.ª conferência latino-americana, quando na verdade ela não teria passado de uma série de encontros de cúpula. O salto de qualidade é notável quando comparamos com o projeto de doutorado que publiquei anteontem, mas foi no trajeto rumo à minha dissertação que compus uma lista de livros mais completa e encontrei os vários recursos online. De alteração, só atualizei os números romanos e a transliteração do russo e omiti o plano de trabalho (cronograma), que além de totalmente desobedecido, em nada conta pra argumentação. Durante o mestrado recebi uma bolsa de financiamento da CAPES.



À direita com cachimbo, Stalin. À esquerda dele, Dimitrov (acima) e Manuilski (abaixo).


Resumo: Na presente pesquisa se abordará a participação de representantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) na 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central, promovida em Moscou pelo Birô Sul-Americano da Internacional Comunista (BSA/IC) entre 16 e 28 de outubro de 1934, participação registrada em atas taquigráficas hoje microfilmadas, mas ainda pouco exploradas pelos historiadores. O objetivo da pesquisa será avaliar o quanto essa conferência influenciou na virada tática da IC em seu 7.º Congresso de julho-agosto de 1935, quando se substituiu a política de “classe contra classe”, de combate à social-democracia, pela política de “frentes populares”, de união com a mesma corrente contra a ascensão do nazifascismo. A relevância da pesquisa deve-se ao fato de a 3.ª Conferência ser considerada importante na assimilação da política de “frentes populares” pelo PCB e em sua posterior decisão de entrar na Aliança Nacional Libertadora (ANL), mas ter sido descrita na bibliografia especializada, quase sem exceção, apenas com base em artigos de revistas da IC, livros de memórias e entrevistas.

Palavras-chave: Partido Comunista do Brasil (PCB), história política do Brasil, Internacional Comunista (IC), Aliança Nacional Libertadora (ANL).


Tema e proposta da pesquisa: O tema da pesquisa será a participação dos representantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) na 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central, organizada pelo Birô Sul-Americano da Internacional Comunista (BSA/IC) em Moscou, entre 16 e 28 de outubro de 1934, participação registrada em atas taquigráficas escritas em russo, hoje microfilmadas e guardadas na Coleção Internacional Comunista do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL/Unicamp). Nessas reuniões fez-se um balanço do movimento revolucionário e operário no Brasil e buscaram-se definir as prioridades da ação dos comunistas no país, mas, ainda pouco estudados, os encontros são relatados na bibliografia especializada apenas por meio de fontes indiretas, entre elas periódicos da IC, entrevistas e biografias de militantes e ex-militantes. Existe a respeito somente um artigo da historiadora Anita Leocadia Prestes, (1) ainda relevante pela consulta direta às atas, mas com apenas uma parte dedicada a resumir seus pontos principais, sendo o restante uma discussão sobre a participação do PCB e da IC nos antecedentes dos levantes militares de novembro de 1935. Uma abordagem exaustiva da conferência ajudaria a conhecer um capítulo polêmico e obscuro da história das relações entre a IC e o PCB e a esclarecer aspectos decisivos do envolvimento dos comunistas brasileiros nas lutas democráticas e antifascistas da época.

Na 1.ª e na 2.ª Conferências dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central, organizadas pelo Secretariado Sul-Americano da IC (SSA/IC) e ocorridas respectivamente em junho de 1929 e maio de 1930, em Buenos Aires, (2) havia-se transposto para a região as políticas da IC do “terceiro período”, de “classe contra classe”, de “frente única pela base” e de “proletarização”, o que resultou no fortalecimento das tendências isolacionistas e radicais nos Partidos da região e, no PCB, na queda dos dirigentes fundadores e na instabilidade na composição da direção. Em julho de 1934, cinco dos principais dirigentes, entre eles o secretário-geral Antônio Maciel Bonfim, codinome “Miranda”, foram escolhidos para ir a Moscou participar do 7.º Congresso da IC e de conferências regionais prévias. Contudo, o congresso foi adiado para julho de 1935, devido à resistência de muitos Partidos em adotar a linha de “frentes populares”, mas não houve tempo de remarcar os encontros continentais. Assim, aproveitou-se a estada dos latino-americanos para realizar-se, em outubro, o que se chamou de 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central, com 19 delegações ainda fiéis às políticas então em voga. Acompanhada também por Luiz Carlos Prestes e Octavio Brandão, que já estavam em Moscou, a delegação brasileira reuniu-se várias vezes com líderes da IC para discutir a situação política no Brasil, mas resistiu muito a adotar a política de “frentes populares”. Dado o clima de mudança, a IC aceitava passivamente os relatos das delegações e insistia na importância de uma ampla frente única, inclusive com setores burgueses, contra o imperialismo e o fascismo. “Miranda” (“Queiroz”, nos registros da conferência), afirmando que no Brasil havia condições maduras para uma insurreição operário-camponesa geral, com os comunistas prontos para dirigi-la, distorcia o processo histórico real, mas convenceu o BSA/IC a transferir-se para o Rio de Janeiro e a IC a enviar para lá assessores e dinheiro. (3)


Justificativa e debate bibliográfico: Dentre os inúmeros trabalhos acadêmicos que abordam simultaneamente a IC, o PCB e as relações entre ambos, decidiu-se limitar, para o debate, aos mais recentes e mais bem documentados, com uma abordagem mais científica e que se atenham à primeira metade dos anos 1930 ou retrocedam também mais ou menos no tempo. (4) Contudo, tenta-se neles quase sempre resolver problemas concernentes à relação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e do PCB com os levantes militares de 1935, desde sua preparação até sua eclosão, enquanto o objetivo deste projeto limita-se às relações entre a 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central e o 7.º Congresso da IC, encerrado em agosto de 1935. Na bibliografia, em geral, ressalta-se o estímulo da IC à ANL como tentativa de executar no Brasil a política das “frentes populares”, mas ainda se sabe muito pouco sobre a participação brasileira naquela conferência, pois nenhum autor explorou diretamente as atas taquigráficas guardadas no AEL/Unicamp. As exceções são um livro e um artigo de Anita Leocadia Prestes (5) ‒ embora a autora vise essencialmente os eventos de novembro de 1935 ‒, que receberão as primeiras menções do debate, por usarem essa documentação e por terem seus pressupostos adotados neste projeto. Em seguida, serão confrontadas as outras obras, em ordem cronológica inversa de publicação.

A. L. Prestes localiza a 3.ª Conferência no contexto da virada iniciada em 1934 na política do movimento comunista internacional, por intermédio da IC, com gradual passagem da linha de “classe contra classe”, já superada na prática pelos comunistas europeus e brasileiros, para a de “frente popular”, a qual, no Brasil, traduzia-se na inserção crescente do PCB nas lutas anti-imperialistas e anti-integralistas locais, sem respaldo, porém, em seus informes oficiais. Assim, o 7.º Congresso da IC apenas teria ratificado uma situação de fato. (6) Os informes “exagerados” de “Miranda” na 3.ª Conferência seriam a explicação do surgimento do otimismo, mesmo entre os quadros da IC, quanto a uma insurreição armada exitosa no país pela qual se implantasse um “governo operário e camponês dos sovietes”. (7) Documentos do PCB dos primeiros meses de 1935 ainda continham a orientação dos “sovietes” e seriam a prova, assim, de que a recepção da nova tática frentista da IC, finalmente adotada em pleno do Comitê Central de maio, ter-se-ia dado sem qualquer revisão autocrítica da linha anterior, pelo contrário, teria havido uma adaptação da nova linha à tática anterior ‒ isto é, agora um “governo popular nacional-revolucionário” seria um “iniciador” da revolução, uma etapa no processo de luta para conquistar o “poder soviético” ‒, já modificada na prática, porém, pelos próprios comunistas desde meados de 1934, aproximadamente. (8) A. L. Prestes afirma que a ANL não teria sido uma criação da IC ‒ embora esta a tivesse apoiado posteriormente ‒, e sim uma confluência de várias lutas populares, democráticas e antifascistas de cunho nacional, efervescentes desde 1933 e que também tinham como fundo a insatisfação com Getúlio Vargas e a Revolução de 1930. (9)

Leonardo Guedes Henn ressalta como a 1.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central marcou o início da “bolchevização” teórica e organizativa e dos problemas orgânicos no PCB derivados do radicalismo subsequente, apesar das inúmeras intervenções do BSA/IC e da progressiva viragem rumo às “frentes populares”. (10) O autor lembra ainda que o PCB, em 1935, não apelava explicitamente à revolução proletária porque a linha das “frentes populares”, a nível mundial, implicou a renúncia à ofensiva socialista do período anterior e a luta pela manutenção das “democracias burguesas”, e também porque, dentro da ANL, o Partido compartilhou com ela o programa do “governo popular nacional-revolucionário” anti-imperialista de alianças abrangentes. Apenas na imprensa interna mencionava-se o “governo dos sovietes” que completasse o período “democrático-burguês” da revolução e, somente após, passasse à fase socialista. (11) Contudo, alegando falta de evidências documentais, Henn contesta a existência da 3.ª Conferência e até garante não ter havido a 2.ª Conferência, (12) embora conste nas referências bibliográficas o livro de A. L. Prestes que explicitamente menciona as atas, (13) mas não os trabalhos de Marcos Del Roio que aludem à “renomeação” do pleno ampliado do SSA/IC de maio de 1930. (14) Porém, em vários momentos, o autor cita, sem relação com a 3.ª Conferência, a participação de Prestes em debates que precederam o 7.º Congresso da IC, (15) os relatos do ex-militar sobre a presumida situação revolucionária no Brasil (16) e os “pedidos dos comunistas brasileiros” à Internacional por apoio logístico e organizacional no país. (17)

A tese central do livro de Valter de Almeida Freitas é a de que o PCB e a ANL teriam falhado na análise da realidade brasileira e na organização dos trabalhadores de forma independente por serem ambos fortemente atrelados a uma IC burocratizada que lia mal as realidades nacionais. (18) Contudo, é problemático considerar que a IC controlava diretamente a ANL, a qual, apesar dos contatos mútuos com o PCB, tinha origem e funcionamento próprios, e a qual Moscou só alcançava por intermédio do BSA/IC, do Partido e de Prestes, procurado pelos aliancistas como um líder carismático, e não como um comunista. Freitas conclui com acerto que o PCB, atuando na ANL, errou ao considerar qualquer insatisfação contra Vargas como motivo para insurreições populares, (19) o que demonstra a permanência da perspectiva da luta armada, apesar da absorção da proposta das “frentes populares”. Para o autor, a ANL inscrevia-se no marco das “frentes populares”, mas não atuava como tal, devido aos limites ditados por sua origem de classe e pelo suposto abandono, pelo PCB, dos interesses proletários, e à ausência, no Brasil, da desorganização e paralisação do Estado burguês. (20) Freitas menciona brevemente a 3.ª Conferência duas vezes, mas sem arrolar antecedentes, fontes ou referências ao BSA/IC ou aos dirigentes da IC, e atribui ao evento as decisões de enviar ao PCB agentes e recursos materiais de auxílio e de continuar, no Brasil, a luta pela hegemonia do processo revolucionário e pela criação de condições para o desencadeamento da revolução, sem abstenção explícita da opção pelo levante armado. (21) Em outras passagens, o autor cita, sem referências às discussões da 3.ª Conferência, o informe de Fernando Lacerda ao 7.º Congresso da IC e a atribuição do fracasso das revoltas de 1935 às informações exageradas transmitidas por “Miranda” à Internacional. (22)

Dois livros merecem menção conjunta por aludirem brevemente ao tema desta pesquisa, mas sem aportar novas contribuições, enfatizando outros problemas do movimento comunista da época. Homero de Oliveira Costa pretendeu explicar especificamente o levante de 1935 em Natal, argumentando que ele não fora articulado pela ANL, mas pelo PCB local, e que só pode ser explicado por meio da reconstituição do cenário político e social potiguar da época. (23) A posição do autor a respeito das relações entre a ANL, o PCB e a IC vai ao encontro dos pressupostos desta pesquisa, mas, quanto ao assunto, o livro limita-se ao balanço bibliográfico (24) das principais obras escritas até então. Inclusive, a imprecisão fatual de uma literatura hoje desatualizada (25) reaparece nas menções à 3.ª Conferência (26), evento inserido não na polêmica da virada do PCB para a linha de “frentes populares”, mas das insurreições de 1935. Já Marcos Aurélio Guedes de Oliveira apresenta apenas a tradução de três artigos sobre a 3.ª Conferência publicados na revista The Communist International e de breves trechos dos informes de Georgi Dimitrov e de Wang Ming ao 7.º Congresso da IC. (27) Sua única contribuição original é uma introdução eivada de juízos de valor sobre o PCB, considerado uma espécie de fantoche de um movimento internacional maléfico e em momento algum separado da ANL. (28) Parece plausível a ideia do autor de que a linha do “governo popular nacional-revolucionário” como “iniciador” da revolução armada seria fruto de uma conciliação de Prestes e a IC, que preferiam a passagem por uma etapa “nacional-libertadora”, com “Miranda” e parte do PCB, que queriam a formação imediata de sovietes. Contudo, Oliveira atribui subjetivamente essa mistura às supostas incompetência e maldade da IC, de Stalin, de Prestes e do PCB. (29)

William Waack, para quem havia subordinação total do PCB à IC, e desta aos interesses soviéticos, encarnados em seu Partido único, (30) não esclarece por que se adiou o 7.º Congresso internacional, ocultando, assim, um período de discussão e embate entre Moscou e os Partidos nacionais, e apenas resume brevemente as discussões da 3.ª Conferência, cuja importância atribuída à época, porém, deduz das transcrições em cinco idiomas das intervenções dos delegados. (31) Em reuniões do final de 1934, notam-se a relutância dos brasileiros em fornecer dados precisos e a debilidade de sua penetração entre os sindicatos e os militares, a qual os líderes da IC percebiam bem, apesar do tom fantasioso e demasiado otimista (32) dos relatos recebidos. (33) Assim como os outros autores, Waack considera a linha então traçada para a América Latina, de “governos nacional-revolucionários” baseados em “alianças nacionais de libertação” e em “frentes populares” anti-imperialistas, conciliável com a manutenção, pelo PCB, da perspectiva da luta armada e da formação de “sovietes”. (34) O autor menciona a fundação da ANL e suas relações com o PCB sem descrever a história anterior do antifascismo no Brasil, mas acerta ao caracterizar a Aliança como um organismo independente do Partido, apesar das semelhanças programáticas. (35) Waack não atribui à IC a responsabilidade pela fundação da ANL (36) e ressalta como foi difícil para a Internacional convencer o PCB a entrar na Aliança, em maio de 1935, e a fornecer-lhe um claro programa de tomada do poder, mas julga que o papel do Partido entre os aliancistas era determinado por Moscou, que a veria como a tradução de sua linha de “frentes populares” em gestação. (37) No relato principal sobre o 7.º Congresso da IC, não há qualquer referência ao Brasil, à 3.ª Conferência ou à intervenção do PCB, mas apenas se alude ao fato de que o evento não teria mudado os planos para uma insurreição no país. (38)

Segundo Marly de Almeida Gomes Vianna, em seu livro sobre os levantes de novembro de 1935, a IC teria mantido uma “expectativa conivente”, sem interferência nem ausência, para com a suposta situação revolucionária no Brasil, enquanto a contradição entre a linha internacional de “frentes populares” e os chamados do PCB à luta armada seria a prova da insubmissão a Moscou naquele momento. (39) A fundação da ANL teria sido o ápice de lutas democráticas e anti-imperialistas anteriores, totalmente nacionais e das quais as bases do PCB participaram ativamente sem esperar ordens da direção, privilegiando a luta antifascista antes mesmo dos documentos oficiais. (40) Os antigos “tenentes” teriam procurado na ANL não o marxismo, mas o carisma e a liderança de Prestes, e teriam mantido, por isso, sua concepção política elitista, (41) enquanto os comunistas, diante de uma falsa perspectiva revolucionária, teriam optado de vez pela solução militar ao não verem a rebelião das massas contra o fechamento da Aliança. (42) Vianna, sem explicar por que o 7.º Congresso da IC fora adiado, aponta como diretivas centrais da 3.ª Conferência para o PCB a intensificação do trabalho antifascista e junto aos camponeses, sindicatos e militares, e o envio de um grupo de auxílio, muito reduzido caso se quisesse mesmo fazer uma revolução no Brasil. (43) A autora atribui as supostas fantasias dos relatos de “Miranda” à sua vaidade e presunção, (44) mas usa como fontes apenas artigos da revista La Internacional Comunista e entrevistas com participantes dos eventos. No 7.º Congresso da IC, as referências à ANL, já fechada, da parte de Wang Ming ainda eram marcadas pelo otimismo e pela busca em desenvolver essa “frente popular” no Brasil, sem atentar à força do governo Vargas e à fraqueza da penetração popular do PCB. (45)

Paulo Sérgio Pinheiro descreve uma concepção “militarista” e elitista predominante na política brasileira das décadas de 1920 e 1930, que teria sido o cerne da atuação dos “tenentes” e iria ao encontro do militarismo reinante na própria IC, a qual se teria tornado, assim, por meio do PCB, um polo de atração de muitos militares brasileiros, entre eles Prestes. (46) O autor defende que quase sempre teria sido tênue a divisão entre os interesses da política externa soviética e aqueles da IC, mas rejeita uma associação mecânica entre as duas instâncias, lembrando que houve também muitos momentos de conflito e divergência. (47) A 3.ª Conferência é dada simplesmente como “suposta”, mas reveladora de como o PCB sobrevalorizava o papel revolucionário e a desagregação do Exército, o peso comunista nas greves e insurreições operárias e camponesas no Brasil e as beneficências “sociais” do cangaço. (48) Pinheiro julga que a decisão, “supostamente” tomada na conferência, de enviar assessores da IC ao Brasil teria a ver antes com uma preparação revolucionária prolongada do que com a instigação de um assalto imediato ao poder, embora esta última perspectiva não estivesse totalmente descartada. (49) As rápidas referências à ANL e à Lei de Segurança Nacional não são acompanhadas de menções ao longo processo de gestação da Aliança, às lutas contra o fascismo iniciadas já em 1933 e ao combate pela não aprovação da referida lei. Também não se menciona o papel da IC, por meio de Prestes, na inclusão da palavra de ordem do “governo popular nacional-revolucionário”, embora tal ligação fique implícita no texto, dado que o organismo apoiava largamente a ANL. (50) No 7.º Congresso da IC, além das poucas referências que seus líderes fizeram ao Brasil, as intervenções dos delegados do PCB teriam sido marcadas por muita fantasia, pela sobrevalorização da situação revolucionária no país e pela atribuição aos comunistas de uma responsabilidade maior do que eles realmente tiveram em greves operárias recentes e na criação da ANL. (51)

Para Marcos Del Roio, teria fracassado no Brasil dos anos 1930 a gestação de uma alternativa democrática à crise política e econômica do liberalismo, solucionada, enfim, com o modelo corporativista de Vargas, tendo sido o PCB excluído da contenda por causa do isolacionismo da linha do “terceiro período”, da forte repressão estatal e da adoção do marxismo dogmático de Stalin. (52) O interesse da IC pela América Latina, na segunda metade dos anos 1920, diante do refluxo revolucionário na Europa, teria surgido junto com a percepção de um importante foco revolucionário na China, a qual teve sua análise particular decalcada e imposta aos Partidos Comunistas da região, cada vez mais submissos ao centro soviético, embora o PCB tenha buscado resistir até a queda definitiva do “núcleo dirigente” fundador. (53) O autor também demonstra com justeza como a fundação da ANL, produto autenticamente nacional, foi bem posterior ao início efetivo da luta antifascista no Brasil, quando os comunistas empenharam-se em criar frentes e comitês, mas em relações ásperas com outras forças progressistas, e como a crescente perseguição do regime de Vargas aos democratas e às esquerdas foi o grande problema nacional dos anos de 1934 e 1935. (54) Da III Conferência, antecedida por discussões sobre o Brasil no BSA/IC, teriam resultado para o PCB a troca da palavra de ordem do “governo operário-camponês” pela do “governo popular nacional-revolucionário” e o envio de assessores para auxiliar tecnicamente as lutas revolucionárias, mas a insuficiência das críticas à linha do “terceiro período” teria dado margem para o Partido conciliar a nova tática das “frentes populares” com a tradicional concepção insurrecional do fazer político. (55) No 7.º Congresso da IC, longamente adiado por conta da resistência às mudanças, ter-se-iam evidenciado a subsunção da situação brasileira ‒ traduzida principalmente na ANL ‒ no cenário genérico dos países “coloniais e semicoloniais”, a debilidade do trabalho e da penetração do PCB no campo e o privilégio das “frentes populares” na ação política dos comunistas de todo o mundo, mas sem grandes críticas à linha isolacionista anterior ou à falta de debates sob Stálin. (56)

Stanley Hilton, escrevendo sobre a “intentona” de 1935, reproduz a antiga ideia de que a IC ‒ um presumido instrumento da política externa russo-soviética ‒ submeteria rigidamente o PCB ao transmitir-lhe um esquema teórico rígido e desligado da realidade nacional e ao obrigá-lo a sempre fornecer relatórios agradáveis sobre a situação local. (57) Nos relatos sobre a primeira metade dos anos 1930, há um privilégio exagerado das fontes documentais e ações das grandes personalidades, políticos, militares e embaixadores, (58) enquanto a ANL é reduzida a um agrupamento manipulado “maquiavelicamente” pelos comunistas, a fim de implantar seu próprio “governo revolucionário popular” no lugar do regime “liberal” de Vargas ‒ que só teria endurecido por conta da instigação comunista “subversiva”. (59) Há apenas um longo parágrafo, em duas páginas, sobre a participação do PCB na 3.ª Conferência, em que o autor insiste na ideia então em voga, pouco documentada e baseada apenas em relatos memorialísticos, de que a ocasião resumiu-se à disputa entre os líderes da IC que queriam, para o Brasil, o caminho da luta armada e os que preferiam a via das “frentes populares”, até a solução conciliatória, diante do impasse e dos relatos positivos de “Miranda”, de utilizarem-se as frentes como iniciadoras da insurreição. (60) O 7.º Congresso da IC, por sua vez, não teria passado de uma ratificação dos planos de um “governo soviético” no Brasil, (61) embora seja perceptível, ao longo do livro, a pouca atenção dada às discussões institucionais do movimento comunista internacional e a ausência de consultas a documentos oficiais ou jornais partidários.

Em outro estudo sobre os levantes de 1935, há um texto pelo qual Dario Canale argumenta que sempre existiu, embora muito pequeno, um espaço de autonomia dos comunistas brasileiros e que não é possível entender objetivamente as posições políticas do PCB e da IC sem considerar em conjunto a própria evolução organizacional e tática de ambos e também do BSA/IC. (62) Quanto à evolução da IC e do PCB nos anos 1920, praticamente em todas as obras posteriores haveria as mesmas conclusões do autor, ou seja, o radicalismo sempre latente, a crescente subordinação das seções nacionais ao centro, o voluntarismo e o isolacionismo das análises conjunturais, as informações errôneas e inexatas passadas a Moscou, o decalque da experiência chinesa às realidades locais e a neutralização da política de alianças. (63) Há uma cronologia bastante sintética do período entre 1928 e 1935, da qual se destacam as duras críticas da IC à linha do PCB forjada nos anos de fundação, a gradual aproximação entre socialistas e comunistas na luta antifascista a nível internacional ‒ com maior destaque, porém, aos movimentos de cúpula ‒ e a explosão do antifascismo no Brasil, em outubro de 1934. (64) Lamentando a falta de acesso aos arquivos soviéticos, Canale, ao descrever a 3.ª Conferência, toma-a apenas por suposta, por não haver registros de uma “II Conferência”, e limita-se às revistas da IC então disponíveis, inclusive em russo, e às memórias de participantes do evento, mas já consegue deduzir os erros das informações de “Queiroz” ‒ a quem não identifica como o secretário-geral “Miranda” ‒, a fraqueza do PCB e a alusão às “frentes populares” como linha a seguir. (65) Os detalhes sobre a história da ANL encontram-se nos outros textos do livro, mas Canale também cita o impacto da experiência aliancista nos informes ao 7.º Congresso da IC e as discrepâncias entre a visão do alto escalão internacional, mais afinada com a nova linha frentista, e a dos brasileiros, ainda fortemente impregnada pelo espírito de insurreição. (66)


Objetivos: Nesta pesquisa se buscará definir qual foi a influência da 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central na importante virada tática da IC em seu 7.º Congresso (julho-agosto de 1935), quando se substituiu a linha de “classe contra classe”, que considerava os sociais-democratas como colaboradores do nazifascismo, pela linha das “frentes populares”, que agora os chamava à união contra a ascensão da extrema-direita. Com efeito, desde 1933, a cúpula da IC era pressionada a adotar uma política de alianças mais flexível, com base em experiências de sucesso em curso na Europa, embora outras forças de esquerda tenham considerado atrasada a viragem, diante da proporção já tomada pelos regimes ultradireitistas no continente. Obviamente a mudança não serviu para minimizar os erros de análise da política mundial nas décadas de 1920 e 1930 nem a centralização das atividades da IC nas mãos dos soviéticos. Entretanto, pode-se deduzir alguma influência brasileira nessa virada tática, pois A. L. Prestes, embora presuma serem falsos ou exagerados os relatos da delegação do PCB à 3.ª Conferência, também ressalta o clima de mobilização antifascista predominante no país, contra os aspectos autoritários do regime de Vargas, e a crescente arregimentação de forças progressistas, pacifistas e democráticas que desaguaria na criação da ANL. (67) O PCB, por conta de sua localização estratégica na América Latina e das graves lutas operárias e populares no país em meio às contradições do governo, já era considerado pelos líderes comunistas internacionais uma peça-chave na elaboração das diretrizes para a região, e é muito provável que esse trunfo desse-lhe uma voz não desprezível nos novos direcionamentos do comunismo internacional.

Conforme as primeiras leituras, pôde-se supor que a cúpula da IC, entre 1933 e 1935, apesar de controlar ideologicamente os Partidos Comunistas, não ignorava totalmente as vontades dos militantes ao redor do mundo, mesmo os de base, e que, por isso, sob a intermediação de vários organismos e em uma via de mão dupla, foi pressionada a elaborar aos poucos a nova política de “frentes populares” e repassá-la às seções nacionais nas conferências regionais, impulsionando, assim, as experiências frentistas determinantes na virada tática de 1935. Para o PCB, nesse período, foram marcantes as primeiras manifestações antifascistas em 1933, a 3.ª Conferência latino-americana, preparatória para o 7.º Congresso da IC, e a adesão do Partido à ANL, em maio de 1935. De fato, as estéreis diretivas de “classe contra classe” e de “frente única pela base” eram desobedecidas na prática, o que não passou despercebido à cúpula da IC. O PCB, embora não tenha alterado sua linha política na conferência, foi pressionado a voltar-se às “frentes populares” em formação no Brasil e tornou-se o Partido Comunista mais estimado pela IC na região, dada a presumida situação revolucionária no país. O PCB, enfim, após retificar levemente sua linha política em maio de 1935, tornar-se-ia a força viva por trás da ANL, além da própria cúpula da entidade, e colaboraria na formação de uma conjuntura que certamente, por sua mencionada importância estratégica, inspirou a IC à virada do 7.º Congresso. Foi um caminho entre a IC e a ANL mediado, obviamente, pelo BSA/IC, pelo PCB ‒ no qual a perspectiva da luta armada e o chamado à formação de “sovietes” matizaram a nova orientação ‒ e pela importância do carisma e atuação pessoais de Luiz Carlos Prestes na difusão e adoção pelos aliancistas da consigna do “governo popular nacional-revolucionário”, versão brasileira dos governos de “frente popular”, enquanto a Aliança seria a contrapartida nacional dessa frente.


Metodologia e procedimentos de pesquisa: Esta pesquisa se baseará numa ampla quantidade de livros e material de arquivo com documentos de época produzidos para fins burocráticos ou destinados à publicação e monografias científicas ou dissertativas versando sobre o assunto investigado ou assuntos correlatos, que serão confrontados uns com os outros para confirmar ou retificar o conhecimento existente e responder às questões propostas neste projeto. A bibliografia chamada “secundária” permite ao pesquisador informar-se das principais balizas temporais que recortam o objeto de estudo, das peculiaridades sociais, culturais, políticas e econômicas vigentes no período, das personalidades predominantes nos Estados nacionais ou nos grupos restritos concernidos e dos principais debates e questões que preocupavam os contemporâneos, mas há obras que contêm rico acervo de resoluções partidárias e outros textos inerentes à atividade comunista e mesmo autobiografias e memórias podem servir como um documento em si. A produção guardada em arquivos não pode ser trabalhada como um repositório de informações prontas e incontestáveis, que bastaria copiar na tese para consolidar os argumentos, mas deve ser submetida, por um historiador munido de ferramentas lógico-racionais, à crítica interna que avalie o conteúdo pela maneira como está apresentado e elaborado e à crítica externa que relacione não apenas o conteúdo, mas também características físicas, visuais e datais, aos produtores, instituições, localização geográfica e idiomas em questão. No plano propriamente teórico, a pesquisa se guiará pela inseparabilidade entre todos os componentes de uma sociedade, embora possam ser distinguidos para efeitos de análise; pelo predomínio dos modos de produção e reprodução da vida material na dinâmica de uma formação social, os quais por sua vez também podem ser influenciados por elementos ideológicos ou gregários; pela inviabilidade de considerar as regiões e países do mundo no século 20 tão separados que não pudessem sofrer determinações semelhantes nem intercambiar notícias ou novidades societárias; e pela necessidade de descrever doutrinas e práticas políticas não apenas pela sua fórmula escrita ou pela sua aparição como fato histórico bruto, mas afrontando-as com os indivíduos que as sustentaram, com os condicionantes ambientais a seu desdobramento e com os fatores que lhes proporcionaram surgir e tomar o rosto que tomaram. A pesquisa empírica e bibliográfica, coordenada pelos pressupostos metodológicos, teóricos e técnicos listados acima, resultará na tese de doutorado exigida para a obtenção do grau de doutor em história social, na qual serão expostos os resultados práticos da atividade, na forma dos questionamentos a que se buscou responder, da argumentação que ordena os resultados e das conclusões que enriquecerão e avançarão o conhecimento a respeito do tema.


Fontes: A principal fonte documental será a coleção microfilmada da Internacional Comunista, composta de atas de reuniões, documentos pessoais, questionários congressuais, folhetos propagandísticos e outros materiais relacionados ao movimento comunista e democrático brasileiro ou sua participação nas atividades da IC, e guardada no Arquivo Edgard Leuenroth – Centro de Pesquisa e Documentação Social (AEL) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). (68) Conforme levantamento preliminar realizado no AEL, revelaram-se prioritárias para a pesquisa as séries documentais identificadas respectivamente como atas da 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central e de uma “Consulta junto a Manuilski de representantes do Partido Comunista do Brasil”, datada de 2 a 4 de novembro de 1934, ou seja, imediatamente posterior à conferência. As atas da conferência, divididas em seções matinais (19, 20 e 27 de outubro) e seções noturnas (17, 25 e 28 de outubro), totalizam 200 páginas, enquanto os registros dos encontros com Dmitri Manuilski compõem-se de 59 páginas. Existem ainda 189 páginas identificadas como atas taquigráficas de sessões do SSA/IC e do Secretariado Latino-Americano da IC, incluindo uma intervenção do “camarada Brandon” (provavelmente Octavio Brandão), ocorridas a 25, 26, 28 e 29 de setembro e 8 de outubro de 1935 ‒ portanto, após o 7.º Congresso da IC ‒, mas sobre as quais não há referências na bibliografia especializada e que podem, portanto, ser consultadas, sem constituir por ora objeto prioritário da pesquisa. Poderão ser consultados ainda muitos outros documentos guardados na Coleção Internacional Comunista ou em outras coleções, entre eles jornais, revistas ‒ principalmente as traduções disponíveis de A Internacional Comunista ‒, cartas, anotações pessoais e documentos partidários.


Bibliografia consultada

COSTA, Homero de Oliveira. A insurreição comunista de 1935: Natal, o primeiro ato da tragédia. São Paulo: Ensaio; Natal: Cooperativa Universitária do Rio Grande do Norte, 1995.

DEL ROIO, Marcos. A classe operária na revolução burguesa: a política de alianças do PCB: 1928-1935. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990.

FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (Orgs.). A formação das tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. (“As esquerdas no Brasil”, V. 1.)

FREITAS, Valter de Almeida. ANL e PCB: mitos e realidade. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1998.

HENN, Leonardo Guedes. A Internacional Comunista e a revolução na América Latina: estratégias e táticas para as colônias e semicolônias (1919-1943). São Paulo: Blucher Acadêmico, 2010.

HILTON, Stanley. A rebelião vermelha. Rio de Janeiro: Record, 1986.

MORAES, João Quartim de; REIS FILHO, Daniel Aarão (Orgs.). História do marxismo no Brasil. 2. ed. rev. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. (V. I. “O impacto das revoluções”.)

OLIVEIRA, Marcos Aurélio Guedes de. O Comintern e a Aliança Nacional Libertadora. Recife: Bagaço, 1996.

PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935. 2. ed. rev. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

PRESTES, Anita Leocadia. A Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e do Caribe e os levantes de novembro de 1935 no Brasil. Crítica Marxista, Campinas, SP, n. 22, maio 2006, pp. 132-153.

______. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora: os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/35). São Paulo: Brasiliense, 2008.

RIDENTI, Marcelo; REIS, Daniel Aarão (Orgs.). História do marxismo no Brasil. 1. reimpr. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2007. (V. 5. “Partidos e organizações dos anos 1920 aos 1960”.)

TAVARES, José Nilo (Org.); CANALE, Dario; VIANA, Francisco. Novembro de 1935: meio século depois. Petrópolis: Vozes, 1985.

VIANNA, Marly de Almeida Gomes. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

WAACK, William. Camaradas: nos arquivos de Moscou: a história secreta da revolução brasileira de 1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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Notas (clique no número pra voltar ao texto)

(1) A Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e do Caribe e os levantes de novembro de 1935 no Brasil, Crítica Marxista, n. 22, maio 2006, pp. 132-153. A documentação, por sua vez, descreve a representação como “da América do Sul e Central”, sendo que de fato o nome varia muito entre os livros que tratam do assunto.

(2) Marcos DEL ROIO, O impacto da Revolução Russa e da Internacional Comunista no Brasil. In: J. Q. MORAES e D. A. REIS FILHO (orgs.), História do marxismo no Brasil, v. I, p. 107, nota 48, afirma que “II Conferência”, na verdade, foi a renomeação posterior de um pleno ampliado do SSA/IC, relatado na p. 101 do artigo. Del Roio lembra ainda, na p. 103, que com o golpe de Estado na Argentina (setembro de 1930), o SSA/IC se transferiria para Montevidéu e se reorganizaria com o nome de Birô Sul-Americano da IC.

(3) Para esta descrição fatual, foram consultados os seguintes artigos (em ordem cronológica), que complementam as obras confrontadas na seção “Justificativa e debate bibliográfico”, conforme os resultados de novas pesquisas em fontes pouco ou não exploradas antes, mas sem prejudicar as conclusões principais dos livros: Marcos DEL ROIO, O impacto da Revolução Russa..., op cit., pp. 59-121; A. L. PRESTES, A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit.; Marcos DEL ROIO, Os comunistas, a luta social e o marxismo (1920-1940). In: M. RIDENTI e D. A. REIS (orgs.), História do marxismo no Brasil, v. 5, pp. 11-72; Marcos DEL ROIO, A gênese do Partido Comunista (1919-29); Roberto Mansilla AMARAL, Astrojildo Pereira e Octávio Brandão: os precursores do comunismo nacional; Marly de Almeida Gomes VIANNA, O PCB: 1929-43. In: J. FERREIRA e D. A. REIS (orgs.), A formação das tradições (1889-1945), respectivamente pp. 223-248, 249-272 e 331-363.

(4) Em ordem cronológica: J. N. TAVARES (org.), D. CANALE e F. VIANA, Novembro de 1935: meio século depois; S. HILTON, A rebelião vermelha; M. DEL ROIO, A classe operária na revolução burguesa: a política de alianças do PCB: 1928-1935; P. S. PINHEIRO, Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935; M. A. G. VIANNA, Revolucionários de 35: sonho e realidade; W. WAACK, Camaradas: nos arquivos de Moscou: a história secreta da revolução brasileira de 1935; H. O. COSTA, A insurreição comunista de 1935: Natal, o primeiro ato da tragédia; M. A. G. OLIVEIRA, O Comintern e a Aliança Nacional Libertadora; A. L. PRESTES, Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora: os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/35) (lançado inicialmente em 1997); V. A. FREITAS, ANL e PCB: mitos e realidade; L. G. HENN, A Internacional Comunista e a revolução na América Latina: estratégias e táticas para as colônias e semicolônias (1919-1943). O livro de Henn é a única exceção no recorte temático e temporal. Várias obras e memórias sobre o PCB, consagradas e mais gerais, já tiveram suas contribuições principais aproveitadas nas monografias citadas acima.

(5) Cf. A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit.; Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional..., op. cit.

(6) Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional..., op. cit., pp. 73-75.

(7) Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional..., op. cit., pp. 75-76.

(8) Ibid., p. 76; A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit., p. 146. Ainda em A. L. PRESTES, Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional..., op. cit., p. 76, a autora nega, conforme análise das atas taquigráficas, que na 3.ª Conferência tenha-se dado qualquer ordem para uma insurreição armada no Brasil, embora tal perspectiva, não alterada pelo evento, já fizesse parte da tática e da estratégia do PCB e fosse o único meio concebido pela IC para levar o processo revolucionário à vitória, ainda mais diante do relato de uma situação revolucionária no país. Cf. também A. L. PRESTES, A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit., pp. 133-138.

(9) A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit., pp. 140-143.

(10) L. G. HENN, A Internacional Comunista e a revolução..., op. cit., pp. 153-160, 162, 167 e 179-180.

(11) Ibid., pp. 182-183, 216-217 e 219.

(12) Ibid., pp. 187-189, especialmente p. 187, nota 4.

(13) Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional..., op. cit., p. 65, nota 69.

(14) A classe operária na revolução burguesa..., op. cit., p. 273; ver notas 2 e 3 deste projeto.

(15) L. G. HENN, A Internacional Comunista e a revolução..., op. cit., p. 180.

(16) Ibid., p. 183. A. L. PRESTES, A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit., pp. 137-138, afirma, ao contrário, que Prestes, estando no exílio há alguns anos, não tinha informações fatuais suficientes para contestar os “exageros” passados na 3.ª Conferência, na verdade, por “Miranda”, e que o próprio Prestes, impressionado pelos relatos, decidiu voltar ao Brasil.

(17) L. G. HENN, op. cit., p. 91, nota 70. No mesmo trecho, o autor contrapõe esse pedido de apoio à suposta incitação, pela IC, de insurreições no país e afirma que, na verdade, a decisão sobre elas teria sido deixada ao próprio PCB, encarregado de realizar, antes, uma avaliação conjuntural ‒ realizada, de fato, mas de modo equivocado. É a mesma conclusão a que haviam chegado A. L. PRESTES, A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit., p. 153, e A. L. PRESTES, Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional..., op. cit., pp. 138-140.

(18) V. A. FREITAS, ANL e PCB..., op. cit., pp. 19-21.

(19) Ibid., pp. 151-152.

(20) Ibid., pp. 160-161.

(21) V. A. FREITAS, ANL e PCB..., op. cit., pp. 92-94, 112-113 e 116-117.

(22) Ibid., pp. 143-147.

(23) A insurreição comunista de 1935..., op. cit., p. 13.

(24) Ibid., pp. 17-30.

(25) E também M. DEL ROIO, op. cit.

(26) H. O. COSTA, A insurreição comunista de 1935..., op. cit., pp. 24-26.

(27) Conforme anunciado em O Comintern e a Aliança Nacional Libertadora, pp. 15 e 22. Ambos membros do Comitê Executivo da IC, Georgi Dimitrov se tornaria secretário-geral do órgão no 7.º Congresso internacional e Wang Ming (pseudônimo de Chen Shaoyu) era o responsável da cúpula pelos países asiáticos e latino-americanos.

(28) Ibid., pp. 12-13 e 14-17.

(29) Ibid., pp. 20-22.

(30) Camaradas..., op. cit., pp. 19-20.

(31) Ibid., pp. 69-71.

(32) Ideia compartilhada por A. L. PRESTES, Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional..., op. cit., pp. 75-76, e A. L. PRESTES, A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit., pp. 134-137.

(33) W. WAACK, Camaradas..., op. cit., pp. 70-74. Também existem no AEL/Unicamp as atas em russo de encontros da delegação brasileira com Dmitri Manuilski, secretário do Comitê Executivo da IC, ocorridos entre 2 e 4 de novembro de 1934 e que certamente constituirão outro objeto da pesquisa. Ver seção “Fontes” deste projeto.

(34) W. WAACK, op. cit., p. 76.

(35) Ibid., pp. 116-118.

(36) Ao contrário de M. A. G. OLIVEIRA, O Comintern e a Aliança Nacional Libertadora, e de V. A. FREITAS, ANL e PCB..., op. cit.

(37) W. WAACK, op. cit., pp. 118 e 122-125.

(38) Ibid., pp. 166-170.

(39) M. A. G. VIANNA, Revolucionários de 35..., op. cit., pp. 18-19 e 117.

(40) Ibid., pp. 108-109. Como visto acima, W. Waack sequer menciona esse processo prévio de acumulação de forças antes da criação da ANL, embora ambos os autores concordem que a Aliança não foi criada por ordem da IC.

(41) M. A. G. VIANNA, op. cit., p. 110. Sobre o carisma de Prestes, ver também a seção “Objetivos” deste projeto. Sobre a permanência da ideologia “tenentista”, comparar com A. L. PRESTES, Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional..., op. cit., pp. 149-150, para quem os militares que se insurgiram em 1935 já não eram mais “tenentistas”, mas “seguidores de Prestes”, o qual aderira ao comunismo em 1930 e dele extraíra boa parte da inspiração para as palavras de ordem da ANL. Por outro lado, ainda na p. 110, Vianna fala em simples “mudança” no antigo programa dos “tenentes”, que não teriam rompido com o citado elitismo político, e conclui explicitamente, na p. 305, que “A ANL foi essencialmente uma continuação do tenentismo”.

(42) M. A. G. VIANNA, op. cit., pp. 142-149. Vianna escreve, inclusive, nas pp. 58-59, assim como faria V. A. Freitas, que qualquer manifestação popular e qualquer protesto camponês isolado eram vistos como focos potencialmente revolucionários de luta armada. Ver nota 19 deste projeto.

(43) M. A. G. VIANNA, op. cit., pp. 113 e 116-117.

(44) Ibid., pp. 113-114. Da mesma forma também o faria A. L. PRESTES, A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit., pp. 134-135.

(45) M. A. G. VIANNA, op. cit., pp. 155-158.

(46) Estratégias da ilusão..., op. cit., pp. 11-14 e 296-297. Na p. 217, Pinheiro detalha e aprofunda a concepção “militarista” própria de Prestes, afirmando terem sido suas constantes mudanças de aliados não exatamente fruto de transformações ideológicas, mas de mudanças táticas conformes à mesma visão estratégica do Estado como uma fortaleza a ser conquistada pelas armas. Comparar, na nota 41 deste projeto, com as opiniões de M. A. G. Vianna e A. L. Prestes sobre a permanência ou ruptura dos seguidores de Prestes com o “tenentismo”.

(47) Ibid., pp. 25 e 47-48.

(48) Ibid., pp. 275-279. A única fonte documental sobre a 3.ª Conferência, citada na p. 366, é o informe de “Miranda”, publicado na edição de 20 de maio de 1935 da revista The Communist International.

(49) Ibid., pp. 289-292.

(50) Ibid., pp. 271-275. As notas não numeradas sobre essa parte, na p. 365, revelam a recorrência de Pinheiro apenas às obras mais gerais, principalmente norte-americanas, então existentes sobre o período e sobre a ANL, sem análise exaustiva de jornais ou outra documentação primária, confirmando uma atenção menor dada pelo autor à década de 1930, ao contrário dos anos 1920, largamente descritos e documentados no livro.

(51) Ibid., pp. 292-295 e 314.

(52) A classe operária na revolução burguesa..., op. cit., pp. 12-16.

(53) Ibid., pp. 97-98 e 122-125. Del Roio, nas pp. 15-16 e 317, também culpa o “prestismo-stalinismo” pelo decalque de um “caminho chinês” ao processo revolucionário brasileiro, e P. S. PINHEIRO, Estratégias da ilusão..., op. cit., também ressalta em vários momentos, ao longo dos capítulos 15 a 18, o quanto a China pesou como modelo analítico para o Brasil, especialmente na 3.ª Conferência latino-americana e no 7.º Congresso da IC.

(54) M. DEL ROIO, A classe operária na revolução burguesa..., op. cit., pp. 237-248 e 253-256.

(55) Ibid., pp. 270-274. Del Roio usa somente as memórias de Heitor Ferreira Lima e de Cristiano Cordeiro para descrever a conferência e mantém várias afirmações no campo da hipótese ou da suposição.

(56) Ibid., pp. 261-264, 267-268 e 274-277.

(57) A rebelião vermelha, pp. 13-14.

(58) S. HILTON, A rebelião vermelha, capítulo II.

(59) Ibid., pp. 51-55. Sobre a “culpa” dos comunistas pelo estado de ditadura e pelo golpe de 1937 e sobre a aproximação gradual do regime de Vargas com o nazifascismo, cf. também as pp. 91-93 e 148 e o capítulo VII. P. S. PINHEIRO, Estratégias da ilusão..., op. cit., pp. 269-272, ao contrário, já vê o Governo Provisório de 1930 a 1934 como uma ditadura em que o Executivo governava sozinho e as liberdades civis não estavam garantidas.

(60) S. HILTON, A rebelião vermelha, pp. 29-30.

(61) Ibid., p. 59.

(62) Dario CANALE, A Internacional Comunista e o Brasil (1920-1935). In: J. N. TAVARES (org.), D. CANALE e F. VIANA, Novembro de 1935: meio século depois, pp. 96-97 e 141.

(63) Ibid., pp. 98-103 e 107.

(64) Dario CANALE, A Internacional Comunista e o Brasil (1920-1935), op. cit. pp. 108-122.

(65) Ibid., pp. 123-124.

(66) Ibid., pp. 130-136.

(67) A Conferência dos Partidos Comunistas..., op. cit., pp. 140-143.

(68) Existe também uma cópia da mesma coleção no Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (CEDEM/UNESP), à qual se poderá recorrer caso sobrevenham fatores adversos durante a pesquisa no AEL.