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Por Erick Fishuk
Nota: No começo de fevereiro de 2012 escrevi este texto à mão, com o título original “O mundo realmente precisa de uma língua internacional?”, depois digitei e publiquei no meu blog “Materialismo – Filosofia” no dia 26, época em que já fazia quase 12 anos que havia começado a aprender esperanto e estava começando a retomar um pouco seu estudo, bem como o do problema das línguas auxiliares internacionais, que deixei largados durante boa parte de minha graduação (2006-2011). Claro que desde o início do meu mestrado, infelizmente marginalizei esse tesouro de novo, mas como estou transferindo alguns textos meus daquele blog para este, decidi também o republicar, por ser uma reflexão muito interessante e informativa. Hoje não discordo de muitas dessas ideias, mas fiz alguns retoques para postá-las aqui, além do que continuo menos interessado no problema abordado, por agora estar empenhado no aprendizado de mais idiomas “importantes” (italiano, alemão, espanhol etc.) e considerar o esperanto não como “o” idioma internacional, e sim mais um entre vários, embora crucial na minha formação cultural.
Introdução
Todos os brasileiros cultos já experimentaram dificuldades ao se relacionar com estrangeiros ou ler escritos publicados em países que não têm a língua portuguesa como oficial ou uma das oficiais. Mesmo certas pessoas de cultura ou renda média ou baixa alguma vez na vida sentiram, em situações cotidianas, as responsabilidades que a comunicação internacional implica. Não é fácil ter algo a dizer ou compartilhar sentimentos comuns com cidadãos de outros países, mas parecer privado de capacidade de comunicação escrita e falada. A barreira do idioma é um problema importante do atual mundo globalizado, e embora não seja a fonte de todas as discórdias, ao contrário do que apontaram alguns idealistas, atrapalha consideravelmente a resolução deles.
A percepção dos problemas causados pela diversidade de línguas não é nova, mas paradoxalmente a solução deles pareceu se encontrar cada vez mais distante à medida que a sociedade humana se tornava mais complexa. Ainda que o nível de várias tentativas no sentido de um entendimento acompanhasse o progresso qualitativo das ciências, a eficácia delas seguiu o mesmo caminho dos planos de pacificação política e bélica mundial, ou seja, tornaram-se belas ideias geniais submersas num mundo hostil que insistia em lhes dedicar perseguição ou simples indiferença. Quando muito, o próprio universo particular desses projetos terminava por reproduzir as mesmas dissensões e intermináveis disputas da realidade exterior que buscavam transformar. Também pudera, criações humanas não poderiam se isentar totalmente de nossa primordial irracionalidade animalesca.
O mito de Babel e a Babel real
É então que se levanta a discussão sobre a adoção de um único idioma internacional em que todos os seres humanos pudessem se compreender e resolver em comum seus tormentos. Não por acaso, o melhor livro em língua portuguesa que me instruiu até hoje sobre o assunto, Babel & Antibabel, de Paulo Rónai (1907-1992), leva o nome do mito bíblico que relata a confusão de línguas lançada sobre uma humanidade que pretendia realizar obras tão grandes quanto as de Deus, como a famosa torre que deveria alcançar os céus.
Há algo de conformista na cabeça do autor da lenda, mas a alegoria de Rónai não deixa de ser culturalmente válida. O autor húngaro radicado no Brasil deixa claro logo de início que a profusão de centenas de projetos de idiomas ou linguagens universais, longe de suprimir a confusão, só a aumentou consideravelmente. Os capítulos posteriores são uma deliciosa viagem pelos principais projetos e seus elaboradores, com boas doses de senso crítico e ironia, inerentes a qualquer bom prosador. No desfecho, Rónai ratifica uma ideia de Mario Pei, para quem a adoção de uma língua internacional deliberadamente escolhida e usada em organismos globais seria a melhor herança que poderíamos deixar para as futuras gerações, mas completa que ela não deveria suprimir a riqueza da diversidade linguística humana, como previram alguns pensadores, em prol da conservação de uma beleza comparável à da fauna e da flora naturais.
Contrariando as expectativas de muitos leitores condicionados por catequeses prévias, o autor postula que o idioma escolhido não deveria ser necessariamente planejado para ser fácil, racional e lógico, podendo até estar entre as comumente chamadas “línguas naturais”. Um idioma, diz, jamais poderia ser lógico e racional como a matemática, pois as relações e as situações em que é usado são absolutamente imprevisíveis, subjetivas e cheias de idiossincrasias. Esse é um raciocínio plenamente válido que se aplica à análise prática dos projetos mais frutuosos, como o esperanto e a interlíngua, que serão retomados mais adiante.
Porém, o argumento de que a gramática complexa não impediu a difusão de idiomas como o russo, o árabe e o mandarim não é muito útil ao problema da comunicação internacional. Se existe a possibilidade de se construir uma ferramenta de aprendizado fácil e rápido, a economia de tempo, dinheiro e energia possibilitada não poderia ser menosprezada. Além disso, ainda sem sair do campo da facilidade, uma língua “natural” acarreta privilégios morais, culturais e financeiros aos países que já a têm como oficial ou cuja população a fala majoritariamente: numa situação ideal, todos deveriam pagar a mesma quantia e encontrar as mesmas dificuldades ao aprender o projeto selecionado. Cabe mencionar aqui o velho exemplo de conferências internacionais em que os nomes de destaque não são os maiores especialistas no assunto debatido, mas os falantes mais hábeis dos idiomas de trabalho.
Antes de prosseguir, cabe definir e fazer uma anotação sobre os conceitos de “língua natural” e “língua artificial”. Geralmente são enquadradas na primeira categoria as línguas de cultura sustentadas por algum Estado nacional ou faladas por grupos humanos minoritários em sua vida cotidiana e artística, sendo passadas hereditariamente, enquanto na segunda categoria se encaixam as línguas elaboradas conscientemente por uma ou várias pessoas para determinado fim, com um vocabulário e uma gramática formados segundo critérios mais ou menos fixos e definidos com antecedência.
Algumas observações básicas fazem essas denominações caírem por terra. Uma língua considerada “natural” muitas vezes contém regras e palavras formuladas arbitrariamente por academias ou escritores eminentes que ajudaram a forjar ou modificar variantes dialetais escolhidas para serem línguas nacionais, como o italiano. Esse fato não torna melhor o termo “línguas nacionais”, pois há várias línguas perfeitamente complexas que não dependem nem foram adotadas por nenhum Estado-nação. Enquanto isso, idiomas que tiveram suas bases, diga-se melhor, lançadas por alguém ou uma instituição, mas se desenvolveram autonomamente na comunicação, na música, na mídia, na literatura e no dia a dia de seus falantes, muitas vezes já possuindo até mesmo falantes nativos, como é o caso do esperanto, remotamente poderiam ser chamados de “artificiais”. Para fins provisórios e com todas as suas falhas, parecem melhores, ou menos ruins, as respectivas expressões “língua étnica” e “língua planejada”.
Muitos podem argumentar que o inglês já se presta perfeitamente ao papel de idioma internacional, sem que ninguém se queixe disso, assim como foi no passado o francês e como futuramente poderá ser, por exemplo, o mandarim. É bom lembrar primeiramente que um idioma nunca se torna “internacional” por suas qualidades inatas, mas pela dominação política, militar, econômica ou cultural que seus falantes exercem sobre outros povos. Ademais, várias características do inglês, como suas palavras curtas e, às vezes, muito semelhantes e polissêmicas, a pouca internacionalidade de seus fonemas, as inúmeras locuções e expressões idiomáticas impenetráveis e a ortografia pouco sincronizada com a pronúncia, tornam-no muito sujeito a protagonizar mal-entendidos, equívocos e situações constrangedoras. Se tudo isso pode muitas vezes complicar a vida de quem se relaciona verbalmente ao vivo, maiores e não poucos transtornos causa em radiocomunicações, especialmente em aviões e navios, como expõe magistralmente o suíço Claude Piron (1931-2008) em seu livro O desafio das línguas, uma defesa eloquente da adoção generalizada de uma língua-ponte internacional, nomeadamente o esperanto. Por fim, embora grande parte da ciência e da tecnologia fale inglês, muito poucos habitantes da Terra o sabem com fluência suficiente para que realmente se pudesse supô-lo como compreendido em todos os países (ver nas referências bibliográficas o artigo em esperanto “Ĉiuj ja scias la anglan?” (“Todos sabem mesmo inglês?”), reprodução de um capítulo do livro Lagom finns bara i Sverige (Lagom só existe na Suécia), do linguista sueco Mikael Parkvall).
Os principais projetos de língua internacional
É impossível traçar num espaço tão curto uma história completa dos inúmeros idiomas e linguagens que desde o Renascimento, ou mesmo antes, foram criados para superar tais contrariedades, portanto é melhor começar da parte que mais interessa (boa parte das informações foi colhida do livro Babel & Antibabel, de Paulo Rónai). Após a sucessão de projetos que iam desde conjuntos de sinais, símbolos ou cores até verdadeiros idiomas cujos elementos eram inventados arbitrariamente, consolidaram-se as linguagens verbais que se inspiravam ou retiravam seus elementos das principais línguas étnicas de civilização. A primeira que conheceu alguma difusão significativa foi o volapuque, elaborado em 1879 pelo prelado alemão Johann Martin Schleyer (1831-1912). Porém, a falta de vontade de deixar o idioma seguir uma evolução natural, e não ditatorialmente regulada, e a dessemelhança dos morfemas com os de qualquer outra língua conhecida esgotaram os fulminantes sucessos e paralisaram seu progresso. Para se ter uma ideia, eis aqui frases e palavras como menade bal, püki bal (“uma humanidade, uma língua”), nuf (“telhado”), lel (“ferro”), vamamafel (“termômetro”) e o próprio nome original da língua, volapük, derivado de vol e pük, que remotamente lembram suas fontes inglesas world e speak...
O sucessor natural do volapuque foi o quase contemporâneo esperanto, obra do oftalmologista judeu-polonês Lejzer Ludwik Zamenhof (1859-1917) publicada em 1887, mas finalizada, ao contrário de outros projetos, apenas após longos testes orais, de tradução de obras clássicas da literatura universal e de produção de poemas e outros textos originais. Ligado a um ideal intrínseco de fraternidade internacional inspirado pelo cenário de conflitos étnicos do Império Russo em que viveu Zamenhof, segundo quem a incompreensão linguística era a principal causa de dissensões entre os povos, o esperanto ascendeu rapidamente no início do século XX e sobreviveu às duas guerras mundiais e à perseguição de ditaduras fascistas e comunistas. O próprio nome da língua significa “aquele que tem esperança” ou “aquele que espera”, em referência ao pseudônimo “Doutor Esperanto” com que foi assinado o primeiro manual.
Hoje, a despeito do pouco valor linguístico de alguns de seus elementos, o esperanto deve ser respeitado por ser uma realidade viva de nosso tempo e pela dimensão alcançada por sua literatura, comunidade, congressos, artes e sites. Ao lado de construções facilmente reconhecíveis para falantes de línguas ocidentais, como floro (“flor”), bona (“bom”), satelito (“satélite”) e Mia patro estas bela homo (“Meu pai é uma bela pessoa”), há outra menos óbvias, retiradas do francês (kurbo, “curva”; piedo, “pé”; vojo, “caminho”), do alemão (jaro, “ano”; tago, “dia”; knabo, “garoto”) e do latim (viro, “homem, varão”; apud, “perto de, junto a”; urbo, “cidade”). Existem ainda seis letras acentuadas que, à exceção do raríssimo Ŭ, não existem em outros idiomas (Ĉ, Ĝ, Ĥ, Ĵ e Ŝ), e algumas combinações de letras nem sempre tão universais, como SCeno (pron. “stsêno”), KVartalo (pron. “cvartálo”), eKSPLuati (pron. “ecspluáti”), aKCento (pron. “actsênto”), filoJN (pron. “fíloin”) e buDĜeto (pron. “bud-djêto”).
As insatisfações com certas características do esperanto e a resistência da maioria dos falantes a submetê-lo a uma reforma levou Louis Chevreaux, o Marquês de Beaufront (1855-1935), chefe do esperantismo na França, a defender, em 1907, perante uma Delegação para a Adoção de uma Língua Internacional constituída em Paris, não o idioma de Zamenhof, mas uma versão reformada chamada de ido (“descendente”, em esperanto). Ela adotava radicais, afixos e terminações considerados mais internacionais e suprimia as letras acentuadas, a marca do acusativo (a letra N final) e a concordância do adjetivo com o substantivo. Exemplos de sua maior transparência, apesar de manter vários traços do esperanto, são as palavras: patro (“pai”), matro (“mãe”) e genitori (“os pais”), em esperanto, respectivamente, patro, patrino e gepatroj; o substantivo linguo (“língua”, em esperanto lingvo), os adjetivos internaciona (“internacional”, em esperanto internacia) e mala (“mau”, em esperanto malbona) e o verbo komprar (“comprar”, em esperanto aĉeti). Porém, não conseguiu suplantar seu predecessor e hoje possui uma difusão insignificante, apesar de contar com alguma atividade na internet e de ter, em seu início, atraído a adesão de alguns linguistas de renome, como Otto Jespersen (1860-1943).
Dentro do universo das chamadas línguas internacionais a posteriori, ou seja, que extraíam seus elementos de línguas étnicas contemporâneas, começava progressivamente a predominar o princípio de que elas deveriam favorecer, antes de tudo, a compreensão imediata a quem não as tivesse aprendido de antemão, o que era chamado de “naturalidade” ou “naturalismo”, em detrimento do chamado “esquematismo” de projetos como o esperanto e o volapuque. Nesse espírito, o estoniano Edgar de Wahl (1867-1948), oficial da Marinha russa, lançou o Occidental em 1922, que atraiu bastante atenção nos primeiros tempos, mas nunca chegou a ter uma comunidade forte, ampla e difusa de usuários e propagandistas. Entre suas palavras mais ou menos internacionais se encontram líber (“livre”), position (“posição”), problema (“problema”), lingue (“língua”) e noi (“nós”), além dos menos reconhecíveis, ao menos para brasileiros comuns, chascun (“cada um”), ples (“por favor”), li (artigo definido), vers (“em direção a”) e buttre (“manteiga”).
O projeto significativo mais recente é a interlíngua, fruto de um intenso trabalho de pesquisa conduzido entre 1924 e 1951 por especialistas reunidos na norte-americana IALA (sigla em inglês para Associação para a Adoção de uma Língua Internacional). Levando ao extremo o ideal de compreensão imediata e visando menos à regularidade gramatical do que o Occidental, teve editados, ao final dos trabalhos, um dicionário interlíngua-inglês e uma gramática em inglês, por obra principal do alemão naturalizado norte-americano Alexander Gode (1906-1970) e do norte-americano Hugh Blair (1909-1967). É considerada sua característica principal a compreensibilidade praticamente perfeita a falantes de idiomas ocidentais, especialmente os românicos, por ter como fonte elementos que aparecem ao menos em duas ou três das principais línguas de cultura do mundo ocidentalizado: o inglês, o francês, o italiano e, considerados em conjunto, o espanhol e o português. Também são utilizados abundantes radicais latinos e gregos de uso internacional, e são aceitas ainda palavras eslavas, germânicas ou de outras origens que tenham se difundido mundialmente. A frase Io pote dicer multe cosas super le mundo in iste lingua dá uma mostra de sua utilidade, já comprovada no passado pelo uso nos ginásios suecos como introdução ao estudo de línguas e em resumos de revistas médicas internacionais, mas a comunidade de falantes, liderada pela Union Mundial pro Interlingua (UMI), permanece pequena, dispersa e com quase nenhum reconhecimento político.
Existe uma solução para o problema da língua internacional?
É voluntária a restrição apenas a esses projetos, os que alcançaram relativa visibilidade e solidez por muito ou pouco tempo, para agora se passar à questão da possibilidade de existir uma língua realmente universal. Do ponto de vista político e econômico, pouco provavelmente os movimentos que defendem os diversos projetos conseguirão a adesão das instituições nacionais e internacionais oficiais. Estas são movidas por poderosos interesses ocultos que praticamente impõem os idiomas dos principais países, pouco interessados em trocar sua prepotência cultural e a comodidade dos tradutores por um instrumento de comunicação neutro e apartidário. Quem conhece bem a geopolítica e história de hoje entende na hora por que as seis línguas oficiais da ONU são, atualmente, o inglês, o francês, o espanhol, o árabe, o russo e o mandarim.
Quanto às características internas de cada projeto, uma verdadeira internacionalidade parece impossível ou, na melhor das hipóteses, um tanto artificial. Quis o bom senso dos principais genitores do esperanto e da interlíngua, por exemplo, que eles se valessem principalmente dos idiomas ocidentais mais difundidos, como o inglês e o francês, ou que deram maior contribuição lexical a outros, como o latim e o grego antigo. Quem vai um pouco além do mundo europeizado nota como essa herança é praticamente ausente em grandes línguas de civilização, como o árabe, os vários dialetos chineses, o híndi, o japonês e outros, ou marca presença numa forma tão modificada que seus falantes reconhecem apenas com muita dificuldade a matriz originária. Poderia se argumentar que justamente o fato de idiomas como o inglês, o espanhol e o francês (que, por extensão, também carregam fortes traços greco-latinos) serem os mais falados como não maternos justifica sua escolha como fontes principais. Mas ainda assim deve-se verificar se tal conhecimento não é um privilégio de elites educadas e globalizadas.
A contribuição equitativa de cada língua do mundo, ou de todas as principais ou mais faladas, ou de todas as famílias e ramos linguísticos, apenas criaria uma mixórdia idiomática sem valor cultural, e ao mesmo tempo em que democraticamente não agradasse a ninguém, tiranicamente desagradaria a todos. O esperanto não deixa de ser um Frankenstein desse tipo, apesar de não ser exatamente um exemplo de abrangência mundial, mas as colocações puramente racionais feitas acima devem ceder em grande parte à realidade objetiva do idioma de Zamenhof, qual seja: sua difusão numa escala considerável para um projeto do tipo, sua riqueza literária e intelectual, que prova a plena aplicabilidade em todas as áreas do conhecimento e da arte, e sua calorosa aceitação mesmo entre povos não europeus, tais como os árabes, os indianos, os japoneses e os chineses. Se eles não o enxergam como “língua difícil” ou “instrumento estrangeiro de opressão”, cabe ainda verificar se é por causa de seus traços internos ou, como muitos defendem, por causa da pregação do ideal de paz e fraternidade universais que geralmente acompanham seu ensino.
Apesar disso, a discussão ainda está longe de terminar, e é provável que, considerada a relativa juventude da disciplina interlinguística, surjam ainda novos projetos de idiomas internacionais ao lado dos tradicionais, como os que se contentam com a união interna de certos ramos linguísticos, como os incipientes Folkspraak (germânicas), Slovianski (eslavas) e Romanova (românicas); ou que também se proponha, por mais que pareça injusto, uma ou outra língua étnica, em sua inteireza ou reformada, como já se buscou com o Basic English, ou até mesmo deformada, como o chamado BSE (badly spoken English, ou “inglês mal-falado”) da União Europeia (ver artigo de Martin Bohne nas referências bibliográficas) e o spanglish, fusão imigrante do espanhol com o inglês. Muito se há de fazer e escrever, enquanto a diversidade de línguas for mais um problema do que uma sonata agradável, e enquanto rios de dinheiro forem gastos com interpretação e tradução de documentos em grandes organismos regionais ou mundiais, quantias milionárias que bem poderiam ser destinadas, se realmente forem, a fins mais nobres. É claro que talvez o estímulo ao poliglotismo ilimitado possa ser uma das soluções, mas o que quer que aconteça, se um dia definhasse a carreira de tradutor e intérprete (mas não, obviamente, a de professor de idiomas), não seria o fim do mundo: ninguém lamentou o sumiço de telegrafistas, acendedores de lampiões e, em algum grau, de motoristas de bonde.
Tentando concluir
Nem todas as mudanças são para melhor, por mais que se baseiem nos mais recentes avanços da ciência e da tecnologia. Prova disso são as técnicas de extermínio humano em massa, os miniaparelhos eletrônicos descartáveis impostos pela lógica do consumo em detrimento do meio ambiente e as redes sociais na internet, que tornaram as relações humanas mais rápidas e amplas, mas também, como ressalta o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, mais líquidas e frágeis. De fato, conectar-se com o mundo todo não se mostrou um remédio, mas antes um agravamento da solidão espiritual típica das sociedades urbanizadas. Paulo Rónai, em Babel & Antibabel, descreve bem o sentimento de estar em família com os falantes da mesma língua materna, e de descoberta de novos segredos antes ocultos com o aprendizado de uma nova. A supressão das barreiras linguísticas pode ser realmente a maior herança que deixaremos a nossos descendentes, mas nenhuma mudança será tão revolucionária quanto a que restaurar na juventude o respeito ao clássico, o amor ao duradouro, a prática da sinceridade e a propensão ao esforço desinteressado em detrimento de facilidades inebriantes e ilusórias.
BOHNE, Martin. “UE busca uma língua comum: ‘inglês mal falado’ em vez de esperanto”. Disponível aqui. Acesso em: 26 fev. 2012.
PARKVALL, Mikael. “Ĉiuj ja scias la anglan?” Disponível aqui. Acesso em: 25 fev. 2012.
PIRON, Claude. O desafio das línguas: da má gestão ao bom senso. Tradução de Ismael Mattos Andrade Ávila. Campinas, SP: Pontes; Brasília, DF: BEL, 2002.
RÓNAI, Paulo. Babel & Antibabel: ou O problema das línguas universais. São Paulo: Perspectiva, 1970.