sexta-feira, 28 de setembro de 2018

As melhores canções de Vice Vukov (3)


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O grande cantor croata Vinko Vukov, mais conhecido como Vice Vukov, considerado o Rei da Música nacional, completou 10 anos de seu falecimento no dia 24 de setembro. Por isso, além das canções que legendei nos últimos meses, adicionei outras na semana passada, em homenagem à sua vida e obra, e já tinha legendado um pequeno trecho. É uma pena que os brasileiros não o conheçam, e que nossa música tenha se deixado influenciar tão pouco pela croata. Vukov (1936-2008) alcançou fama instantânea em 1959 e durante os anos 60 se tornou um dos mais célebres cantores da Iugoslávia. Participou do concurso Eurovision em 1963 e 1965, mas em 1972 teve sua carreira nacional interrompida por ter sido ligado ao movimento nacionalista croata de protesto. Apenas em 1989 circulou um novo álbum seu sem assinatura, e com o fim do comunismo Vukov pôde retornar aos palcos triunfalmente. Foi eleito deputado federal em 2003, mas sofreu em 2005 uma queda que lhe feriu a cabeça e o deixou em longa agonia.

O primeiro vídeo é o curto trecho de um show dado em Perth, cidade da Austrália, em dezembro de 1968 e transmitido pelo famoso canal local GTV-9. Vice Vukov canta a primeira parte de Ribar plete mrižu svoju (O pescador tece sua rede), música popular da Croácia com arranjos feitos pelo músico e compositor Ljubo Stipišić (1938-2011). Eu tirei alguns trechos do vídeo sem legendas e recortei o quadro, que era mais quadrado. A segunda filmagem é a canção Kad raziđe se dim (Quando a fumaça sumir), e foi composta em 1991 por Krsto Juras (letra) e Arsen Dedić (melodia). Vukov a gravou em 1992, tendo sido nesse mesmo ano transmitido pela Televisão Croata. Esta música, considerada uma das mais belas da Croácia, foi criada no clima da queda de Vukovar, durante a guerra de independência, sob o domínio das tropas sérvias e iugoslavas. O vídeo sem legendas está num canal com muito bom material de Vukov, no qual há outra versão com imagem boa, mas áudio pior. E a terceira é I tako teče vreme (E assim flui o tempo), composta em 1967 por Dušan Vidak (melodia) e Olivera Živković, com arranjos de Pero Gotovac. Vukov a gravou no mesmo ano, tendo ganhado com ela um conhecido festival de música em Belgrado. Deste vídeo eu baixei o áudio, cujo chiado reduzi um pouco.

Ribar plete mrižu svoju é uma canção típica da região da Dalmácia, e como se nota, canta sua tradição litorânea no mar Adriático, próximo à Itália, ao falar de um pescador. Vice Vukov, em geral, cantava muitas músicas de teor romântico, no sentido de bucólico, paisagístico e nacionalista, e são características, sobretudo, das primeiras décadas de sua carreira, além de seu retorno nos anos 90. Outro traço regional é a substituição do “je” ou “ije” de certas palavras (na variante literária do croata) por “i”: mrižu, triba, zapivaj, pismu, que se escrevem com “e” no sérvio literário. Também há a preferência, no áudio, em fazer o vocativo de ribar (ó, pescador) como ribare, e não ribaru, e tko no lugar de ko (quem) é outro traço croata. Neste livro de canções tradicionais, que pode ser baixado rapidamente, está a letra original, e há várias partituras em outro livro em PDF, inclusive de Ribar plete mrižu svoju.

Kad raziđe se dim lembra uma insurreição dos sérvios em territórios dentro da Croácia em 1990, que teve reforço das tropas da Iugoslávia (que então reunia os hoje territórios da Sérvia, Montenegro e Kosovo) até começar em 1991 uma guerra aberta contra a Guarda Nacional croata e voluntários civis. Este lado era bem menor e menos armado, mas defendeu com bravura a cidade de Vukovar, encravada bem na fronteira com a Sérvia, como um dos episódios da guerra ocorrido de agosto a novembro de 1991. Os paramilitares sérvios e o exército iugoslavo ao final tomariam Vukovar, mas a Iugoslávia saiu bastante exaurida da batalha, que terminou sendo decisiva no futuro da guerra. Com a retomada, forças sérvias mataram centenas de soldados e civis croatas, e deportaram mais de 31 mil pessoas da cidade e arredores.

Foi o primeiro caso, após a 2.ª Guerra Mundial, em que uma cidade europeia foi totalmente destruída em combate. Considera-se que a Croácia efetivou sua independência em 8 de outubro de 1991, mas Vukovar ficou sob controle iugoslavo até 1998, ao ser devolvida aos croatas. Até 1995, a Croácia manteve-se em guerra com a Iugoslávia, defendendo a independência da Bósnia e Herzegóvina e protegendo as minorias croatas que aí viviam. Cidade antes próspera, Vukovar foi reerguida, mas ainda tem muitos prédios em ruínas e perdeu grande parte de sua população original. Como em outros sites a ortografia da letra da canção não era boa, consegui copiar uma amostra fiel nesta edição de uma revista croata. Pra exibir e trabalhar com ela, apenas mudei a quebra de linhas, e há outra diferença: um dos versos está escrito na revista U zemlji nemirnoj (Na terra turbulenta), mas Vukov canta de fato U zemlji raninoj (Na terra machucada).

Quanto a I tako teče vreme, eu praticamente não “traduzi” a letra, mas decifrei: a redação poética é muito complexa, com inúmeras inversões e metáforas, e a mensagem passada é bastante sutil, falando do breve relacionamento entre um homem maduro e uma jovem inexperiente. No final, ele lamenta que não pudesse mais desfrutar da juventude dela, embora tivesse gostado muito do romance. Há muitas páginas com a letra transcrita, mas sem maiúsculas ou letras acentuadas, de forma que eu as adicionei conforme consulta a dicionários e escuta. Também fiz algumas mudanças textuais pra corresponder ao que Vice Vukov realmente canta.

Eu mesmo traduzi e legendei as três músicas a partir do croata (no caso da primeira, é apenas a parte inicial), tendo usado o dicionário da Porto Editora, o Google Tradutor e o Wiktionary em várias línguas. Seguem os três vídeos legendados, que carreguei no canal Eslavo (YouTube), as letras originais e as traduções em português:



Ribar plete mrižu svoju,
Koja njemu triba,
A tko će je sutra plesti,
Baš ga nije briga.

2x:
Zapivaj pismu, ribaru stari,
Jer to je pisma o moru.
Zapivaj pismu, ribaru stari,
Jer to je pisma o moru.

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O pescador tece sua rede
Que lhe é necessária,
E quem vai tecê-la amanhã
Nem sequer o preocupa.

2x:
Entoe uma canção, velho pescador,
Pois é uma canção a respeito do mar.
Entoe uma canção, velho pescador,
Pois é uma canção a respeito do mar.



Kad raziđe se dim,
Kad prođe prva bol
U našoj staroj kući
Sjest ćemo za stol.
Kad raziđe se dim
I stigne prvi brod
Uz kap misnoga vina
Naći će se rod.

Kad raziđe se dim,
Kad ode u Nebesa
Sagradit ćemo Grad
Sa tisuću adresa.
Kad raziđe se dim,
Kad nestane k’o pjena
Sagradit ćemo Grad,
Grad za sva vremena!

(Ponoviti sve)

Kad osvane taj dan
U zemlji nemirnoj
Biser sja na dlanu –
Grad i moj i tvoj!

____________________


Quando a fumaça sumir,
Quando passar a dor inicial,
Vamos nos sentar à mesa
Em nossa velha casa.
Quando a fumaça sumir
E chegar o primeiro navio,
Os parentes vão se rever
Tragando um vinho local.

Quando a fumaça sumir,
Quando sair para os Céus,
Ergueremos uma Cidade
Com milhares de moradas.
Quando a fumaça sumir,
Dissolver-se como espuma,
Ergueremos uma Cidade,
Cidade para a eternidade!

(Repetir tudo)

Quando esse dia raiar
Na terra turbulenta
A pérola brilhará na mão:
Uma cidade minha e sua!



I tako teče, teče vreme,
A ja te hrabro, mirno gledam,
Jer znam da više nema mene
Ni iskre neke nade da ti dam.

Te puste godine su same
Bez mene našle tvoju mladost,
A neka sećanja iz tame
Ruše svaki, svaki most.

Ja nikad, nikad, nikad, nikad
Od tebe nisam krio strah
Od jedne iznenadne želje,
Da živim taj predah.

A ti si jednom, samo jednom
U kakvom to trenutku svom
Tog novembarskog jutra
Za mene bila sutra
Kroz jedan jedini dah.

Oprosti kad zaboli jače
Sa vetrom neka rana stara.
To s moga lica kiša briše
Na oknu neke davne suze kap.

Obećaj, novembar kad plače
Dve iste nam poruči čaše
Za mir i nemir duge naše
Kao nekad, nekad vre.

Sad zbogom, zbogom, zbogom, zbogom,
Jer više ništa nemam ja,
Ni nade, smisla, čak ni prava,
Da budem sa tobom.

Sa tvojom mladošću je sunce,
A ja se bližim ušću svom.
Ja, suza svoga smeha,
Ja, kazna svoga greha,
Al’ suncu zahvalan tvom.
Al’ suncu zahvalan tvom!

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E assim flui, flui o tempo,
Te olho corajoso e calmo,
Pois sei que não estou mais
Nem darei uma só esperança.

Os anos ocos, sós, sem mim
Encontraram você jovem,
E as lembranças das trevas
Derrubam cada, cada ponte.

Eu nunca, nunca, nunca
Te escondi que tinha medo
De desejar subitamente
Viver esse intervalo.

E você somente uma vez
Em algum momento seu
Dessa manhã de novembro
Foi para mim um amanhã
Por meio de suspiro único.

Perdoe se o vento der dor
Maior, como ferida antiga.
A chuva me tira gota do rosto
Como pranto velho na janela.

Se novembro chorar, jure
Que dois copos iguais vão
Nos lembrar da nossa longa
Paz e briga, como outrora.

Agora adeus, adeus, adeus,
Pois não tenho mais nada,
Esperança, sentido, nem até
O direito de estar com você.

Sua juventude tem Sol,
E eu já estou desaguando.
Sou pranto do meu sorriso,
Sou castigo do meu pecado,
Mas te agradeço pelo Sol.
Mas te agradeço pelo Sol!