Quando a junta militar que governa o Níger há mais de dois meses tomou o poder do presidente Mohamed Bazoum, em mais um enésimo golpe nessa região da África em poucos anos, acabei conhecendo a Télé Sahel, que é o canal de TV oficial daquele país. Ela transmitia a maioria dos eventos políticos de então, às vezes em inumeráveis reprises, com uma versão ao vivo no site oficial e algumas versões gravadas no YouTube. Enquanto ficou disponível na plataforma, consegui baixar uma dessas gravações ao vivo e achei o que descobri ser o hino nacional do Níger recém-adotado, pouco antes do golpe e que agora pode correr o risco de ser associado a esse período. As informações abaixo são traduções das Wikipédias em inglês e alemão, e na maioria das versões há pouca ou nenhuma informação sobre o novo hino. Acredito que em português esta publicação é a primeira, ou uma das primeiras, a explicar a canção e dar sua tradução literal.
L’Honneur de la Patrie (A Honra da Pátria) é o hino nacional da República do Níger, adotado em 22 de junho de 2023 pra substituir La Nigérienne (A Nigerina), adotada em 1961, um ano após o país ganhar a independência e deixar de ser uma colônia da França. De fato, o próprio hino tinha sido composto em 1961 pelos franceses Maurice Albert Thiriet (letra), Robert Jacquet e Nicolas Abel François Frionnet (melodia), na esteira da descolonização dos países da África Ocidental. Em 2019, o presidente Mahamadou Issoufou anunciou que estava planejando substituir La Nigérienne, pois reclamava-se que sua letra podia ser interpretada como uma demonstração de gratidão para com a antiga potência colonial: um dos versos mais visados era sobre serem “orgulhosos e gratos pela recém-obtida liberdade”. Estabeleceu-se um comitê de 15 especialistas nativos pra deliberar sobre o hino de então e, se fosse necessário, criar um novo hino, até que finalmente o parlamento do Níger adotou L’Honneur de la Patrie em substituição a La Nigérienne.
A iniciativa partiu, entre outros, de Assoumana Malam Issa, então Ministro do Renascimento Cultural, e o projeto foi fortemente apoiado por representantes de organizações juvenis e estudantis. O referido comitê incluiu membros do governo, especialistas, artistas e outros trabalhadores da cultura, presididos por Amadou Mailallé, mas com a garantia de que a sociedade civil em todas as regiões do país também se envolvesse sem qualquer pressão com prazos. Não foi especificado desde o início até que ponto as mudanças deveriam ser feitas e se elas afetariam apenas o texto ou a melodia também. O comitê viu uma análise crítica de La Nigérienne como sua tarefa mais importante, mas inicialmente também pediu propostas pra um novo hino nacional e fez uma seleção preliminar de três canções das 38 inscritas. Em fevereiro de 2020, o comitê disse que tinha levantado uma série de metas que iam desde como elaborar um hino até seu conteúdo programático. Após alguns meses de trabalho, o projeto quase foi suspenso.
O governo do presidente Mohamed Bazoum retomou o projeto e, sob a égide do Ministério da Cultura, reativou o comitê de Amadou Mailallé. O amplo envolvimento originalmente planejado do público ou a oportunidade para os indivíduos contribuírem com sugestões não ocorreu. O comitê elaborou em grande parte as etapas finais por conta própria. Em 24 de março de 2022, o governo anunciou que estava elaborando uma emenda constitucional pra um novo hino nacional, intitulado L’Honneur de la Patrie, contendo nova letra e nova melodia.
Em 22 de junho de 2023, a Assembleia Nacional aprovou a emenda constitucional que aboliu La Nigérienne e tornou L’Honneur de la Patrie o hino nacional do Níger. Ao mesmo tempo, foram divulgados o texto e a música elaborados pelo comitê de especialistas. O novo hino almeja promover a igualdade, liberdade, fraternidade, patriotismo e unidade nacional em conexão com o pan-africanismo e captar as dimensões do social, do cultural e da autodeterminação.
Eu mesmo traduzi diretamente a letra do francês, mas não inseri legendas em português no clipe da Télé Sahel (Partout et pour tous: Em toda parte e pra todos, rs). Lembrando que o Níger é o rio que dá nome ao país, e o Ténéré é um grande deserto que cobre parte do Níger e do Chade, nação vizinha. Pra acelerar o serviço, passei o texto no Google Tradutor e depois confrontei com o original pra corrigir as incoerências causadas, em parte, pela ausência de pontuação e de uniformidade ao usar iniciais maiúsculas. A tradução final é de minha lavra, mas mantive parte da falta de pontuação e o uso incoerente de iniciais maiúsculas:
Des rives du Niger aux confins du Ténéré
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