quarta-feira, 10 de agosto de 2022

O Hitler angolano e outros memes afro


Link curto pra esta postagem: fishuk.cc/afromemes1



Provável ancestral dos Samussuku, rs. (Tô brincando, leia aqui o contexto da foto!)


Quando assisti a esta reportagem de maio de 2022 do canal France 24, intitulada “Angola : le lourd héritage de la guerre civile” (Angola: a pesada herança da guerra civil), não pude deixar de fazer o meme (ou algo parecido) sobre um dos rapazes que era entrevistado. Hitler Samussuku (sim, isso mesmo que você leu) é um artista que vive ao norte da capital Luanda e é filho de uma ex-combatente da UNITA, movimento armado que se opunha aos marxistas do MPLA, hoje força governante de lá. A UNITA era financiada e apoiada pelos EUA, pelo regime do apartheid sul-africano e por outros países capitalistas, e depois da independência ante Portugal travou uma guerra civil com o MPLA até 2002, quando o líder daquela, Jonas Savimbi, foi morto.

O pior de tudo é que a senhora que batizou seu filho de Hitler ainda aparece na reportagem, mas não é questionada sobre o assunto. Nem na própria edição do programa foi feita qualquer menção crítica. Como se pode supor, o jovem faz canções contra o governo do MPLA, hoje comandado por José Lourenço, sucessor do longevo ditador José Eduardo dos Santos, falecido recentemente. Muitos marxistas roxos poderiam argumentar que a escolha do prenome foi natural, devido à militância de direita e ao suporte dado até pelos racistas da África do Sul. Porém, não dá pra se alegar que aquela mulher era totalmente ignorante e isolada do mundo, e que se precisa de muita idiotice e falta de noção pra batizar alguém com o sobrenome de um dos maiores assassinos e perseguidores de negros da história.

Como já faz um ano que perdi meu canal do YouTube, primeiramente divulguei o trecho, com leves montagens minhas (o que o transformou, a princípio, num meme), entre amigos do WhatsApp, sem tradução na narração francesa. Finalmente segue abaixo a versão em outra plataforma, mais a tradução em português e a transcrição em francês. Aproveitei a ocasião pra começar a republicar outros memes relativos à África que já estavam no antigo Pan-Eslavo Brasil, lançando assim a coleção “Afro memes”. Por sorte, a maior parte deles já tinha a descrição do vídeo salva, e elas formam o grosso desta publicação.

Espero de coração que você tenha gostado da brincadeira e que você não veja aí nenhuma forma de racismo ou preconceito. Se realmente tenha ficado ofendido ou pensa que algo poderia ser mudado, não deixe de me escrever., pois minha atenção será sincera. Já adianto: não há nada aqui relacionado ao grande Rei do Kuduro, o youtuber angolano mais famoso no Brasil, rs... “Ai, minha vuaida!”


NOTA: Exceto pelo que transcrevi diretamente do português, todo o resto é uma tradução do francês, que não pôde ser cotejado com o que foi falado pelo angolano.

Hitler Samussuku é um dos militantes políticos mais conhecidos em Angola. Ele escolheu o hip-hop pra reivindicar a mudança em seu país.

[Português no original] “Sempre que vier a noite, desejarás o dia, e quando vier o dia, desejarás a noite. E um aviso pra polícia: não entrem no processo, ou entrem e estejam da nossa parte!”

E em seus textos ele não hesita em afrontar diretamente o Presidente da República e encoraja os angolanos a sair às ruas.

“Vivemos numa sociedade em que a participação política é débil e as pessoas têm muito medo de se expressar, porque elas temem represálias e a repressão do governo. E encontramos no movimento hip-hop uma porta, uma janela pra transmitir nossa mensagem.”

Hitler é filho de Dorca, a antiga combatente que encontramos em Luena. Se ela abandonou a política, traumatizada por 27 anos de guerra, ele considera que a paz não pode se limitar a um simples silêncio das armas. De sua localidade, ele reivindica uma vida melhor pros angolanos.

“Estamos no município de Cacuaco, localizado ao norte de Luanda. É uma localidade com índices muito elevados de pobreza, criminalidade, prostituição e analfabetismo. Este é o portão de uma casa. O esgoto passa bem em frente, e todo mundo pensa que isso é normal.”

Seu engajamento lhe valeu detenções e prisões por várias vezes: em 2015 junto com 16 outros militantes, por terem animado um grupo de estudos em torno do conceito de resistência não violenta; depois novamente em 2019, acusado de ter insultado o presidente num vídeo publicado no YouTube.

“Pra mim, viver em paz seria viver numa sociedade de justiça. Não digo numa sociedade justa, mas pelo menos com uma justiça, com a separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Eu estou me engajando, exatamente como minha mãe tinha se engajado a lutar pela paz, estou me engajando a lutar pra que o MPLA deixe o poder, pra termos alternância em Angola e contribuirmos pro desenvolvimento do país.”

Portanto, pra Hitler e seus camaradas, 20 anos após o fim da guerra, a paz ainda está pra ser construída.

[Português no original] “Água, luz, saúde, educação! Água, luz, saúde, educação! Cacuaco, mais humilhado na gestão! Cacuaco, mais humilhado na gestão! Iééé, resistência, sempre! Resistência, sempre!”

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Hitler Samussuku est l’un des militants politiques les plus connus en Angola. Il a choisi le hip hop pour réclamer le changement dans son pays.

“Sempre que vier a noite, desejarás o dia, e quando vier o dia, desejarás a noite. E um aviso pra polícia: não entrem no processo, ou entrem e estejam da nossa parte!”

Et dans ses textes il n’hésite pas à s’attaquer directement au Président de la République et encourage les Angolais à descendre dans les rues.

“Nous vivons dans une société où la participation politique est faible et les gens ont très peur de s’exprimer, parce qu’ils ont peur de représailles et de la répression du gouvernement. Et nous avons trouvé dans le mouvement hip hop une porte, une fenêtre pour transmettre notre message.”

Hitler est le fils de Dorca, l’ancienne combattante que nous avons rencontrée à Luena. Si elle a abandonné la politique, traumatisée par 27 [vingt-sept] années de guerre, lui considère que la paix ne peut pas se limiter à un simple silence des armes. Depuis son quartier, il réclame une vie meilleure pour les Angolais.

“Nous sommes dans la municipalité de Cacuaco, dans le quartier nord de Luanda. C’est un quartier avec des indices très élevés de pauvreté, de criminalité, de prostitution et d’analphabétisme. Ça c’est le portail d’une maison. Les eaux usées passent juste devant, et tout le monde pense que c’est normal.”

Son engagement lui a valu d’être plusieurs fois arrêté et emprisonné : en 2015 [deux-mille-quinze], au côté de 16 [seize] autres militants, pour avoir animé un groupe d’études autour du concept de résistence non-violente ; puis de nouveau en 2019 [deux-mille-dix-neuf], accusé d’avoir insulté le président dans une vidéo posté sur YouTube.

“Pour moi, vivre en paix, ce serait vivre dans une société de justice. Je ne dis pas dans une société juste, mais au moins avec une justice, avec la séparation des pouvoirs législatif, exécutif et judiciaire. Moi, je suis engagé, tout comme ma mère s’était engagée à lutter pour la paix, je me suis engagé à lutter pour que le MPLA quitte le pouvoir, pour avoir l’alternance en Angola et contribuer au développement du pays.”

Pour Hitler et ses camarades, 20 [vingt] ans après la fin de la guerre, la paix reste donc encore à construir.

“Água, luz, saúde, educação! Água, luz, saúde, educação! Cacuaco, mais humilhado na gestão! Cacuaco, mais humilhado na gestão! Iééé, resistência, sempre! Resistência, sempre!”


Este meme francês é antigo, de 2015, e vários canais fizeram remix com ele, como o Khaled Freak, onde descobri tal figura. Mesmo assim, pela quantidade de visualizações e comentários, outra publicação pode ter sido a original. Um cidadão gabonês chama o presidente Ali Ben Bongo de “Cafaaaard!” (Baraaaata!), na frente das câmeras do canal de notícias France 24, de uma forma bastante louca e alterada.

Ali Bongo Ondimba (ou ainda Ali Ben Bongo), nascido Alain-Bernard Bongo em 1959, é presidente da república africana do Gabão desde 2009, e foi reeleito em 2016, ambas as votações contestadas por seus opositores. Ele próprio é filho do presidente anterior, Omar Bongo, que praticamente foi dono do país de 1967 até a morte, algo não incomum na África pós-colonial. Pra você ver, o Gabão, que tem mais de 80% da população cristã, ficou independente da França em 1960, e de lá até 1967 governou seu primeiro presidente, Gabriel Léon M’ba

Cafard” (barata) em francês é masculino, por isso Ali Bongo é assim chamado. Equivaleria a ser chamado de “rato”, “cachorro”, “porco” ou algo assim em português. Curiosidade: “avoir le cafard” (literalmente “ter/estar com a barata”) é um idiomatismo que significa “estar triste, deprimido”). Divirta-se com esse carinha que, à maneira do corajoso haitiano do Alvorada, parece ter adivinhado a atual situação brasileira!

Texto do clássico: “Nous voulons parler avec de vraies personnes [sic]. Ali Ben c’est un cafaaaard. Allez montrer ça à toutes les télévisions ! Ali Ben c’est un cafaaaard !”


O professor Imran Hamza Alawiye, nigeriano radicado em Londres, tem o canal que considero ser o melhor instrumento pra aprender o árabe padrão moderno, e mesmo alguma coisa de vários dialetos. Sua própria playlist especial só pra ensinar todos os detalhes da escrita árabe (não é apropriado falar em alfabeto, mas antes em abjad) já valeria pelo canal todo, mas ele continua atualizando constantemente seu YouTube com exercícios e explicações gramaticais!

E além de seus livros físicos constituírem um excelente e agradável material de estudo (comprei alguns deles no fim de 2021), o professor mantém sua jovialidade, leveza e bom-humor, sem forçar nenhum desses sentimentos, e suas explicações são claras e detalhadas. Claro que sua pessoa não seria “engraçada“ por si só pra constituir um meme (como fizeram com a diplomata Cláudia Assaf ensinando a falar a letra “ayin”), mas volta e meia alguns detalhes podem fazer rir.

Veja por exemplo este momento em que ele ensina a palavra árabe sákana, apenas pra ilustrar o aprendizado da escrita. Depois descobri que é a palavra equivalente a “morar, residir, descansar etc.” (o árabe não tem infinitivo, então literalmente significa “ele mora/morou etc.”), mas pros não iniciados, parece que ele fala a palavra portuguesa “sacana”. Assim, o meme tinha ficado no YouTube como “Professor ensina a dizer político em árabe”, hehehe. Mas agora que já expliquei, deve ter perdido a graça!


É uma pena que este vídeo perdido de junho de 2010 esteja num canal igualmente perdido, tenha poucas visualizações e nenhuma apresentação. Parece ter sido feito exatamente por brasileiros!

Alguém já ouviu falar de uma “língua dos cliques” usada na África subsaariana? Acabei indo pesquisar sobre ela e, como muitos, caí nesse vídeo, no qual apenas alguns comentaristas bem posteriores explicam do que se trata. Prepare-se: o nome dessa língua é “tâa ǂâã”, e também é conhecida como “ǃxóõ”, ou apenas “língua taa”.

Nativa dos atuais Botsuana e Namíbia, em 2011 tinha cerca de apenas 2500 falantes nativos. Pertence à família khoisan (ou coissã) e considera-se que é a língua com mais sons no mundo, tendo 31 vogais pelo menos e 86 sons “clique”, grafados por diversos símbolos misturados ao alfabeto latino (isso nas raras ocasiões em que se escreve, claro). Sem contar a multitude de sons que pode ser feita com diversas partes do aparelho fonador!

Esta matéria da revista Superinteressante (2014) fala sobre os idiomas considerados mais “estranhos” e inclui essa língua !xóõ.


Infelizmente, após 12 anos, este “meme raiz” só obteve pouco mais de 20 mil visualizações. Eu mesmo, naquela época mesmo ou antes, devo tê-lo recebido pela primeira vez no e-mail, que era onde o humor circulava antes das redes sociais. Ele tem inclusive legendas, e foi filmado numa rua movimentada de Moçambique, talvez da capital Maputo, quando um militante do partido Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) dava um suposto comício improvisado aos passantes. Ele estava acompanhado de outra pessoa, que fazia uma espécie de interpretação pra surdos, mais humorística do que prática, e seus trejeitos acabaram criando esse “meme antes dos memes”!

Afora o fato da usuária (talvez portuguesa) Joana Gonçalves ter indicado “linguagem gestual” na descrição, não há outras informações sobre o contexto. Essa foi a primeira vez em que ouvi a palavra “suruma”, uma expressão pra “maconha” em Moçambique, dando em “surumáticos” (maconheiros), talvez uma alusão a dependentes em geral. Apenas fiz algumas edições, removendo as tarjas pretas e melhorando o áudio e a imagem.

Uma coisa que pode enganar é que Viva a Frelimo é justamente o nome do hino desse partido de esquerda. O “texto” completo é o seguinte, cada frase repetida 2 vezes: “Viva a Frelimo! Viva a agricultura, que é a base da alimentação do nosso povo! Abaixo os corruptos! Abaixo os surumáticos! Abaixo a prostituição! Muito obrigado, meus amigos.”

English: A militant of the party Frelimo in Mozambique speaking to the people, with a joking gesture language “interpreter” (ca. 2010): “Long live Frelimo! Long live agriculture, that is the basis of our people’s alimentation! Down with the corrupt politicians! Down with the potheads! Down with prostitution! Thank you very much, my friends.”

Français : Un militant du parti Frelimo à Mozambique parle au peuple, accompagné par une personne qui « interprète » son discours vers une langue des signes humoristique (ca. 2010) : « Vive la Frelimo ! Vive l’agriculture, qui est la base de l’alimentation de notre peuple ! À bas les politiciens corrompus ! À bas les fumeurs de marijuana ! À bas la prostitution ! Merci beaucoup, mes amis. »


Não há muito o que explicar: este é Fezinho Patatyy, o maior astro da dança popular de rua chamada “passinho do romano”, colocado numa montagem cuja canção de fundo foi trocada pelo nashiid de alguma organização terrorista islamo-sunita com leve remix de funk. Humor bem nerd mesmo. Devido à origem musical (embora eu nunca tivesse descoberto o significado da letra), quando publiquei no antigo Pan-Eslavo Brasil, o YouTube o apagou quase imediatamente... Mas quem me passou primeiro foi alguém no antigo grupo do canal no WhatsApp.

Em árabe, nashiid significa hino político ou nacional, ou também hino religioso islâmico. Em outra oportunidade, vou publicar também antigos vídeos do canal que tinham brasileiros dançando passinho ao som de música georgiana e um tártaro dançando ao som do “passinho maloca”, hehehe.