Uma das coisas que adoro fazer no tempo (cada vez mais raro) livre é entrar no YouTube e assistir a vídeos em línguas das quais eu tenha pouca ou nula noção, mas sabendo pelo contexto do que trata mais ou menos a filmagem. Faço isso, sobretudo, com idiomas que estou começando a aprender, com idiomas que acho bonitos ou com idiomas sobre os quais tive alguma leitura resquicial que me permitisse, portanto, captar elementos bem isolados. O legal é achar algum canal que faça postagens sistemáticas e, inteirado com a proposta do administrador, já entender todos os vídeos como um só conjunto temático. Um desses canais, a respeito da língua cazaque, é o Qazaq TV, que tem muitas coisas legais, tiradas de emissões televisivas.
Logo abaixo está um telejornal, ao que pude entender, que está falando de polêmicas quanto ao ensino escolar de línguas ou ao ensino escolar ministrado em várias línguas no Cazaquistão. O país só passou a existir como entidade política (o que os russos chamam “ter sua gosudarstvennost”) na época soviética, e como país independente, em 1991, e as formas mais recentes de escrever a língua cazaque datam do início do século 20. Até então, era comum o uso do alfabeto árabe, como era o caso de outras línguas vizinhas, mas a partir daí têm coexistido versões dos alfabetos latino e cirílico, este ainda hoje predominando. É assim que fica evidente o antigo atrelamento político, cultural e científico aos russos, cuja língua ainda goza de prestígio no Cazaquistão. Disso reclamam muitos cazaques nativos, que veem seu próprio idioma marginalizado na vida cultivada e institucional.
Um dos primeiros senhores que aparece falando enfezado na reunião é Mukhtar Shakhanov (“Мұхтар Шаханов”, em cazaque), nascido em 1942 e ex-deputado do Soviete Supremo (parlamento) da URSS. Ele obteve renome internacional por escrever artigos invocando a necessidade de proteger o mar de Aral e ter presidido em 2006 uma comissão que investigou o Jeltoqsan, como são conhecidos os motins anti-Moscou ocorridos em Alma-Ata (atual Almaty) de 16 a 19 de dezembro de 1986. Em plena perestroika de Gorbachov, cerca de 200 civis morreram e mais de 200 ficaram feridos.
O programa televisivo em questão se chama Informbiuro, que (não por acaso) em russo significa “birô de informações”, e é transmitido desde 1996 pelo “31 канал” (Canal 31) de Almaty, que transmite em cazaque e russo. Na Wikipédia em russo podem ser lidos mais dados sobre o telejornal. Além do site oficial, o Informbiuro tem perfis e páginas em russo no Facebook, VKontakte, Twitter e Instagram.
Nota (25/2/2019): Infelizmente, numa das revisões gerais da minha página, descobri que os dois vídeos originais tinham sido removidos do YouTube. Portanto, o que se segue são transmissões parecidas, do mesmo telejornal e do mesmo humorista, pra vocês terem uma impressão sobre a língua cazaque. Além disso, em outubro de 2017, o governo do Cazaquistão decretou o início da transição do alfabeto cirílico pro latino, a qual duraria até 2025.
No próximo vídeo, está falando o humorista Tursınbek Qabatov (em cazaque, “Тұрсынбек Қабатов”, também conhecido em russo como “Турсынбек Кабатов”), que nasceu em 10 de outubro de 1979 e tem uma premiada carreira de ator e humorista, com ênfase no gênero stand-up, no Cazaquistão. Faz seus shows principalmente em Astana, a capital do país, onde também participa de muitos programas de televisão. Assim como no vídeo anterior, pelo que entendi, ele faz uma crítica ao predomínio da língua russa entre as elites cultivadas, burocráticas e científicas, e a como o establishment por vezes faz parecer inculta a denominação de certas realidades elevadas na língua cazaque. Percebam que, no final, toca até o jinglezinho particular dele, que inicialmente (não se escuta o resto) não passa de seu nome repetido: “Tursınbek Tursınbek, Qabatov Tursınbek...”. O humorista possui também um fã-clube no VKontakte.