segunda-feira, 27 de maio de 2019

Ensino materialista histórico-dialético 2


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NOTA: Escrevi este texto em 20 de maio de 2010 como atividade pra matéria de Estágio Supervisionado I, lecionada naquele semestre na Faculdade de Educação da Unicamp pelo Prof. Dr. Silvio Sánchez Gamboa, a quem sou muito grato pela paciência e dedicação. Com leves alterações eu o publiquei inicialmente em 13 de junho de 2012 no blog Materialismo.net com o título “Que interesses pode ter o materialismo histórico-dialético para o ensino?”, sendo de fato uma versão resumida cuja variante com redação mais robusta e citações bibliográficas eu elaborei em 22 de maio de 2010 e já postei aqui. A lista de autores pode parecer heterodoxa, mas resultou de leituras feitas ao longo daquele semestre. Sua repostagem aqui atende à premência atual quanto à reflexão marxista na educação brasileira (que eu tendia a seguir mais na época da graduação), que ao invés de ter se desenvolvido virou alvo de ataques sistemáticos, na figura de um pensador que nem materialista era: Paulo Freire. Algumas alusões à época da escrita são realmente datadas, e as correções redacionais ocorreram só quando tive de atualizar o estilo.



Liberto de dogmas e de certezas pré-concebidas, o materialismo histórico-dialético pode inspirar, em toda a sua riqueza de reflexões, autores e conceitos, teorias e práticas pedagógicas inovadoras, baseadas na realidade dos envolvidos no processo e portadoras do germe da emancipação político-intelectual dos mesmos e da transformação constante de seu meio social conforme as necessidades aí surgidas.

O materialismo histórico-dialético possui três características básicas que inspiram seu nome. A primeira é a consideração das condições materiais de uma formação social como condicionantes de sua cultura e de suas instituições reguladoras, como o Estado, visto que os seres humanos, ao agregarem-se, sempre estabelecem relações de produção para sua sobrevivência. Baseado nessa ideia, o educador brasileiro Dermeval Saviani ressalta em suas obras como a escola contemporânea atende aos interesses da burguesia, ou seja, a dona dos meios de produção, ao formar, de modo segregado, operários dóceis, tecnólogos inteligentes e gerentes de pulso firme.

A segunda é a indicação da historicidade dos fatos sociais, ou seja, sua inserção em um determinado contexto temporal como única condição de sua existência. Em outras palavras, as diversas épocas históricas terão diferentes elementos palpáveis ou não palpáveis que só podem ser realmente entendidos de acordo com as características do próprio tempo: projetados em períodos anteriores, eles não fariam sentido (anacronismo), e postos no futuro, teriam sua função modificada (ressignificação). Assim, Antonio Gramsci, em muitos escritos, enxerga a escola moderna como reprodução da sociedade capitalista surgida no século 18 e maturada nos duzentos anos posteriores, e sugere um ensino unitário e humanista como corolário do futuro socialismo libertador que viria realizar o sonho do ser humano integral.

A terceira é a concepção metodológica dialética como forma de entender o mundo e produzir conhecimento. O termo, usado por Oscar Jara Holliday no livro Para sistematizar experiências, nasceu da lida com educação popular no Peru e designa uma relação entre teoria e prática, ou entre sujeito e objeto, caracterizada pela transformação e implicação mútuas, tomando-se a realidade como uma “unidade de elementos diversos” que dialogam entre si para formar um todo social orgânico. Isso se ilustra por meio da necessária imbricação entre escola, método pedagógico, pais, professores e estudantes em um mesmo contexto espacial, mas o sócio-construtivismo de Lev Vygotski aperfeiçoa a ideia: o aprendizado não seria o mero reflexo de conteúdos prontos, mas uma interação entre a sensorialidade e os condicionamentos internos da criança ou do jovem, mediados pelas relações e construtos simbólicos sociais.

Em síntese, o ensino só transforma e emancipa se atende a estes três requisitos: atentar para a base material de todas as ideologias de um grupo humano, mostrando como elas legitimam a exploração da maioria pelos detentores dos meios de produção; revelar a transitoriedade de qualquer situação histórica e de seus produtos, instando os oprimidos a levantarem-se contra seus opressores e não verem sua situação como eterna; e, por fim, ressaltar que a sociedade é um todo orgânico em constante mudança, portanto só pode ser entendida e modificada por meio de teorias que venham da vida prática, tomem-na como uma “unidade múltipla” e depois retornem a ela.

O chamado “socialismo real” não melhorou o planeta, como desejava Karl Marx, pois não o interpretou bem, apenas o distribuiu em fôrmas pré-fabricadas. Talvez novas práticas pedagógicas inspiradas no materialismo histórico-dialético, que transcendam o formato atual da escola e não se foquem em abstrações vazias, ajudem a formar novas lutadoras e lutadores por uma humanidade melhor e mais justa.