quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

’O sole mio (Roberto Carlos e Pavarotti)


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Este canal nos deu como presente o upload completo do show “Roberto Carlos: O grande encontro”, gravado pela Rede Globo no Estádio Beira Rio, em Porto Alegre (4 de abril de 1998), em que o “Rei” divide o palco com o célebre tenor italiano Luciano Pavarotti (1935-2007). Ao som da orquestra sinfônica da capital gaúcha, eles cantaram separados a maioria das músicas, mas ao final interpretaram em dueto Ave Maria e ’O sole mio.

’O sole mio (O meu sol) uma das mais famosas canções italianas, mas escrita na língua napolitana, nativa da região em torno da cidade meridional de Nápoles e de regiões contíguas. O napolitano é muito parecido com o chamado italiano padrão, mas quem só aprende este terá dificuldade pra entender as línguas regionais. Em napolitano ficaram famosas no mundo as primeiras músicas populares e românticas da Itália, antes mesmo que o italiano unificado criasse toda uma cultura nacional em torno de si. A diferença já está no artigo definido masculino: ’o, com apóstrofo, em napolitano, il em italiano.

’O sole mio foi composta em 1898 por Giovanni Capurro (letra), Eduardo Di Capua e Alfredo Mazzucchi (melodia), e já recebeu tradução pra inúmeras línguas, como It’s Now Or Never de Elvis Presley e Agora ou nunca do sertanejo Dalvan. Por décadas se acreditou que a melodia era apenas de Di Capua, que a teria composto em Odesa (Ucrânia), durante uma turnê com a banda de seu pai. Porém, descobriu-se que a melodia era uma entre 23 peças que Di Capua tinha comprado do músico Mazzucchi em 1897. Em 1972, pouco após a morte deste, sua filha entrou com processo pra que ele fosse reconhecido como coautor de 18 das canções de Di Capua, entre as quais ’O sole mio. Apenas em 2002 uma juíza de Turim reconheceu esse direito, alegando que Mazzucchi tinha dado uma autorização escrita a Di Capua pra fazer uso livre daquelas melodias. Portanto, pela lei vigente na maioria dos países, ’O sole mio só cairá em domínio público em 2042.

De tantos cantores que a gravaram (incluindo nosso conhecido Vitas, do Cham Dram Brendam), é inútil listá-los todos, valendo a pena citar uma curiosidade: nas Olimpíadas de 1920, durante a premiação do corredor Ugo Frigerio, a banda tocou ’O sole mio no lugar do hino da Itália. Ao que parece, ela tinha perdido ou não recebido a partitura, e recebeu a ordem do maestro, já que todos a conheciam de memória. O público, ao invés de se revoltar, até cantou junto, num grande coro ressoado pelo estádio. Pavarotti tinha razão... (A maior parte dessas informações está na Wikipédia em inglês, mas na versão italiana há a história mais completa, além do enredo correto do caso de 1920.)

O texto da tradução é meu, mas me baseei na versão da Wikipédia em português, tendo feito várias correções. Cotejei com as traduções em inglês (mais fiel), italiano e espanhol, havendo na Wikipédia inglesa explicações melhores sobre o significado. Por exemplo, que oi, ne na verdade é a forma apocopada de oi, nenna (ó, menina; com sentido afetivo), causando confusão em muitos. Os próprios Roberto e Pavarotti oscilam entre formas do padrão e do napolitano, havendo ainda outras variantes de acordo com o que o cantor entende. Do Wikisource em napolitano tirei a letra fixa:


1. Que coisa linda é um dia ensolarado,
Um tempo calmo após uma tempestade!
Pelo ar fresco já parece uma festa...
Que coisa linda é um dia ensolarado!

Refrão:
Mas um outro sol
Mais lindo, menina,
O meu sol
Está em seu rosto...
O sol, o meu sol
Está em seu rosto,
Está em seu rosto.

2. Os vidros da sua janela brilham,
Uma lavadeira canta com orgulho...
E enquanto torce, estende e canta,
Os vidros da sua janela brilham.

(Refrão)

3. Quando anoitece e o sol se põe
Uma melancolia quase me toma;
Eu ficaria embaixo da sua janela
Quando anoitece e o sol se põe.

(Refrão)

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1. Che bella cosa è na jurnata ’e sole,
N’aria serena doppo na tempesta!
Pe’ ll’aria fresca pare già na festa...
Che bella cosa na jurnata ’e sole.

Riturnello:
Ma n’atu sole cchiù bello, oi ne’,
’O sole mio sta nfronte a te!
’O sole, ’o sole mio
Sta nfronte a te, sta nfronte a te!

2. Luceno ’e llastre d’’a fenesta toia;
’Na lavannara canta e se ne vanta
E pe’ tramente torce, spanne e canta,
Luceno ’e llastre d’’a fenesta toia.

(Riturnello)

3. Quanno fa notte e ’o sole se ne scenne,
Me vene quasi ’na malincunia;
Sotta ’a fenesta toia restarria
Quanno fa notte e ’o sole se ne scenne.

(Riturnello)



Agora o bônus! Segundo os créditos ao final do programa, essa versão da Ave Maria é atribuída ao compositor francês Charles Gounod (1818-1893), com influência de Bach. Como se nota bem, Roberto a canta em italiano, e Pavarotti em latim, nesta língua havendo a tradução literal da famosa oração católica, embora não em sua totalidade. Eu mesmo traduzi de ambas as línguas, já tendo decorado de longa data o texto latino e tendo achado a letra italiana (com algumas incorreções) nesta página, cantada só a primeira metade.

Dada a falta de clareza da redação, e sem ter percebido uma inversão de sujeito e objeto logo na terceira estrofe, esta tradução inglesa feita por uma italiana me ajudou nas dúvidas. Seguem a letra corrigida em italiano e o texto em latim da primeira parte da Ave-Maria:

Ave Maria
Vergin celeste
La prece mia si volge a te
Il Genitore mi toglie il fato
A te il mio cuore chiede mercé
Sì, chiede mercé

Per tanto affanno prego a tuoi piedi
Giammai non hanno tregua i dolori
Il dolor mio dal cielo tu vedi
Deh, salva, oh Dio! il Genitor
Ave Maria...

Ave Maria, gratia plena, Dominus tecum, benedicta tu in mulieribus, et benedictus fructus ventris tui, Jesus. (Embora no Brasil seja mais corrente o uso de “vós”, traduzi com “tu” pra unificar com o italiano, e mudei um pouco o texto em prol da clareza.)