quarta-feira, 5 de junho de 2024

Como pronunciar latim eclesiástico (6)


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/fale-latim6


Finalmente, depois de mais de três anos de pausa (fevereiro de 2021), volto a publicar minhas leituras de textos em latim! Só pra relembrar: em fevereiro de 2018, decidi gravar em áudio e publicar no antigo canal Pan-Eslavo Brasil, em forma de vídeo montado com as ilustrações correspondentes, todos os textos dos livros Gradus Primus e Gradus Secundus, de Paulo Rónai. Além da tradução literal livre na descrição, minha locução trazia em voz alta as leituras destinadas ao ensino do idioma latino no ginásio (mais ou menos 5.º a 9.º ano atuais) e criadas por volta da década de 1950. Paulo Rónai foi linguista, tradutor, escritor e crítico literário, e nasceu na Hungria antes de se radicar no Brasil.

Uma das críticas feitas por latinistas acadêmicos a esse método é que os textos são muito artificiais e não refletem a realidade romana antiga da língua. Mas eu gostava muito dele porque pra quem não sabe nada, é uma introdução bem didática, e serve ainda muito bem como manual autodidata. Aqui na página, eu sempre publicava as leituras de 10 em 10, e a última publicação da coleção trouxe os textos lidos das lições 1 a 10 do Gradus Secundus, mas eu já tinha carregado no canal as leituras até a lição 16. Acontece que nesse meio-tempo, houve a derrubada do Pan-Eslavo Brasil em agosto de 2021, a mudança completa da página pra outra conta do Google, o exame de qualificação do doutorado, a defesa da tese e muitas outras coisas que “pediram” pra ser publicadas antes aqui... Apenas agora gravei e montei os quatro vídeos restantes, por isso seu design está um pouco diferente, em especial pela ausência de alusões (agora inúteis) ao YouTube!

Como eu disse nas outras publicações com leituras do Gradus Primus e do Gradus Secundus, decidi seguir a chamada “pronúncia eclesiástica”, baseada na língua italiana e hoje usada em larga escala (quando se emprega o latim) pela Igreja Católica Romana, porque ela é a mais simples, menos artificial e não padece da condição de hipótese, tal como a “pronúncia reconstituída”. Comecei esta série no YouTube por diversão, e pra quem não sabe nada da língua latina, embora não seja propriamente um curso. O latim também pesou pra evangelização dos eslavos e pra elaboração cultural feita pelos santos Cirilo e Metódio, codificadores da primeira língua eslava escrita. Além disso, muitos povos eslavos (ocidentais, além de croatas e eslovenos) não caíram sob a influência ortodoxa de matriz grega.

Seguem abaixo os vídeos das lições 11 a 20 do Gradus Secundus já gravadas (de 11 a 16, ainda em 2021). Você pode ler também as traduções livres que eu mesmo fiz, já que elas não acompanham os livros. Até a lição 16, as traduções vieram nas descrições dos vídeos no YouTube, quando eu ainda estudava o livro e o conhecimento estava “fresco” em minha mente. Pros outros vídeos, seria (e será no futuro) difícil e demorado eu mesmo traduzir sozinho, porém, achei uma playlist no canal do prof. Húdson Canuto com aulas baseadas justamente nos dois manuais de Rónai, nas quais ele lê os textos em voz alta, os traduz oralmente e explica a gramática. Claro que a tradução é vagarosa, ele não a dá pronta de uma só vez e considero sua locução bastante monótona, mas pelo menos pra esta publicação, foi uma mão na roda pra que, com minhas próprias adaptações, eu pudesse enfim desengavetar o rascunho!

Queria fazer apenas duas observações: logo no primeiro vídeo, cometi o pequeno deslize de, ao invés de pronunciar ignosco em ignosco libenter como “inhósko”, que é a forma correta, pronunciei “inhócho”. E no vídeo “Os primeiros cônsules”, minha única discórdia pra com o autor é logo no começo, eu não escreveria iam (já), mas jam, igual nos escritos católicos medievais e modernos, por ser semiconsoante:


ORBÍLIO INTERROGA SEUS ALUNOS

ORB. – Vocês estudaram a lição, meninos?

ALUNOS – Estudamos, professor.

ORB. – Quantos reis os romanos tiveram, Sexto?

SEXTO – Sete.

ORB. – Por quanto tempo (no total) eles reinaram?

SEX. – Duzentos e quarenta e três anos.

ORB. – Quem foi o primeiro rei de Roma?

SEX. – O primeiro rei de Roma foi Rômulo.

ORB. – Ótima resposta. De quem Rômulo era filho, Aulo?

AULO – Da vestal Rea Sílvia e do deus Marte.

ORB. – Ele tinha um irmão?

AUL. – Tinha, de fato gêmeo, Remo.

ORB. – A quem Amúlio levou os gêmeos?

AUL. – A um escravo.

ORB. – Por quê?

AUL. – Para que ele os matasse.

ORB. – Onde o escravo abandonou os pequeninos?

AUL. – Na beira do rio.

ORB. – Como a loba cuidou dos pequeninos?

AUL. - Alimentando-os com leite.

ORB. – Você também é um menino diligente. Agora me responda diretamente você, Lúcio. Numa reinou depois de quem?

LÚCIO – Depois de Rômulo e antes de Tulo.

ORB. – Quem sucedeu a Tulo?

LUC. – Anco Márcio.

ORB. – E a este?

LUC. – Tarquínio, o Soberbo.

ORB. – Você pensa dessa forma, Quinto?

QUINTO – De forma alguma, professor. O sucessor de Anco era Tarquínio Prisco.

LUC. – Isso mesmo. Confundi os dois Tarquínios. Perdoe pelo erro, professor.

ORB. – Claro que perdoo, Lúcio: “errar é humano”.


(SOBRE) OS ESTUDOS DAS MENINAS

Júlia, Lívia e Sílvia são levadas pela escrava Drusila para a casa de Semprônia, para que elas retomem os estudos com a professora. A professora é saudada afavelmente pelas alunas.

MENINAS – Olá, professora!

SEMPR. – Olá, meninas! Como vão?

MENINAS – Muito bem, professora. E a senhora [lit. “tu/você mesma”], como vai?

SEMPR. – Muito bem. Senti muita falta de vocês nessas férias. O que vocês querem aprender hoje?

LÍVIA – Dite provérbios para nós.

SEMPR. – Aqui estão quatro entre os mais belos:

Os amigos certos são discernidos nas horas (lit. “coisa”) incertas.

Devemos ser (ou “nos deixar ser”) advertidos de boa vontade pelos amigos.

A verdadeira virtude é exibida pelos atos.

O outro lado (lit. “A outra parte”) também deve ser ouvido.

Os provérbios são explicados pela professora e são copiados nas tábuas pelas alunas com estilete.


(SOBRE) OS PRIMEIROS CÔNSULES

ORBÍLIO – Já vimos como os romanos expulsaram Tarquínio, o sétimo e último rei. Então, em vez de apenas um rei, foram eleitos dois cônsules pela razão que, se um deles fosse mau, seria reprimido pelo outro. Mas aos cônsules foi dado o reinado de um ano.

QUINTO – Por que não durável, professor?

ORB. – Foi decidido que eles não tivessem um reinado maior do que um ano só para que não se tornassem arrogantes demais com a longa duração do poder, mas sempre fossem corteses. Portanto, foram cônsules no primeiro ano Lúcio Júnio Bruto e Tarquínio Colatino.


(SOBRE) AS GUERRAS QUE O REI EXPULSO CONDUZIU CONTRA ROMA

QUINTO – O rei expulso de Roma aceitou a ofensa com o espírito resignado?

ORBÍLIO – De forma alguma. Pelo contrário, conduziu guerras contra Roma para que tivesse o reinado restabelecido. Na primeira batalha o cônsul Bruto e Arunte, filho de Tarquínio, mataram um ao outro; porém, os romanos saíram vencedores dessa batalha, e Tarquínio vencido. Também no segundo ano Tarquínio conduziu uma guerra à pátria com a ajuda de Porsena, rei dos etruscos, e quase capturou Roma; mas também então saiu derrotado.

SEXTO – Assim finalmente a república (livre) pôde pôr as discórdias de lado.

ORB. – Ainda não. O rei expulso não descansou até sua morte. No nono ano um enorme exército foi reunido por seu genro para vingar a ofensa ao sogro. Porém, as tropas foram novamente vencidas pela virtude dos cidadãos.

SEX. – E como Tarquínio Soberbo terminou sua vida?

ORB. – Ele se transferiu para Cumas e nessa cidade logo morreu consumido pela velhice e pela aflição.


SOBRE O RESPEITO PARA COM OS IDOSOS

Enquanto Semprônia ensinava as alunas em casa, uma velha entrou para visitá-la. Escrevendo a lição, as meninas não se levantaram. Pouco depois a velha foi embora e Semprônia narrou esta história às meninas:

Lacedemônia [i.e. Esparta] era um domicílio honradíssimo para os idosos. Em nenhum outro lugar a velhice era mais venerada. Um dia, em Atenas, certo velho entrou num teatro; na grande plateia nenhum dos seus cidadãos cedeu-lhe o lugar. Então o velho se aproximou de embaixadores espartanos que estavam sentados em certo lugar. Todos eles se levantaram e o receberam para que se sentasse. Quando a plateia toda aplaudiu fortemente os embaixadores, um deles disse: “Os atenienses sabem o que é certo, mas não querem fazê-lo”.

As meninas ficaram muito perturbadas com a história da professora.

– Entendi a história, professora – disse Lívia. – Agimos mal. Perdoe o erro. Daqui em diante sempre demonstraremos respeito à velhice [i.e. aos idosos].


SOBRE CORIOLANO

ORBÍLIO – Vocês já conhecem a história dos sete reis e da república. Se desejam saber mais alguma coisa, perguntem.

SEXTO – Já ouvi muitas vezes o nome de Coriolano. Explique-nos, professor, quem foi ele e que coisas realizou.

ORB. – Caio Márcio Coriolano, general romano que havia capturado Coríolos, a cidade dos volscos, foi expulso injustamente de Roma. Irritado, ele se dirigiu aos próprios volscos e aceitou a ajuda deles para se vingar da ofensa.

Coriolano venceu os romanos muitas vezes. Recusou-se a receber os embaixadores romanos que foram enviados para oferecer a paz. Ele estava – algo terrível de dizer – prestes a sitiar a pátria, quando sua mãe e sua esposa saíram de Roma ao seu encontro.

Vencido pelo choro e pela súplica das mulheres, Coriolano afastou seu exército. E este foi o segundo general depois de Tarquínio que se voltou contra sua pátria.


(SOBRE) MÚCIO CÉVOLA (Primeira parte)

LÚCIO – Professor, recentemente o senhor falou sobre Coriolano, um inimigo de sua pátria. Peço que hoje fale sobre algum homem ilustre que a amasse.

ORBÍLIO – Pedido correto, Lúcio. Os exemplos dos homens fortes despertam os ânimos dos jovens com o amor pela glória. Por isso vou lhes contar agora um caso do tipo que vocês estão pedindo, digno de admiração e meditação.

Vocês já ouviram o nome de Porsena, rei dos etruscos e companheiro de Tarquínio Soberbo, o qual o povo expulsara de Roma. Porsena atormentava nossa cidade com uma grave e constante guerra. Suportando-a com dificuldade, o jovem nobre Múcio, cingido com a espada, entrou secretamente no acampamento militar do rei. Após tentar em vão matar o rei, que estava fazendo sacrifícios ao altar, foi subjugado pelos soldados que ameaçaram o torturar.


(SOBRE) MÚCIO CÉVOLA (Segunda parte)

SEXTO – As ameaças de Porsena atemorizaram Múcio?

ORBÍLIO – De forma alguma. Ele não escondeu dos soldados a razão de sua vinda; pelo contrário, mostrou a todos com admirável paciência o quanto desprezava as torturas. De fato, detestando sua mão direita, por não poder se valer de seu serviço para assassinar o rei, colocou-a dentro de um braseiro e aguentou as queimaduras.

A paciência de Múcio também obrigou o próprio Porsena, que tinha se esquecido do perigo, a transformar sua vingança em admiração.

– Múcio – diz ele –, volte para junto dos seus e lhes diga isto: “O rei devolveu a vida a mim, que queria atentar contra a dele.”


(SOBRE) RÉGULO (Primeira parte)

AULO – O que aconteceu depois com Múcio?

ORBÍLIO – Viajando para Roma, parecia mais triste pela saúde de Porsena do que alegre pela sua própria. Mas os cidadãos, admirando sua virtude, lhe deram um cognome [Cévola, no caso] de glória eterna. O que vocês acham desse exemplo de virtude?

QUINTO – A paciência do jovem nos comove à máxima admiração.

ORB. – Admirando e imitando tais exemplos, vocês vão servir à pátria.

LÚCIO – Mas diga, professor, Roma teve outros homens parecidos com Múcio?

ORB. – Teve, muitos até. Ouçam o feito do insigne Régulo. Sendo já célebre o nome da cidade de Roma, eclodiu a guerra púnica contra os africanos [i.e. cartagineses]. Essa guerra foi longuíssima e de futuro duvidoso. Com o auxílio dos espartanos, os exércitos africanos venceram e capturaram parte do exército romano, incluindo o imperador Régulo.

Porém, dois anos depois, Metelo, outro general romano, derrotou os africanos na Sicília e vingou a derrota [de Régulo]. Então, os cartagineses pediram a Régulo, a quem tinham capturado, que viajasse até Roma, obtivesse a paz junto aos romanos e fizesse a troca de prisioneiros.


(SOBRE) RÉGULO (Segunda parte)

LÚCIO – O general romano poderia executar ordens de inimigos?

ORBÍLIO – Espere um pouco e você já vai ver se agiu como um enviado dos púnicos [i.e. cartagineses] ou um cidadão romano.

Tendo chegado a Roma, Régulo foi levado ao Senado. Evitando o abraço da esposa [lit. “Afastando a esposa do abraço”], persuadiu os cidadãos a não fazerem a paz com os cartagineses.

– Prostrados por muitas desgraças – disse ele –, eles não têm nenhuma esperança. Eu, por Hércules, um único velho, não valho tanto para que seja trocado, junto com uns poucos romanos que estão presos comigo, por tantos milhares de prisioneiros.

Seguindo o conselho de Régulo, nenhum romano recebeu os africanos que pediam a paz. Os cidadãos fracassaram em reter Régulo em Roma. Ele voltou à África e morreu sob todo tipo de tortura.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe suas impressões, mas não perca a gentileza nem o senso de utilidade! Tomo a liberdade de apagar comentários mentirosos, xenofóbicos, fora do tema ou cujo objetivo é me ofender pessoalmente.