Link curto para esta postagem: fishuk.cc/intentona

Nos dois vídeos, o primeiro com 52 minutos e o segundo com 1 hora e 3 minutos, contei algo sobre a ANL (Aliança Nacional Libertadora), grande movimento plural de massas que Eduardo Bueno reduz a “fantoche” dos comunistas e principal responsável pelas insurreições militares de novembro de 1935. A ANL, sobretudo a partir de julho (na verdade, o que restava dela), era em grande parte animada pelos comunistas, que, porém, não a fundaram nem a lideravam, papel muito mais desempenhado por oficiais militares e intelectuais. E a Comintern praticamente desconhecia a atuação da Aliança, já que as informações chegadas a Moscou eram escassas e não raro deformadas, e quando ela se deu conta de que parecia muito ao modelo de “frentes populares” que estava tentando aplicar aos partidos comunistas, a ANL já estava praticamente inativa. Entre as duas gravações, acabei vendo também um vídeo do Eduardo sobre o comunismo no Brasil.
Eduardo Bueno e o “Buenas Ideias” fazem um ótimo trabalho de popularização histórica e instigação crítica, mas infelizmente esse vídeo foi um deslize, tomando como fatos as descrições dos próprios agentes, sobretudo do governo repressor, mesmo que ele já se afirme “parcial” e “sumarizador”. Com todo respeito pessoal, fiquei pasmo como ele estraga um tema importante no meio de palhaçadas sem sentido e ainda por cima se atém a uma bibliografia hoje já muito antiga e até, em grande medida, superada! O fato de querer dar apenas um quadro geral não justifica que ele se apoie em livros como o do Waack, que é o primeiro mais documentado, mas fica no plano da intriga e não cria um verdadeiro quadro social geral, ou os do J. W. F. Dulles, mais preocupado em considerar o comunismo como “enxerto” estrangeiro e evitar conclusões elaboradas do vasto material empírico.
Há muitos anos temos livros que exploram muito mais documentação e visaram preencher lacunas antes espinhosas: o livro Revolucionários de 35: sonho e realidade, de Marly Vianna, que ressalta o caráter nacional das insurreições; o livro Estratégias da ilusão, de Paulo Sérgio Pinheiro, que faz uma história da violência estatal e mapeia os tortos caminhos pelos quais a Comintern “descobriu” a América; a coletânea de Anita Leocádia Prestes que, embora seja filha de Luiz Carlos, retraça a vida política do ex-capitão e a relaciona com todo o cenário político brasileiro, e não apenas uma parte; e os artigos de Ricardo Figueiredo de Castro, especialista no movimento antifascista dos anos 30 e historiador da ANL que esclarece a relação do PCB com os militares revoltosos.
Temas que abordo no vídeo 1: o PCB antes e depois de 1930; as revoltas militares na República Velha e o papel político do exército; Luiz Carlos Prestes como líder da Coluna e como mito carismático cooptado pelo comunismo; Getúlio Vargas como um reorganizador da República Nova por meio da proteção do exército e da industrialização nacionalizante; a situação socioeconômica no começo dos anos 30; a luta entre fascistas (integralistas) e antifascistas a partir de 1932; a ebulição social e contestatória a partir da Constituinte de 1934; a normalização autoritária entre 1932 e 1934; o surgimento da ANL em meio à turbulência política na virada de 1934 a 1935.
Temas que abordo no vídeo 2, alguns repetindo o vídeo 1: as diferenças entre o PCB antes e depois de 1929; a importância de Astrojildo Pereira e Octávio Brandão como nossos primeiros intelectuais comunistas; o movimento operário brasileiro como uma trajetória contínua em que diversas correntes sobreviveram, sem sobreposição ou extinção; a “revolução” de 30 e o regime de Getúlio Vargas como um inteiro processo modernizador, autoritário e industrializante, baseado nas Forças Armadas; a problematização das ligações entre o PCB (e outros partidos comunistas) à Comintern, que não o criou automaticamente, e sim foi buscada por grupos brasileiros interessados; a ANL como uma frente plural, longamente gestada e em cuja base os comunistas atuaram como agitadores; as insurreições militares de 1935 como frutos de insatisfação local e seguidas à ruína efetiva da ANL; a política inconstante da Comintern para com a América Latina, sua indiferença face à reconstrução do PCB nos anos 40 e o reerguimento comunista durante o ocaso do Estado Novo.