quarta-feira, 20 de julho de 2016

Lenin comenta questão palestina (1920)


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No senso comum intelectual e político do Brasil, em geral se associa a defesa da causa palestina aos movimentos de esquerda, e a defesa da existência de Israel como estado judeu aos de direita. No sentido inverso, as direitas costumam associar a luta dos palestinos ao “terrorismo antissemita”, enquanto as esquerdas chamam os ideólogos israelenses de “sionistas pró-imperialismo” que defendem uma espécie de “racismo judeu” (para elas, antissionismo não seria antissemitismo).

Qual pode ter sido a origem dessa associação? O maior lobby junto aos governos ocidentais para a criação do Estado judeu na Palestina veio de ricas personalidades judias dos EUA, enquanto a luta dos árabes na região contra o domínio inglês ou francês entrava no combate ao colonialismo, bandeira levantada pelos comunistas desde a Revolução de Outubro. Além disso, os Estados Unidos, maior potência imperialista, ainda hoje são um incondicional defensor e provedor material de Israel, e qualquer estratégia geopolítica do “Tio Sam” não poderia deixar de despertar a ira da URSS e das esquerdas.

Contudo, as análises não devem ser excludentes. Por um lado, os EUA sempre apoiaram grupos armados e ditadores árabes ou muçulmanos quando lhes convinha, como foi o caso de Osama bin Laden durante a guerra do Afeganistão contra os soviéticos (1979-1989) e o do iraquiano Saddam Hussein durante a guerra com o Irã dos aiatolás (1980-1988), país que por sua aparência revolucionária despertava muito mais medo no Pentágono; sabemos que a dupla se tornaria sua arqui-inimiga nos anos 1990 e 2000. Por outro lado, embora diversas acusações de antissemitismo recaíssem sobre Iosif Stalin, a URSS foi um dos países que reconheceu Israel em 1948, intentando orientá-lo para sua própria política, além do que havia muitos judeus ou descendentes entre os quadros bolcheviques dos tempos de Lenin (ele mesmo um descendente) e mesmo depois.

Desde muito tempo antes de 1948, os árabes pobres eram a imensa maioria da população na Palestina, estreita faixa de terra banhada pelo Mediterrâneo e tomada pelos ingleses como espólio do esfacelado Império Otomano após a Primeira Guerra Mundial. Judeus havia, mas muito poucos, e é fato que o progressivo aumento dessa população em seu “Israel”, oriunda principalmente do antigo Império Russo promotor de pogroms (ouça e leia a opinião de Lenin sobre a matança), se deu ao longo da primeira metade do século 20 como parte de uma campanha ideológica deliberada, aprovada pelo status quo do Reino Unido e dos EUA. Apesar de ser contrário ao antissemitismo, Lenin enxergava essa colonização artificial como um meio para que as potências capitalistas garantissem seu jugo sobre o proletariado árabe, sempre propenso a revoltas trabalhistas e nacionalistas. Uma lasca dessa interpretação pode ser encontrada nas atas taquigráficas do Segundo Congresso Mundial da Comintern, em Moscou, que em 1920 reuniu os poucos grupos e partidos comunistas de outros países ainda formados após a Revolução de Outubro.

O seguinte trecho em russo e em tradução brasileira é a letra “е” (letra “ie”, a sexta do alfabeto cirílico russo) do ponto 11 da “Resolução sobre as questões nacional e colonial”, aprovada no congresso e em cuja redação Lenin participou ativamente, junto com o indiano Manabendra Nath Roy e outros camaradas. O material original da Comintern é raro, mas pode ser baixado nesta página e deve ser referenciado da seguinte forma: SEGUNDO Congresso da Comintern. Julho-Agosto de 1920. Moscou: Partiinoie izdatelstvo, 1934, p. 495 (em russo). (“Atas dos congressos da Internacional Comunista”.) Em russo a referência é assim: ВТОРОЙ Конгресс Коминтерна. Июль–Август 1920 г. Москва: Партийное издательство, 1934, стр. 495. (“Протоколы конгрессов Коммунистического Интернационала”.)

Existe uma tradução brasileira dos principais documentos do evento em: FORNAZIERI, Aldo (Ed.). A III Internacional Comunista (Volume II): teses e resoluções do II Congresso. Tradução de Cássia Corintha Pinto. Introdução de Tau Golin. São Paulo: Brasil Debates, 1989. O referido ponto está nas pp. 93-94, numerado como “6.º”, e não por letra. Mas ela usa a tradução francesa como base, e é muito imprecisa, se comparado ao russo. Assim, usei-a para cotejamento, mas o resultado que exponho abaixo é todo de minha lavra:

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Необходимость неуклонного разъяснения и разоблачения между самыми широкими трудящимися массами всех, особенно же отсталых, стран и наций того обмана, который систематически проводят империалистские державы с помощью привилегированных классов угнетённых стран, под видом создания политически независимых государств, вызывая к жизни вполне зависимые от них в экономическом, финансовом, военном отношениях государства. Ярким примером обмана трудящихся масс угнетённой нации, произведённого соединёнными усилиями империализма Антанты и буржуазии соответствующей нации, может служить палестинское предприятие сионистов, как и вообще сионизм, который под видом создания еврейского государства в Палестине отдаёт в жертву английской эксплуатации фактически арабское трудящееся население Палестины, где трудящиеся евреи составляют лишь незначительное меньшинство. В современной международной обстановке, кроме союза Советских республик, нет спасения зависимым и слабым нациям.

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[Deve-se ter em vista] A obrigação de esclarecer e desmascarar sem pausa entre as mais amplas massas trabalhadoras de todos os países e nações, em especial dos atrasados, a mentira que as potências imperialistas contam à exaustão, auxiliadas pelas classes privilegiadas dos países oprimidos, quanto a formar Estados politicamente independentes, mas dando à luz Estados totalmente dependentes delas nas esferas econômica, financeira e militar. Um claro exemplo de logro das massas trabalhadoras de nação oprimida, realizado em esforço comum pelo imperialismo da Entente e pela burguesia da referida nação, é a iniciativa palestina dos sionistas, bem como o sionismo em geral, que dizendo criar um Estado judeu na Palestina, sacrifica à exploração inglesa a população trabalhadora de fato árabe da região, onde os trabalhadores judeus são apenas uma insignificante minoria. Nas atuais condições internacionais, não há salvação às nações dependentes e fracas fora da união das Repúblicas Soviéticas.