domingo, 16 de outubro de 2022

Qual dialeto do árabe aprender?


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por Erick Fishuk


Essa pergunta já apareceu em muitos vídeos no YouTube, porque quando alguém se põe a aprender árabe ou começa a descobrir material pra aprendizado autodidata na internet, acaba descobrindo que o que genericamente chamamos de “língua árabe” está longe de constituir uma unidade coerente e indistinguível. Isso acaba desanimando os iniciantes e os mais entusiasmados, pois, se por um lado, a própria língua padrão formal é de aprendizado consideravelmente difícil, por outro lado, não é uma variante usada cotidianamente pelas pessoas que falam árabe como idioma materno, nem mesmo na mídia de entretenimento popular.

Mas à pergunta “Qual dialeto do árabe falado devo aprender pra poder ser compreendido em qualquer lugar?”, infelizmente devo começar repetindo aquela resposta padrão, onipresente entre os youtubers de quase todas as origens: isso vai depender de seus objetivos e do quanto você deseja se aprofundar no estudo da língua e na imersão cultural. Simples assim. Porque uma coisa é você estudar “o árabe” como um objeto de conhecimento erudito, e outra coisa é você ir morar num país de língua e cultura árabes (lembrando que nem todo país muçulmano é necessariamente árabe ou faz uso amplo da língua árabe) e ter de trabalhar, se divertir, se virar ou ter relacionamentos amicais ou amorosos. Obviamente uma coisa não exclui a outra, mas como nem todos têm tempo, vontade ou talento pra multiplicar seus conhecimentos, quase sempre o aprendizado dos dialetos deverá ser a via mais fácil pra “viver a vida de verdade” no mundo árabe.

A sugestão de uma resposta personalizada a cada situação ou indivíduo deve começar pela compreensão de “quantos árabes” existem e podem ser aprendidos. Aqui nos encontramos com pelo menos três camadas de apreensão, sendo a segunda e a terceira as mais importantes pra nossos propósitos. A versão mais culta e complicada da língua árabe (que, como pertencente ao ramo semítico da grande família linguística afro-asiática, é diretamente relacionada ao hebraico, ao aramaico – incluindo o caldeu moderno (sureth) –, o maltês e o amárico – falado na Etiópia) é baseada na linguagem codificada pelo Alcorão, o livro sagrado da religião islâmica. Ao longo dos séculos, a versão canônica do Alcorão foi sendo estabelecida pelas sucessivas lideranças religiosas, mas devemos lembrar que a atuação do profeta Maomé remonta ao século 7, ou seja, uma realidade muito distante da nossa. Na sequência, as conquistas territoriais muçulmanas levaram a uma padronização dessa língua, chamada de árabe clássico (ou corânico), que passou a ser a referência última em matéria de gramática. Mas, é claro, com a arabização dos territórios conquistados, foram surgindo os muitos dialetos que hoje conhecemos, misturados também com outras línguas já faladas nas regiões; lembremos que a península Ibérica também foi colonizada por muitos séculos, e além de ter sido falado aí até o século 17 o dialeto al-andalusiyya (não confundir com o moçárabe, que geneticamente era uma língua ibero-romance), muitas palavras árabes entraram no português e no espanhol modernos.

Até inícios do século 20, boa parte dos países árabes que conhecemos hoje, tanto o norte da África quanto a península Arábica e a região do Levante, estavam sob o domínio do Império Turco-Otomano, cuja língua oficial era uma variante do turco (que é uma língua da família túrquica, e não do ramo semítico) grafada com uma adaptação da escrita árabe e repleta de vocábulos árabes e persas. Com a proclamação da república por Mustafá Kemal Atatürk, o turco moderno adotou o alfabeto latino e passou por um processo de depuração que o livrou de boa parte das palavras estrangeiras e priorizou material “autenticamente” turco ou túrquico. Mas isso não vem ao caso. Ocorre que com as rebeliões árabes do século 19 e a dissolução do Império Otomano (que já tinha perdido vários territórios em guerras anteriores) após a 1.ª Guerra Mundial, grandes porções do norte da África e do que hoje chamamos genericamente de “Oriente Médio” foram divididas em países que, inicialmente, passaram por uma fase de tutela, protetorado ou colonização pelas potências europeias ocidentais, ou se tornaram reinos independentes (Arábia Saudita, 1932), mas politicamente vinculados àquelas. Já no século 19, a consciência de certa unidade do mundo árabe por intermédio da religião muçulmana e da língua árabe clássica, na esteira dessas revoltas emancipatórias, levou à modernização e à adaptação da variante corânica pra dar origem ao árabe padrão moderno, às vezes referido somente como árabe padrão ou pela sigla inglesa “MSA” (Modern Standard Arabic). Ele se tornou o idioma da comunicação internacional, da literatura, da política, da diplomacia, da grande mídia, da legislação e da educação básica e superior, uma espécie de “esperanto” do mundo árabe, muçulmano ou não, e com prestígio inclusive entre os adeptos não árabes do islã.

É preciso ressaltar que pelo nome al-arabiyya al-fus-haa, literalmente “o árabe eloquente”, seus falantes compreendem tanto o árabe clássico quanto o padrão moderno, na verdade tratando o segundo como uma continuidade ou evolução do primeiro. A diferença básica está na sintaxe – ou seja, o modo como as frases são estruturadas – e no vocabulário, que teve de incorporar as realidades modernas, sobretudo no tocante à ciência e à tecnologia. Via de regra, é o árabe padrão moderno, o fus-haa, que os estudantes estrangeiros da língua aprendem.

Contudo, por que se fala em “dialetos”? Na verdade, dialeto é um nome eufemístico, porque de fato se trata de verdadeiras línguas autônomas, praticamente ininteligíveis umas com as outras – daí, portanto, a importância de haver um padrão comum em determinadas situações. Por que esses dialetos surgiram? É preciso lembrar primeiramente que a fonte de todos eles é o próprio árabe clássico ou padrão, portanto o aprendizado deste ajuda imensamente na compreensão do funcionamento dos dialetos (embora não em seu entendimento imediato) e pode ser a porta de entrada pra maioria deles. Como línguas faladas de uso cotidiano, muito raramente escritas em textos longos ou informativos, os dialetos são muito mais simples e muito mais fáceis de aprender, porque simplificam vários pontos da língua formal, como a fonologia, a sintaxe e a gramática. A dialetação da língua árabe foi um processo natural, primeiramente porque ela não podia permanecer uniforme ao se expandir por um espaço geográfico tão grande – como foi, de fato, o caso da língua inglesa –, e aí também entram as influências de outros idiomas que já eram falados nas zonas de conquista ou que foram se adicionando em ondas migratórias. Em segundo lugar, porque a vida humana prática e cotidiana requer necessidades bem mais simples, portanto um vocabulário mais limitado e estruturas mais ágeis (que sirvam simplesmente pra “cimentar” o material bruto) do que a rebuscada variante do Alcorão, e isso vemos na forma coloquial de qualquer idioma, inclusive do português. Em suma, como os “dialetos” são na verdade a língua materna dos falantes de “árabe”, até mesmo pra eles o MSA deve ser aprendido na escola como uma língua estrangeira, o que faz com que eles em algum grau entendam e até falem a variante padrão, sobretudo na comunicação com o mundo não árabe. Os veículos de comunicação e informação que citei acima utilizam o árabe padrão ou alguma variação simplificada dele, como eu disse, enquanto os “dialetos”, que via de regra não são escritos (exceto, obviamente, nas redes sociais e em mensagens privadas online, muitas vezes utilizando alguma variante de transliteração latina) nem têm um sistema de grafia padrão, podem aparecer em diálogos de peças teatrais ou romances e, misturados com o idioma culto, nos discursos de alguns políticos. Em geral, um árabe com educação média pode falar, escrever e entender o fus-haa, mas isso em graus muito variados, seja pela própria falta de instrução formal, seja pelo uso de outras línguas na vida cotidiana; certa vez, uma jovem argelina me disse no Facebook que estava “esquecendo o árabe padrão” porque em seu trabalho de veterinária, usava muito mais o francês, e na comunicação diária, seu dialeto argelino. Por isso eu disse que é tão importante aprendermos algum dialeto se quisermos mesmo “sair na chuva”.

Muitos brasileiros sempre perguntam a especialistas se a diferença entre o árabe padrão e os dialetos é a mesma que existe entre português literário (norma culta padrão) e português coloquial, mesmo se levarmos em conta apenas o Brasil – pra não dizer entre as variantes mais difundidas na América do Sul e em Portugal. Na verdade, não, porque é como se estivéssemos mesmo falando de duas línguas diferentes, de forma que o domínio do fus-haa e de um dialeto configura uma situação prática de bilinguismo, o que não se verifica no Brasil e em Portugal, onde a rigor um falante e leitor culto apenas do português é considerado a rigor um monoglota. Como escrevi, o MSA (do ponto de vista estritamente linguístico) é uma invenção bem recente, data do século 19, assim como a consciência de certa unidade ou coesão entre os países árabes e o estabelecimento, com todas as suas limitações, de sistemas de educação universal. Talvez a comparação mais próxima, inclusive observando o papel da religião na imposição de um idioma canônico, seja entre o latim e as línguas românicas que dele derivaram. Ainda assim, temos de ter consciência que, mesmo na Idade Clássica, o latim falado – ou antes, os latins falados, verdadeiros pais das línguas romances – era muito diferente e mais simples do que o latim clássico que aprendemos nos livros, o qual se concentra essencialmente nas grandes obras literárias do século 1 antes de nossa era, no máximo até o século posterior. Contudo, por diferenças de evolução histórica, o latim foi perdendo inclusive seu papel de idioma internacional da ciência e das humanidades a partir do século 18, com o florescimento dos Estados nacionais europeus, enquanto o árabe clássico, num movimento inverso, foi readaptado pra servir de língua comum entre esses países que, de resto, seguem divididos em fronteiras estatais. Há muito também que a unidade religiosa do mundo cristão ocidental estava quebrada – no mundo ortodoxo, o grego e o eslavônio ocuparam a proeminência litúrgica –, o latim perdia a importância entre os protestantes, e desde o Iluminismo a laicização das instituições e consciências ganhava terreno.

Mesmo que o objetivo seja apenas aprender um dialeto pra comunicação diária ou pra convivência comum, sem pretensões científicas ou literárias, ainda assim julgo muito importante aprender os rudimentos do árabe padrão, ou seja: 1) a escrita consonantal, chamada de abjad, que tem muitas outras peculiaridades pra além do fato de não exibir as vogais em textos correntes e de ter as letras “coladas” entre si, ao invés de justapostas, como nos alfabetos europeus e caucasianos; 2) a fonologia, muito distinta de qualquer língua europeia, e cujas difíceis consoantes “enfáticas” dão o som característico ao ouvido não acostumado; 3) o básico da gramática, especialmente no que concerne ao sistema de raízes triconsonantais, que dão uma vinculação de sentido após a aplicação de vários padrões de flexão, como kataba (ele escreveu), kitaab (livro), maktuub (um escrito, algo escrito), maktab (escrivaninha ou escritório), kaatib (escritor) e maktaba (livraria ou biblioteca), palavras todas relacionadas ao trio k-t-b e à sua ideia geral de “escrever” ou “escrita”; 4) língua não é algo separado de cultura, portanto o conhecimento dos costumes locais é importante, e com certeza do islã, que muito influenciou em várias expressões cotidianas.

Existem alguns traços do árabe padrão que podem ser simplificados na comunicação cotidiana, e geralmente o são, já que o uso extensivo, por exemplo, de terminações de caso é mais característico da língua corânica – e não por acaso, a recitação correta do texto sagrado faz com que todas as versões do Alcorão sejam impressas com os sinais que indicam as vogais curtas (harakaat, ou “movimentos” em árabe) ou sua ausência. Por exemplo, ismuka e ismuki (“teu nome”, respectivamente a um homem e a uma mulher) podem ser ditos ismak e ismik, e uma frase como As-sayyaratu l-mudarrisi jadiidatun (O carro do professor é novo) pode ser tornar As-sayaara al-mudarris jadiida. As saudações Marhaban, ahlan wa sahlan podem ser ditas Marhaba, ahlaw sahla, sem alterações na ortografia não vocalizada. E na oralidade, mesmo a assimilação da letra ele do artigo definido al- antes de palavras iniciadas por certas consoantes pode não se dar, como ocorre no dialeto egípcio: al-nuur, al-salaam e al-timsaah ao invés dos esperados an-nuur, as-salaam e at-timsaah, por exemplo.

Mas como fica nossa pergunta inicial? Qual deve ser a resposta a quem pergunta sobre o melhor dialeto do árabe, ou o dialeto “ideal” ou “mais correto” pra aprender?

Em parte, já dei a resposta: se, como em meu caso atual, seu objetivo não é imediatamente viajar pra ou morar em algum país árabe, o ideal é tomar o idioma como simples objeto de estudo, mais ou menos erudito, ou seja, conhecer com alguma profundidade seus elementos essenciais. Isso pode ser feito com métodos ou canais do YouTube que se limitem à parte conversacional – ou seja, frase do dia a dia, palavras básicas e outros rudimentos de comunicação ou compreensão imediata – ou com materiais que mergulhem mais fundo nos detalhes gramaticais mais complexos. O estudo da variante fus-haa mais ou menos simplificada, nesse caso, ajuda a ter uma visão de conjunto do árabe e prepara com relativa competência pra qualquer dialeto que entre em seu caminho. Se tiver algum contato presencial ou online pra poder praticar ou tirar dúvidas, melhor ainda!

Mas e os dialetos? Bem, existem pelo menos cinco grupos deles: os magrebinos (Argélia, Tunísia, Marrocos e Líbia), o egípcio (mais ou menos relacionado com o sudanês e o chadiano), os levantinos (Líbano, Palestina, Síria e Jordânia), os mesopotâmicos (basicamente o iraquiano, também falado em partes da Síria e da Turquia) e os peninsulares (Kuwait, Arábia Saudita e outras monarquias vizinhas, além de parte da costa africana). Os dialetos levantinos – e não os peninsulares, ironicamente –, em especial o libanês, são os mais parecidos com o árabe padrão, além do que existe uma grande diáspora libanesa pelo mundo, sobretudo no Brasil, onde muitos descendentes buscam cada vez mais suas raízes. Em geral eles são entendidos na maioria dos países arabófonos, mas nem sempre: é preciso conferir caso a caso. Os menos recomendados pra quem deseja uma comunicação mais internacional ou próxima do fus-haa são os dialetos magrebinos, chamados genericamente de daarija (“comum, cotidiano”): a maioria das vogais curtas é elidida, a sintaxe é completamente diferente (há uma grande influência das línguas berberes locais) e o vocabulário, ao contrário de outros dialetos do árabe, é recheado de palavras berberes, francesas, espanholas e portuguesas. Na TV tunisiana, por exemplo, é comum expressões ou frases inteiras em francês serem enxertadas no meio da fala árabe, ou mesmo as línguas se intercambiarem a todo momento, num curto espaço de tempo. Portanto, a não ser que você seja um dialetólogo, um estudioso da região ou um candidato a habitante do Marrocos, Argélia ou Tunísia (Líbia anda meio difícil...), esqueça o grupo de dialetos magrebinos, pois quase nenhum árabe de fora entende.

E o chavão retorna com força: escolha o dialeto que vai ter alguma relação direta com sua vida pessoal: viagem curta ou longa, amizades, namoro, casamento, moradia, estudo, pesquisa, trabalho, origem familiar ou simples afinidade. A não ser que você seja um gênio, seria muito cansativo estudar vários dialetos ao mesmo tempo, ainda mais se quiser estudar o árabe padrão junto! A vantagem é que, dependendo se o objetivo for de curto ou longo prazo, nem será necessário aprender o fus-haa, muito menos sua escrita complicada: conseguir falar e entender um dialeto já vai bastar quase 100%, há muitos métodos que graficamente figuram a pronúncia com alguma variação do alfabeto latino (sendo mais importante prestar atenção na sonoridade), e conforme o tempo de contato, a escrita padrão pode vir naturalmente; vai ser ainda mais fácil se tiver alguém com intimidade por perto pra ajudar. Porém, no mundo do ensino atual, tem sido muito comum a recomendação do dialeto egípcio pra quem quer manter uma comunicação pan-árabe, sem passar num primeiro momento pelo MSA. As razões mais evocadas são o enorme contingente populacional que o tem como língua materna (cerca de um terço do total de arabófonos no mundo), a presença majoritária de músicas, séries e filmes egípcios por todo o mundo árabe, onde se tornaram imensamente populares, e o papel de professores egípcios no estabelecimento de sistemas educacionais e no ensino da variante padrão inclusive na península Arábica e no Magreb. É mais ou menos como a difusão internacional do português brasileiro por meio do soft power cultural, que está atemorizando até mesmo os pais lusitanos de crianças “miúdas”... Até mesmo cantores libaneses, por exemplo, começaram a gravar no dialeto egípcio, o qual, justamente por sua difusão, é o que mais comumente se vê escrito com as próprias letras árabes.

O mundo de língua e cultura árabes, sem contar as regiões de religião islâmica, em que aquele idioma teve enorme influência, é de uma beleza e variedade incomensuráveis, e sua expansão geográfica, mesmo com momentos históricos de violência e mortandade, deu-lhe vários temperos que o deixam ainda mais atraente e interessante. A depender do gosto, da disposição e das necessidades de cada pessoa, há muitas escolhas que podem ser feitas, separada ou simultaneamente, e com este texto espero ter ajudado os leitores da página a se iniciarem num assunto tão complexo, que estou passando a amar cada vez mais, mas que estou longe de dominar completamente. Portanto, se alguém tem alguma correção ou sugestão a fazer quanto ao que acabou de ler, não deixe de me escrever!

Seguem abaixo algumas recomendações de livros, sites e canais do YouTube adaptados a cada necessidade de aprendiz, desde o fus-haa mais refinado até os dialetos populares:

  • O professor Imran Alawiye, nigeriano radicado em Londres, tem o melhor canal de árabe padrão pra autodidatas que já conheci, não só pela sua simpatia e pelas explicações pacientes, mas também pela exaustividade do conteúdo (conversação, gramática e vocabulário) e por sua organizada disposição em playlists. Inclusive, a maioria dos vídeos traz uma rigorosa transliteração aos que ainda não dominam o abjad, e há até vídeos de conversação que só usam nosso alfabeto! Também comprei a coleção didática impressa Gateway to Arabic, muito agradável de manusear e que é toda complementada pelas leituras e exercícios extras feitos no canal.
  • O professor Jihad Abou Ghouche é brasileiro, viveu vários anos no Líbano (terra de seus pais) e tem décadas de experiência com ensino de idiomas, sobretudo o inglês e o árabe. Talvez seja o canal mais conhecido pra aprender árabe no YouTube brasileiro, mas seu foco maior é justamente no dialeto levantino com predominância libanesa, que é o mais próximo do fus-haa, entendido nos países vizinhos e o mais pedido pelos brasileiros com ascendência. O canal tem bastante material, inclusive com muitos pontos culturais e dúvidas localizadas, mas é um pouco desorganizado e muitos vídeos já foram fechados ao público. Jihad tem duas abordagens: a língua falada, pra qual ele usa apenas uma transliteração própria pro alfabeto latino, e a língua escrita, vendida num site específico que ensina o abjad de cabo a rabo, de forma detalhada e paciente. Usei o último serviço por alguns meses, e achei que valia a pena, sobretudo pela quantidade de vocabulário apresentada e pelo material em PDF que pode ser imprimido. Mas ainda assim a forma escrita por vezes varia em relação ao padrão mais conhecido: os pronomes pessoais nahnu, antum e hum (nós, vocês e eles/elas), por exemplo, são apresentados como nahna, intu e hinnii, e o taa marbuuta, terminação que geralmente indica o feminino, é lida -i, à libanesa, e não -a.
  • Os canais em português brasileiro da Zahra Elouali e da Merna Raaft estão meio abandonados, mas podem dar umas dicas boas pra quem quer começar. Inclusive, como elas são egípcias, o foco delas é justamente no egípcio oral, embora haja alguns elementos do padrão e, claro, das culturas árabe e muçulmana.
  • O canal em inglês Easy Languages traz material sobre vários dialetos do árabe, inclusive sobre o egípcio, pro qual dedica uma playlist exclusiva. Mas dado o canal também ser um pouco desorganizado, parte dos vídeos sobre egípcio também aparece em Learn Arabic from the Streets e em Basic Phrases. Se servir de consolo, este moço tem uma ótima playlist bem mais organizada e com vídeos muito instrutivos, sem contar que o canal dele (também em inglês) também vale a pena como um todo.
  • Comecei a usar há poucos dias o site ArabicPod101, mas pelo conteúdo que vi, sobretudo a correção do árabe padrão ensinado, já posso recomendá-lo sem hesitar. Aliás, recomendo o passeio por toda a coleção LanguagePod101, porque mesmo fazendo apenas uma conta gratuita vitalícia, a quantidade de material já é impressionante: são muitos os recursos em áudio, vídeo e texto! Eu mesmo já utilizei vários idiomas de lá, e só não terminei nenhum curso exatamente por falta de tempo, embora o que eu tenha ido mais longe tenha sido o búlgaro.
  • Embora muitos no Brasil não leiam francês, me permito recomendar este pequeno livro em PDF, L’arabe tout de suite (O árabe de imediato), porque ele trabalha exatamente com aquele padrão simplificado de que falei acima. A parte gráfica dele, sobretudo a disposição das frases em abjad, não é lá essas coisas, mas se você entender como funciona a (um tanto confusa) transcrição fonética, somado a algum conhecimento da ortografia árabe, será de grande ajuda. Aliás, adoro essa coleção Langues pour tous (... tout de suite) (Idiomas para todos... de imediato), pois se você já tem uma noção da língua, é ótima pra adquirir vocabulário e conhecer estruturas, mas não tanto pra começar a aprendê-la em si. O mesmo site de livros gratuitos traz também os vários volumes da coleção francesa Assimil ... sans peine (... sem esforço), que também incluem uma iniciação completa à escrita e fonologia árabes e podem ser mais úteis, embora não tão sistemáticos.
  • O canal À 2 pas du Liban (A 2 passos do Líbano), embora esteja em francês, a meu ver é o melhor e mais agradável pra aprender o árabe libanês, ou levantino em geral. Gerido pelo casal Marc e Maria, está em contínua atualização, a parte gráfica é perfeita, tem um vasto conteúdo e recentemente foram abertas as primeiras classes online! Eles têm também as redes sociais e um site próprio.


Bragança Paulista, 10-13 de outubro de 2022.


P.S. A transliteração usada neste artigo não teve o fim de ser rigorosa ou precisa, mas apenas de dar alguma materialidade, e mesmo reconhecimento aos já falantes, aos exemplos que eu gostaria de dar. Não é necessário nenhum conhecimento da complexa fonologia árabe, sobretudo no tocante a vários sons glotais e às chamadas “consoantes enfáticas”!