domingo, 11 de novembro de 2018

O movimento estudantil e sua realidade


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NOTA: É incrível como vários textos reflexivos meus, mesmo que não destinados à publicação imediata, já levantavam há cinco ou seis anos questões até hoje atuais. É ainda mais incrível como minhas opiniões pouco mudaram (ou, nesse ínterim, “voltaram” a seu original), como os desafios no Brasil ainda estão por se resolver e, pior, como a maior parte de tudo se desenvolveu ao contrário do que eu desejava. Este texto foi um dos primeiros que postei no blog Materialismo.net, quando o lancei em janeiro de 2012, e tinha o título “Um movimento estudantil fora da realidade política e científica”, expondo minha insatisfação com a intransigência e falta de criatividade em mais uma das incontáveis “greves estudantis” da Unicamp. Porém, nos meus arquivos o nome estava suavizado como “O movimento estudantil e a realidade política e científica”, constando o dia 27 de janeiro de 2012 como o da última alteração. Devo ter feito mudanças na época, mas ainda mantém um tom crítico para com a juventude, e mesmo hoje se aplica a estudantes cada vez mais mimados e dopados com as visões românticas sobre lutas e revoluções passadas. Pareço preconceituoso, mas isso resume o que até alguns militantes criticam como a esquerda lacração.



É raro um não militante, ainda mais se apartidário e pouco acostumado a reflexões ideológicas, opinar sobre o movimento estudantil (ME). Mas se ele tem alguma preocupação social e julga que pode transformar o mundo desenvolvendo seus talentos em prol do maior número de pessoas, a tomada de posição é inevitável.

Muitos acusam o ME universitário de ser “antidemocrático” e “fechado”, mas percebi que até os grupos considerados mais “radicais” estão sempre abertos a conversar, mesmo com os discordantes. Antes de tudo, atrás de “direitistas” e “esquerdistas”, vejo seres humanos com necessidades e sentimentos comuns aos nossos. Talvez o problema não resida nas pessoas, mas numa crise estrutural do modelo de ME, que se choca com as aspirações reais dos estudantes.

Esse modelo parece ter surgido das lutas sociais dos anos 1960 aos 1980, desde a oposição à ditadura até a redemocratização e o descontento com a hiperinflação. Ao longo dos anos 1990, houve motivos para mantê-lo diante da evidente privatização do público no Brasil, mas em 2002 a esquerda (ou uma das várias) finalmente chegou ao poder, e os movimentos sociais, como fruto da astúcia de Lula ou de quem pensava com ou por ele, foram cooptados e se burocratizaram. O fluido e o dinâmico se ossificaram, e no ME “partidarizado”, assim como nos sindicatos, muitos contestadores se acomodaram.

O governo do PT trouxe certo crescimento econômico e diminuição da pobreza, o que se refletiu, em muitas camadas da população, em menos mobilização política e mais preocupação com questões intelectuais e de valor. Aparentemente, o ME não se adaptou: hoje, a maioria dos jovens não tem do que reclamar, por isso, certamente as eleições discentes têm despertado pouca atração. De fato, o ME ainda carrega as bandeiras mais progressistas, o que é ótimo, mas a “estudantocracia” ficou muito presa a propostas com as quais muitos não se identificam. Hoje os estudantes – mesmo os de baixa renda, em algum grau – vivem com certo conforto, sem a extrema necessidade de manifestação social.

Quem quer atualmente contestar o capitalismo, depor reitores, fazer piquetes ou ocupações? Na verdade, quer-se garantir estágios, empregos, diplomas ou uma pós, em resumo, quer-se “ordem e progresso”: ordem acadêmica para regularizar documentos, e progresso financeiro. E por que não, também, progresso intelectual? Isso implica botar mais técnica na política, e se muitos estudantes, digamos, “só querem estudar”, isso não se reflete nas propostas das chapas. Colaborar no progresso científico também é fazer política, mas o ME separou as duas coisas, criando políticos não científicos e cientistas não politizados. Claro, o conhecimento deve sair da academia para a comunidade, mas não se pode marginalizar a necessidade real de inserção acadêmica e de progresso intelectual dentro da própria universidade e de nós mesmos. A ciência não deve se “despolitizar”, mas o ME deve atentar mais às necessidades reais do contexto atual.

No Brasil, por um lado, a produção científica avançada não serve às pessoas pobres, mas apenas ao lucro privado, e por outro, os acadêmicos e movimentos mais progressistas e socialmente comprometidos às vezes marginalizam a prática científica quando se trata de questões políticas, guiando-se pelo dogmatismo ideológico e pelo praticismo grosseiro de algumas correntes. Nos dois casos, o conhecimento continua encastelado nas universidades, resultando em ensino básico conteudista, privilégio da memorização na seleção dos futuros universitários e manutenção da maioria da população na ignorância, no preconceito e na superstição.

Penso que é necessário alterar paradigmas ocidentais consolidados e fundir ciência, política e “povo” num só organismo. Não se distinguiria o momento de fazer ciência ou política: o trabalho técnico-intelectual seria um meio de transformação, e as necessidades sociais, e não os interesses privados, condicionariam a produção científica. Em outras palavras, o cientista seria um político e o político seria um cientista, mas todos seriam ambos ao mesmo tempo, sem separação entre academia, Estado e população. Isso só viria com a universalização do ensino, sua total administração pela sociedade, sua reforma completa e a integração de todos os níveis, visando não a “aprovação no vestibular”, mas o equilíbrio psicológico do estudante, sua inserção e na sociedade e o desenvolvimento da criatividade para produzir novos conhecimentos. Poderia haver tanto dinheiro estatal quanto particular na empreitada, mas com respeito aos interesses da comunidade, e não dos financiadores.

É um projeto utópico, talvez, mas que poderia ser uma meta ideal da marcha para a transformação estrutural da sociedade brasileira. Apenas espero que toda a comunidade acadêmica possa crescer junto e enxergar, como eu disse, pessoas com suas falhas humanas, por trás desta ou daquela opinião política ou roupagem burocrática.