segunda-feira, 17 de agosto de 2015

“Amai nossa Ucrânia”, de V. Sosiura


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Esta foi a primeira tradução poética que fiz a partir de um idioma eslavo. Trata-se do poema “Любіть Україну” [Liubit Ukrainu], que significa literalmente “Amai a Ucrânia” ou “Amem a Ucrânia”. Foi escrito pelo poeta e romancista Volodymyr Mykolaiovych Sosiura, nascido em 6 de janeiro de 1898 (25 de dezembro de 1897, pelo calendário juliano ortodoxo) na cidade de Debaltseve (Debaltsevo, em russo), pertencente então ao Império Russo e hoje integrando o leste da província ucraniana de Donetsk, na divisa com a província de Luhansk. Volodymyr Sosiura faleceu em 8 de janeiro de 1965 na Kyiv soviética.

Em fevereiro de 2015, num grupo do Facebook dedicado aos brasileiros descendentes de ucranianos, um senhor residente em São Paulo apresentou esse poema e me sugeriu traduzi-lo para o português mantendo as sutilezas poéticas. Ele pontuou que a cidade onde Volodymyr Sosiura havia nascido era Debaltseve, então cenário de uma cruenta batalha entre as Forças Armadas da Ucrânia e as Forças Armadas da Nova Rússia, consideradas “separatistas” por Kyiv, no desenrolar da guerra civil iniciada durante a crise política de 2014. Debaltseve é um ponto logisticamente estratégico ocupado por forças do governo em julho de 2014 e retomado pelas tropas da autoproclamada República Popular de Donetsk em 18 de fevereiro de 2015, quando o exército ucraniano, na defensiva desde meados de janeiro, foi forçado à retirada.

Sosiura, cujo pai tinha raízes francesas (o sobrenome deve ser uma aclimatação de “Saussure”), lutou na Guerra Civil Russa entre o inverno de 1918 e o outono de 1919 nas fileiras do exército da então independente República Popular Ucraniana, comandado por Symon Petliura. Porém, com a derrota dessa república, Sosiura passou para o Exército Vermelho, e após o fim do conflito realizou seus estudos superiores, concluídos em 1925, tendo já exercido outras profissões antes de 1918, inclusive nas minas do Donbass. Tornando-se um escritor muito popular entre as décadas de 1920 e 1930, pertenceu a várias associações literárias, inclusive a União Ucraniana dos Escritores Proletários, mas frequentemente entrava em conflito com as diretrizes do Partido Comunista ucraniano, do qual, aliás, era membro, e que frequentemente criticava suas propensões “nacionalistas”. Sosiura chegou até mesmo a ser obrigado a um trabalho fabril de “reeducação” entre 1930 e 1931.

Volodymyr Sosiura foi correspondente de guerra entre 1942 e 1944, ano em que escreveu o poema “Amai a Ucrânia”, com alusões à paisagem e cultura locais, ao conflito mundial e à expulsão de tropas invasoras. Conseguiu ganhar o Prêmio Stalin de primeiro grau em 1948 por uma coletânea poética publicada no ano anterior, mas em 1951 seria alvo de uma campanha difamatória oficial, com alcance inclusive no jornal Pravda, por conta do suposto “nacionalismo burguês” de seu “Amai a Ucrânia”. O desgosto de Sosiura o teria levado a um primeiro infarto em 1958 e a vícios posteriores, até um segundo infarto que teria acelerado sua morte aos 67 anos de idade.

Após a Ucrânia ter sido declarada independente, em 1991, o poeta foi relembrado em inúmeras homenagens, monumentos, selos, artigos e republicações, e uma edição comemorativa da moeda de 2 hryvnias marcou em 1998 o centenário de seu nascimento, trazendo a efígie de Sosiura e, logo abaixo, a inscrição “Любіть Україну”. Na cidade de Zmiiv, um mastro com a bandeira nacional em honra aos 20 anos da independência tem gravadas em seu pedestal algumas estrofes do poema. Veja aqui uma foto do mastro por inteiro ou de seu pedestal com as estrofes 1, 2, 4 e a última.

Quando o senhor de São Paulo postou o poema no grupo do Facebook, uma senhora escreveu em comentário um rascunho de tradução literal, ao qual não sei como ela havia chegado, pois alguns significados estavam até errados. Mesmo assim, a colaboração dela me ajudou e, embora não sendo fluente em ucraniano, após ter deixado todo esse material guardado ao longo do primeiro semestre, decidi empunhá-lo em meados de junho e, no dia 14, concluí a tradução poética brasileira, após uns três dias de trabalho muito inspirado. Contei ainda com o auxílio de dicionários e enciclopédias online, para dúvidas vocabulares, gramaticais e sobre o contexto histórico de certas palavras.

Obviamente obedeci à métrica original, inclusive respeitando oxítonas ou paroxítonas em final de verso, mantive as maiúsculas ou minúsculas em começo de verso e procurei mexer o menos possível no significado; onde isso não foi possível devido às obrigações da forma, fiz cortes do que era redundante, adaptações e até mesmo acréscimos que não destoassem do todo. Busquei não repetir rimas ao longo do poema, recorri inclusive a rimas parciais e mantive ao máximo a ocorrência do nome “Ucrânia”, especialmente quando ele importava na rima. E o mais notável, substituí o célebre “Amai a Ucrânia” por “Amai nossa Ucrânia”, por respeito à métrica no primeiro verso, o que acredito não ter prejudicado nem um pouco os efeitos.

Parece que Volodymyr Sosiura ainda é um desconhecido no Brasil, exceto nos círculos imigrantes, enquanto as ideias que permeiam sua obra teriam um caráter apressadamente pouco palatável a certos literatos ditos progressistas encoleirados a análises unilaterais da atual conjuntura geopolítica. Logo abaixo está o poema em ucraniano, e em seguida, minha tradução brasileira. Mais informações biográficas e literárias, nas Wikipédias em inglês, em russo e em ucraniano.




Любіть Україну


Любіть Україну, як сонце, любіть,
як вітер, і трави, і води…
В годину щасливу і в радості мить,
любіть у годину негоди.

Любіть Україну у сні й наяву,
вишневу свою Україну,
красу її, вічно живу і нову,
і мову її солов'їну.

Між братніх народів, мов садом рясним,
сіяє вона над віками…
Любіть Україну всім серцем своїм
і всіми своїми ділами.

Для нас вона в світі єдина, одна
в просторів солодкому чарі…
Вона у зірках, і у вербах вона,
і в кожному серця ударі,

у квітці, в пташині, в електровогнях,
у пісні у кожній, у думі,
в дитячий усмішці, в дівочих очах
і в стягів багряному шумі…

Як та купина, що горить — не згора,
живе у стежках, у дібровах,
у зойках гудків, і у хвилях Дніпра,
і в хмарах отих пурпурових,

в грому канонад, що розвіяли в прах
чужинців в зелених мундирах,
в багнетах, що в тьмі пробивали нам шлях
до весен і світлих, і щирих.

Юначе! Хай буде для неї твій сміх,
і сльози, і все до загину…
Не можна любити народів других,
коли ти не любиш Вкраїну!

Дівчино! Як небо її голубе,
люби її кожну хвилину.
Коханий любить не захоче тебе,
коли ти не любиш Вкраїну…

Любіть у труді, у коханні, у бою,
як пісню, що лине зорею…
Всім серцем любіть Україну свою —
і вічні ми будемо з нею!

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Amai nossa Ucrânia


Amai nossa Ucrânia, amai como o sol,
os campos, o vento e as águas...
Amai se alegria e prazer reinam sós,
bem como nas horas de mágoa.

Amai nossa Ucrânia no agir e pensar,
as ginjas, e a sempre luzente
e nova beleza, e a língua a soar
igual rouxinol tão contente.

No rico mosaico dos povos irmãos,
a Ucrânia fulgura do início...
Amai-a com o âmago do coração
e vossos trabalhos propícios.

No mundo indivisa nos é, sem igual
no doce, atraente infinito...
Está nos salgueiros, no alvor sideral,
nos pulsos do peito em agito,

em tudo menor: chama, pássaro, flor,
nos cantos e nos pensamentos,
criança que ri, moça olhando em amor,
bandeiras bradando no vento.

É morro que queima, mas não vira pó,
e vive nos bosques, veredas,
no som das sirenes, no ondar do Dnipró,
nas púrpuras nuvens de seda.

no cru bombardeio que cinzas tornou
os hostes vestidos de guerra,
no rifle que da negridão nos levou
à clara e feliz primavera.

Ei, moço! A ela dá tudo ao viver,
teu choro ou risada espontânea...
Não ama outros povos sem antes querer
com zelo e paixão nossa Ucrânia!

Ei, moça! A ela e seu teto de anil
sempre ama, não causa cizânia.
O amado te nega cortejo viril
se deixas de lado a Ucrânia...

Lavrando, lutando, cuidando – amai
como ária na luz matutina...
Na alma imortal vossa Ucrânia guardai:
com ela, imortal nossa sina!