domingo, 8 de novembro de 2015

Duas cartas sobre Octavio Brandão (2)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/brandao2


Estou postando hoje a segunda carta em russo relacionada a Octavio Brandão, que encontrei em seu fundo documental no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL/IFCH/Unicamp), traduzi e tornei pública com autorização da instituição. Eu já tinha publicado na semana passada a primeira carta, escrita por uma de suas filhas a outras duas, suas irmãs, e aí estão também mais informações sobre minha relação com o AEL e sobre o Fundo Octavio Brandão (ver ainda o volume 1 e o volume 2 de seu catálogo).

Vale relembrar que Brandão (1896-1980) foi membro do PCB desde 1922 e seu principal teórico até 1929-30. Começou anarquista, se converteu ao bolchevismo com o impacto da Revolução de Outubro no Brasil e em 1925 publicou Agrarismo e industrialismo, aplicação do marxismo esquemático soviético à análise da realidade brasileira e, supõe-se, um dos pioneiros no uso do termo “marxista-leninista”. Exilou-se na URSS entre 1931 e 1946, onde trabalhou para a Comintern e sofreu com a família o peso da guerra, e ao voltar tentou se reintegrar à vida partidária, mas foi marginalizado e morreu no ostracismo. O fundo no AEL é rico em detalhes sobre sua vida pública e privada, bem como de sua família, incluindo material em russo, especialmente cartas, pelas quais me interessei, decidi copiar, traduzir e publicar aqui. A direção técnica incentivou meu trabalho e até já tinha publicado no site da instituição essas duas cartas do blog.

Esta segunda carta foi escrita da URSS a Octavio Brandão (que devia estar no Brasil) por seu genro, o físico Zarem Chernov, marido de sua filha Sattva. A carta não está datada, mas há uma anotação feita posteriormente, que a indica como recebida em 4 de dezembro de 1957. Os dois assuntos principais são o nascimento da filha do casal, neta de Octavio, e as dificuldades que Chernov aponta para que os livros do sogro sejam traduzidos para o russo e publicados na URSS. Incluem-se ainda outros temas familiares e a instigante indicação de que as obras do comunista alagoano eram muito lidas por estudiosos soviéticos do Brasil e que ele poderia escrever sobre certos temas que lá teriam público mais amplo. Abaixo vai a tradução em português, e em seguida o inicial em russo. Localização física: OB Cp.485, P.26.



Octavio Brandão (esq.) e Minervino de Oliveira em comício comunista nos anos 1920.


Caro O.B!

Desejo saúde e coragem a você.

Mesmo não o conhecendo pessoalmente, sempre acompanhei com profundo respeito sua vida cheia de lutas e duras provações. Sattva e eu tivemos agora um filho, e você lhe será um luminoso exemplo de vida. Sattva e eu vivemos bem, em harmonia. Ela está trabalhando no mesmo lugar, e eu faço pesquisas no campo da física na Academia de Ciências. Em tempo oportuno, Sattva me ajudou a dominar a língua portuguesa em algum grau, e conheci muitos livros de história, etnografia e geografia do Brasil. Caro O., suas cartas fazem notar que você está muito preocupado com seus livros, com a possibilidade de publicá-los na União Soviética. Me parece que a principal dificuldade em traduzi-los está no fato de nossos leitores conhecerem muito pouco o Brasil como um todo. Como seus livros analisam a fundo uma série de fenômenos importantes, eles exigem conhecer o país. Canais e lagoas, por exemplo, é uma pesquisa modelar sobre o Nordeste, mas não temos uma descrição fundamentada do Brasil inteiro. Por isso, aos editores parece prematuro publicar uma pesquisa detalhada apenas sobre o Nordeste. Além disso, seus livros ocupam uma posição intermediária entre literatura artística pura e propaganda política, ou antes, combinam as duas coisas. Como as editoras são altamente especializadas, isso dificulta em escolher uma delas.

É mais razoável começar publicando em revistas uma seleção dos trechos mais claros. Isso também põe dificuldades, pois a maioria das revistas (Inostrannaia literatura [Literatura Estrangeira], Ogoniok [Pequena Chama], Iunost [Juventude] etc.) publica exclusivamente literatura artística ou ensaios sobre temas do momento. A publicação mais plausível seria a revista Vokrug Sveta [Ao Redor do Mundo] (Zé Curau foi publicado aí). Aliás, qual sua opinião sobre a correspondência entre tradução e original?

Devo destacar que seus livros desfrutam de sucesso entre nossos camaradas que estudam mais profundamente o Brasil. Seu último livro, por exemplo, ajudou a esclarecer sobre questões muito complexas. Não sei o que você está planejando escrever, mas me parece que se você fizesse um livro sobre os movimentos nacional-libertadores no Brasil, dando um quadro perspectivo e consequente, ele despertaria um grande interesse entre os leitores soviéticos.

Vólia está com a gente agora. Nós todos achamos que é melhor para ela ficar aqui. Seu problema está se resolvendo. De nossa parte, vamos ajudá-la em tudo.

Quanto aos assuntos familiares, o mais importante é o nascimento de nosso filho. Ele e Sattva passam bem e logo sairão da maternidade para casa.

Aproveito a ocasião para lhe transmitir calorosas saudações comunistas de meu pai e minha mãe, que ingressaram nas fileiras de nosso Partido nos tempos da revolução e da guerra civil.

Com profundo respeito
Zarem.

P.S. Estou enviando cópias de alguns
trabalhos meus, incluindo uma conferência
no Congresso Internacional de Eletrônica,
em Paris.

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Дорогой О. Б!

Желаю Вам здоровья и мужества.

Хотя мне и не пришлось видеть Вас лично, но я всегда с глубоким уважением следил за Вашей жизнью, полной борьбы и тяжёлых испытаний. Сейчас у нас с Сатвой родился сын, и ваша жизнь будет служить ему светлым примером. Мы с Сатвой живём хорошо и дружно. Она работает на старом месте. Я занимаюсь исследованиями в области физики в Академии Наук. В своё время Сатва помогла мне в какой-то степени овладеть португальским языком, и я познакомился со многими книгами по истории, этнографии и географии Бразилии. Дорогой О., по Вашим письмам чувствуется, что Вас глубоко волнует вопрос о Ваших книгах, о возможности их издания в Сов. Союзе. Мне кажется, что основная трудность перевода этих книг заключается в том, что наш читатель очень мало знает о Бразилии в целом. Ваши книги глубоко анализируя ряд важных явлений требуют знания страны. Например: Каналес и лагунас являются образцом по исследованию Северо-Востока. Но у нас нет солидного описания всей Бразилии, поэтому издание подробного исследования по одному Северо-Востоку представляется издателям преждевременным. Далее, Ваши книги занимают среднее положение между чисто художественной литературой и политической публицистикой; вернее в них сочетается и то и другое. Это затрудняет нахождение издательства; они сильно специализированы.

Наиболее целесообразно начинать с публикации отдельных, наиболее ярких, отрывков в журналах. Здесь тоже встретятся затруднения, так как большинство журналов (Иностранная литература, Огонёк, Юность и др.) печатают исключительно художественную литературу, или очерки на злобу дня. Наиболее вероятным местом является журнал „Вокруг Света‟ (Зе Курау был напечатан в нём). Кстати, что Вы думаете о соответствии перевода оригиналу[?].

Следует отметить, что Ваши книги пользуются успехом у наших товарищей, занимающихся глубоким изучением Бразилии. Например, последняя Ваша книга помогла разобраться в очень сложных вопросах. Я не знаю Ваших творческих планов, но мне представляется, что если бы Вы написали книгу о народно-освободительных движениях в Бразилии, дав перспективную и последовательную картину, то такая книга вызвала бы большой интерес у советских читателей.

Сейчас у нас находится Волка. Нам всем кажется, что ей лучше остаться здесь. Её вопрос решается. Мы со своей стороны ей во всём поможем.

Что касается семейных дел, то главное событие – рождение сына. Он и Сатва здоровы и скоро переберутся из родильного дома домой.

Пользуюсь случаем передать Вам горячий к-ий [коммунистический] привет от моего отца и матери, которые вступили в ряды нашей п-и [партии] со времён революции и гражданской войны.

С глубоким уважением
Зарем.

P.S. Посылаю Вам оттиски некоторых
своих работ, в том числе доклад на
Международном конгрессе по электроники
в Париже.



Octavio Brandão filmado em documentário, perto do fim de sua vida.