segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Eduardo Bueno e a Intentona de 1935


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Eu não ia lançar no meu canal TV Eslavo (YouTube) vídeos novos no último fim de semana, mas acabei gravando dois depoimentos às pressas, porque não resisti aos primarismos expostos por Eduardo Bueno em seu canal de história “Buenas Ideias” num vídeo de março de 2018 sobre a chamada “Intentona Comunista” de 1935 no Brasil. Esse episódio não foi nada mais do que uma série de revoltas militares ocorridas quase simultaneamente no Nordeste e no Rio de Janeiro e que tiveram alguma participação do Partido Comunista do Brasil, mas que, no caso do Nordeste, explodiram de forma espontânea e quase sem controle da direção central do PCB, que se sediava então no Rio. Muito menos com intervenção da Comintern ou do governo comunista de Moscou, que mesmo consultados sobre o que fazer na capital brasileira, deram uma resposta vaga e não pareciam especialmente interessados na empresa, deixando os dirigentes ainda mais confusos.

Nos dois vídeos, o primeiro com 52 minutos e o segundo com 1 hora e 3 minutos, contei algo sobre a ANL (Aliança Nacional Libertadora), grande movimento plural de massas que Eduardo Bueno reduz a “fantoche” dos comunistas e principal responsável pelas insurreições militares de novembro de 1935. A ANL, sobretudo a partir de julho (na verdade, o que restava dela), era em grande parte animada pelos comunistas, que, porém, não a fundaram nem a lideravam, papel muito mais desempenhado por oficiais militares e intelectuais. E a Comintern praticamente desconhecia a atuação da Aliança, já que as informações chegadas a Moscou eram escassas e não raro deformadas, e quando ela se deu conta de que parecia muito ao modelo de “frentes populares” que estava tentando aplicar aos partidos comunistas, a ANL já estava praticamente inativa. Entre as duas gravações, acabei vendo também um vídeo do Eduardo sobre o comunismo no Brasil.

Eduardo Bueno e o “Buenas Ideias” fazem um ótimo trabalho de popularização histórica e instigação crítica, mas infelizmente esse vídeo foi um deslize, tomando como fatos as descrições dos próprios agentes, sobretudo do governo repressor, mesmo que ele já se afirme “parcial” e “sumarizador”. Com todo respeito pessoal, fiquei pasmo como ele estraga um tema importante no meio de palhaçadas sem sentido e ainda por cima se atém a uma bibliografia hoje já muito antiga e até, em grande medida, superada! O fato de querer dar apenas um quadro geral não justifica que ele se apoie em livros como o do Waack, que é o primeiro mais documentado, mas fica no plano da intriga e não cria um verdadeiro quadro social geral, ou os do J. W. F. Dulles, mais preocupado em considerar o comunismo como “enxerto” estrangeiro e evitar conclusões elaboradas do vasto material empírico.

Há muitos anos temos livros que exploram muito mais documentação e visaram preencher lacunas antes espinhosas: o livro Revolucionários de 35: sonho e realidade, de Marly Vianna, que ressalta o caráter nacional das insurreições; o livro Estratégias da ilusão, de Paulo Sérgio Pinheiro, que faz uma história da violência estatal e mapeia os tortos caminhos pelos quais a Comintern “descobriu” a América; a coletânea de Anita Leocádia Prestes que, embora seja filha de Luiz Carlos, retraça a vida política do ex-capitão e a relaciona com todo o cenário político brasileiro, e não apenas uma parte; e os artigos de Ricardo Figueiredo de Castro, especialista no movimento antifascista dos anos 30 e historiador da ANL que esclarece a relação do PCB com os militares revoltosos.

Temas que abordo no vídeo 1: o PCB antes e depois de 1930; as revoltas militares na República Velha e o papel político do exército; Luiz Carlos Prestes como líder da Coluna e como mito carismático cooptado pelo comunismo; Getúlio Vargas como um reorganizador da República Nova por meio da proteção do exército e da industrialização nacionalizante; a situação socioeconômica no começo dos anos 30; a luta entre fascistas (integralistas) e antifascistas a partir de 1932; a ebulição social e contestatória a partir da Constituinte de 1934; a normalização autoritária entre 1932 e 1934; o surgimento da ANL em meio à turbulência política na virada de 1934 a 1935.

Temas que abordo no vídeo 2, alguns repetindo o vídeo 1: as diferenças entre o PCB antes e depois de 1929; a importância de Astrojildo Pereira e Octávio Brandão como nossos primeiros intelectuais comunistas; o movimento operário brasileiro como uma trajetória contínua em que diversas correntes sobreviveram, sem sobreposição ou extinção; a “revolução” de 30 e o regime de Getúlio Vargas como um inteiro processo modernizador, autoritário e industrializante, baseado nas Forças Armadas; a problematização das ligações entre o PCB (e outros partidos comunistas) à Comintern, que não o criou automaticamente, e sim foi buscada por grupos brasileiros interessados; a ANL como uma frente plural, longamente gestada e em cuja base os comunistas atuaram como agitadores; as insurreições militares de 1935 como frutos de insatisfação local e seguidas à ruína efetiva da ANL; a política inconstante da Comintern para com a América Latina, sua indiferença face à reconstrução do PCB nos anos 40 e o reerguimento comunista durante o ocaso do Estado Novo.