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Este artigo muito interessante em francês foi publicado no site da Rádio França Internacional em 21 de junho de 2022. Seu título traduzido é A partir de agora, a Turquia se faz chamar “Türkiye”: Ankara deseja impor internacionalmente a denominação “Türkiye”, e a autora é a jornalista Anne Andlauer, correspondente da RFI em Istambul. Recentemente, o presidente turco Erdoğan impôs o uso do nome nativo da Turquia (“Türkiye”) nas organizações internacionais, alegando diversos motivos culturais e nacionalistas bastante estranhos. A verdade é que ele não quer mais ver a difusão do nome inglês “Turkey”, que na mesma língua também significa “peru”, a ave que comemos no Natal, embora essa seja uma particularidade anglófona. Forças políticas na Turquia querem ver a iniciativa expandida pra outras línguas e outros domínios, sobretudo o jornalismo, embora na vida dos próprios perus turcos (que sofrem com crise econômica e autoritarismo) isso não tenha influência alguma.
Eu mesmo traduzi o texto diretamente do francês, e todos os erros e imprecisões são de minha responsabilidade. O grande problema é que várias expressões idiomáticas e trocadilhos que só fazem sentido em francês nem sempre puderam ser traduzidos literalmente, ou a aproximação não foi suficiente. Por exemplo, no primeiro subtítulo, diz-se que o nome “Turkey” seria muito “basse-cour”, que designa comumente o espaço numa casa ou sítio onde são criados animais domésticos, como galinhas, cabras e coelhos. Mas a tradução literal dos elementos também daria “baixa corte”, ou seja, algo não nobre, ou plebeu. Deixei como “galinheiro”, que traz livres conotações em português. Perto do fim do texto, a expressão “peruada”, às vezes significando “palpite, galanteio, sondagem, passeio, dar uma volta”, substitui “histoire de dindes”, literalmente “história de perus”, mas significando “conto de Natal”.
Como o tema é bem interessante, dediquei uma segunda parte de minha própria autoria a uma breve explicação sobre por que essa ave tem tantos nomes, sem ser exaustivo. Embora por razões diversas, podemos lembrar também casos recentes de países que mudaram de nome e desejaram ser chamados de outra maneira em outras línguas, como a Suazilândia, que se tornou Essuatíni, a Birmânia, que se tornou Mianmar, e a Bielorrússia, que se tornou Belarus. E no final, um gráfico muito interessante e didático que achei na internet.
A Turquia mudou oficialmente de nome na arena internacional. Não se diz mais Turkey em inglês, Turquie em francês ou Türkei em alemão, mas “Türkiye” em turco e em todas as línguas.
As Nações Unidas (ONU) registraram oficialmente essa mudança no início do mês, a pedido das autoridades turcas e na sequência de uma circular presidencial assinada em dezembro passado. Nela, Recep Tayyip Erdoğan justificava essa decisão explicando que a denominação “Türkiye representa e expressa da melhor forma a cultura, a civilização e os valores da nação turca”. Assim, pede-se a todas as instituições internacionais (OTAN, União Europeia etc.) e todos os representantes estrangeiros que utilizem “Türkiye” e nada mais em seus documentos oficiais, suas declarações públicas, suas publicações nas redes sociais... Os jornalistas também são estimulados a habituar-se à novidade.
Um nome considerado muito “galinheiro” – Mesmo se ninguém no governo turco diz abertamente, era a tradução em inglês do nome do país, Turkey, que trazia problemas. Sem inicial maiúscula, a palavra também significa “peru”, isto é, a ave, o galináceo cuja imagem aparece na tela quando você digita “turkey” numa página de busca. Ao que parece, a conotação não agradava às autoridades, que então quiseram modificar o que é de alguma forma a “marca”, a “imagem de marca” do país na arena internacional.
A ideia não é nova: desde os primeiros anos da República, fundada em 1923 sobre os escombros do Império Otomano, alguns já haviam lamentado a associação, no espírito dos falantes de inglês, entre o jovem Estado e a ave de galinheiro. Na década de 1990, certas empresas tinham optado por exportar seus produtos sob a denominação Made in Türkiye. A partir de agora, todas elas devem fazê-lo.
Na prática, a mudança não é tão simples. Nas versões em línguas estrangeiras dos sites oficiais do governo e da administração turcos, bem como de suas embaixadas no exterior, todas as novas publicações estão usando o termo Türkiye. Mas nos artigos mais antigos, ainda se encontram Turkey, Turquie, Turquia para todos os gostos.
Da parte das autoridades estrangeiras, percebe-se um esforço, sobretudo nas conferências de imprensa com seus homólogos turcos, para empregar o termo apropriado. Mas a memória costuma traí-los quando o discurso se torna mais improvisado. Quanto às embaixadas e aos consulados daqui, nada mudou em seus sites oficiais. Estados Unidos, Alemanha, França, Rússia... Por enquanto, cada país continua com sua tradução de Türkiye.
Afagar o nacionalismo turco – Esse novo nome dado à nova Turquia não desperta um interesse excepcional entre os turcos, para quem seu país se chama Türkiye de qualquer jeito. Por outro lado, nas redes sociais, é interessante observar quem continua usando uma tradução em suas publicações em outras línguas, e quem adotou prontamente o Türkiye, num gesto de zelo nacionalista. Isso porque, obviamente, Erdoğan não está meramente fazendo uma peruada com essa decisão: ele mesmo constantemente se ocupa em insuflar o fervor nacionalista. Essa mudança de nome na arena internacional, muitas vezes comentada pelo atual presidente, alimenta esse discurso a um ano das eleições e do centenário da República da Turquia... ops, quer dizer, da República da Türkiye.
A ave que chamamos peru e que recebeu a designação científica de Meleagris gallopavo recebeu o nome inglês de turkey por causa de uma confusão linguística e histórica. Ela começou a ser importada de Madagascar em 1540 por mercadores que chegaram à Europa após um desvio pela Turquia. Quando ficou conhecido na Inglaterra, entendeu-se que o peru tinha vindo da Turquia, portanto recebeu o nome turkey. Nota: embora na época o Império Otomano não se chamasse Turquia, a etnia já tinha esse nome.
Em turco mesmo, a bela ave se chama hindi, porque teria vindo da Índia; mesmo em francês, no século 16, Rabelais falava de poulle d’Inde (galinha da Índia, daí o dinde atual). O próprio hindi emprestou seu piiruu do português, embora outros digam que seja do persa pil morgh (galinha-elefante, por ser o maior dos galináceos). Em alguns países árabes, como o Líbano, peru se diz diik habash (galo da Abissínia, isto é, da Etiópia); no Egito, diik ruumi (galo romano), e na Grécia, galopoúla (galinha gaulesa).
Porém, o grande problema é que no início da Idade Moderna, muitos confundiam o Meleagris gallopavo com a Numida meleagris, nossa galinha-d’angola (guineafowl em inglês), esta sim vinda da África. O peru-selvagem (do qual descende o peru-domesticado), na verdade, veio da América do Norte, sobretudo dos EUA atuais, continente que inicialmente foi confundido pelos navegadores com as procuradas Índias. No fim das contas, os primeiros portugueses que conheceram o peru foram os que mais se aproximaram, pois achavam que ele vinha da região do atual Peru.
Este conteúdo vem de um artigo escrito por Laura Lavenne, mais pesquisa minha na Wikipédia e no Wikcionário. Segundo outro artigo, escrito por J. M. Moreau, outra hipótese é que o nome inglês turkey tenha vindo do som emitido pelo peru, que aos ouvidos ingleses soava não como “glu, glu, glu”, mas “turk, turk, turk”.