segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

César Tralli e o Nadesdim... Nadesim...


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Infelizmente, pra variar, a abordagem de nossa mídia hegemônica ainda parece muito com a de velhas páginas humorísticas como “Enquanto isso na Rússia”. O gigantesco país que pode se fragmentar a qualquer momento ainda é visto na Banânia como um espaço exótico e assustador, numa espécie de “paraorientalismo”. E adiciono esse “para” porque não tem como rejeitar a herança europeia na formação da cultura russa, desde a origem viquingue (varegue) da Confederação da Rus, passando pela língua eslava, pela cristianização e pelo esforço modernizante de Pedro 1.º, o Grande, até chegar no bolchevismo, uma invenção tipicamente ocidental.

Sempre que posso, tento trazer aqui direta ou indiretamente, geralmente usando fontes da mídia liberal anti-Putin em russo (TV Rain, Meduza, Sotavision, Novaya Gazeta Europe, Radio Svoboda, Aleksei Pivovarov), alguma coisa sobre os bastidores da invasão à Ucrânia e, mais importante, os problemas internos da Rússia que poucos entendem ou não querem entender. Mais do que o belicismo do Kremlin, acho um serviço de utilidade pública fazer o Brasil entender sem estereótipos, mesmo os positivos demais, os problemas que Moscou não consegue resolver, às vezes a milhares de quilômetros de distância da capital, pois esse caos é grande parte responsável ou pelo apoio tácito a Putin, ou pela distância (ainda mais perigosa) de qualquer coisa relacionada à política, portanto pelo escapismo informativo.

Ninguém tinha esperanças de que, saído das sombras do putinismo e até pouco tempo participando daqueles talk shows malucos da TV central, embora já mostrando opiniões críticas, Borís Nadézhdin fosse representar um perigo real ao ditador ou fosse realmente admitido num simulacro de disputa justa. O meme acima, que consegui encontrar pelo Google, resume um pouco dessa minha opinião. Os outros três candidatos que sobraram não podem nem querem criticar abertamente o poder vigente. É claro que, por não acompanharem o fio completo dos acontecimentos (eu, por exemplo, vejo essas notícias todo dia), os repórteres brasileiros, quando são desafiados a falar ocasionalmente algo a respeito, se embananam todos ao encadearem os fatos e engasgam na pronúncia dos nomes próprios. E entendo de fato que ninguém no Brasil, mesmo os jornalistas (a não ser que se especializem no assunto), é obrigado a conhecer a pronúncia mais ou menos aproximada, mas podia pelo menos haver uma preparação prévia. Ainda mais que nesses casos, justamente como nossos profissionais raramente conhecem outra língua estrangeira que não o inglês, acabam ficando caudatários das mídias anglo-saxãs quando se trata de algo fora das Américas ou da Europa Ocidental.

Parece ter sido esse o caso de César Tralli no Jornal Hoje de 8 de fevereiro, quando noticiou a recusa da Comissão Eleitoral Central (conhecida como TsIK, que Tralli chama de “Comitê”) de aceitar a candidatura de... como afinal se lê aquela transcrição “Nadezhdin”? O genro da Garota agora idosa de Ipanema se enrolou todo e alternou entre “Nadesdím” e “Nadesím” no susto. Me deu a impressão que ele sequer preparou um prompt ou um roteiro, e traduziu de cabeça alguma matéria em inglês no improviso. Não estou o criticando ou o chamando de burro, e sim zoando com uma situação que não foi constrangedora, mas pra mim pelo menos ficou engraçada! Vamos começar pelo nome: não precisamos realizar a pronúncia de “Борис Надеждин” o mais próximo possível da original russa, que ficaria algo como “baríss nadiéjdin”, ainda mais que nos é estranho ver um “o” não tônico e o pronunciar “a”. Já daria muito bem pro gasto “boríss nad(i)éjdin”, lembrando que em português, tanto antes de “m” quanto de “n” costumamos nasalizar as vogais, enquanto o russo distingue claramente ambas as consoantes.

Outra coisa interessante é que em português o nome Boris é pronunciado com o “o” tônico, porque provavelmente veio por intermédio do inglês ou do alemão: quem não se lembra de Boris Ieltsin, sobretudo quando William Bonner anunciou sua famosa dancinha bizarra em Rostov-na-Donú durante a campanha à reeleição de 1996? Mas em russo, o “i” que é a vogal tônica. Não acho isso propriamente um erro. Mas a falta de familiaridade com o tema (que considero parte de um problema mais amplo de falta de cultura geral entre nossos jornalistas) faz Tralli se enroscar também em outras partes da narração, que apontei no vídeo montado. Ele chama em dado momento, por exemplo, o Comitê (na verdade, Comissão) Eleitoral de “Comitê Central”, talvez tendo em mente o CC dos antigos partidos comunistas; a pronúncia involuntária de “Kremlin” com sotaque inglês; a palavra “recusa” vira “refusa [sic]”, e isso reforça minha hipótese de leitura em inglês, pois seria um decalque de refuse ou refusal (duvido que do esperanto rifuzi, rs!); e boa parte da locução fica truncada com interrupções ou alongamentos, como no cômico instante em que ele mal consegue se lembrar do cargo que Putin ocupa!

É como eu disse, meu objetivo foi mais zoar do que ofender ou criticar (se quis criticar, foi mais a formação de nossos jornalistas e a abordagem de certos temas por nossa mídia hegemônica, mesmo), e o jornalismo da TV Globo é cheio de momentos bizarros como esse. Por fim, não poderia deixar de recomendar esta extensão pra navegadores com a tecnologia Chromium, sem a qual esta montagem teria sido inviável. Por anos trabalhei com uma extensão semelhante que me permitiu caçar muita coisa das grandes emissoras e sites, mas infelizmente, numa das formatações do computador, ela se foi junto com os dados do Chrome porque eu não tinha salvo seu nome nem seu endereço!



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